segunda-feira, 8 de março de 2021

“Rei do Congo – A mentira que virou folclore”, de José Ramos Tinhorão – Basílio de Vasconcelos e considerações de Münzer sobre o contingente escravo do rei português; negros em Castela; Richard Twiss sobre a variedade étnica em a partir de registros obtidos em Málaga; apontamentos de Cristóvão Rodrigues de Oliveira, João Brandão e João Maria Nogueira sobre a população de Lisboa; atividades dos escravos urbanos


Ainda em relação às informações de Münzer, médico alemão de passagem por Portugal no final do século XV, o livro destaca em nota fragmentos de seus registros verificados em “Itinerário do Dr. Jerónimo Münzer (excertos)”, organizado por Basílio de Vasconcelos:

                   “o rei possui negros de várias cores, acobreados, pretos carregados, e de línguas diferentes, conhecendo, porém, todos, a língua portuguesa; servindo-se de seus intérpretes, percorre quase toda a Etiópia e obtém continuamente pelos seus presentes a proteção dos reis mais importantes”.

(...)

A entrada de negros na Espanha também foi intensa. Aliás, em comparação com Portugal, a Espanha (Castela) já recebia escravos do norte da África desde o século XIV...
Richard Twiss, viajante inglês que esteve em Lisboa e em Castela ao tempo do reinado de Henrique III (1390-1406) constatou que Málaga, na Andaluzia, era um entreposto movimentado pelos negócios que envolviam os escravos trazidos da África.
Twiss havia se admirado com a grande variedade de fenótipos resultantes da miscigenação que ocorria em Portugal... Em Málaga pôde conhecer um painel explicativo e devidamente ilustrado que destacava dezesseis “variantes étnicas” resultantes da miscigenação dos negros com os espanhóis e outros miscigenados... O inglês não teve dúvida e copiou as informações. O autor relacionou algumas dessas “variantes”:

                   “para os espanhóis, ‘mulato’ era o resultado do cruzamento de espanhol com negro; ‘morisco’, de espanhol com mulato; assim como o cruzamento de mulher espanhola com um ‘morisco’ dava um ‘alvino’” (...) “o cruzamento entre um negro e uma índia gerava um ‘lobo’, que cruzado com um índio dava um ‘sambaigo’’ (...) “este – ‘sambaigo’ – cruzado com uma ‘mulata’, gerava um ‘albanassado’, que com uma mulata dava um ‘barzino’, que, finalmente, cruzado com uma ‘mulata’ originava um ‘moreno bem escuro de cabelo liso’”.

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Retomando a questão da população negra e de mestiços em Portugal, Tinhorão cita trecho de carta do cronista Damião de Góis acerca da grande quantidade de negros que foram transferidos para o país nos primeiros anos da década de 1510: todos os anos vêm para Lisboa dos reinos da Nigrícia dez a doze mil escravos, além dos que chegam da Mauritânia, da Índia e do Brasil”.
Há informações de que, a partir da segunda metade do século XVI, os escravos em Lisboa
ultrapassavam os 10% do contingente populacional. O livro cita “Sumário em que brevemente se contam algumas coisas (assim eclesiásticas como seculares) que há na cidade de Lisboa”, de Cristóvão Rodrigues de Oliveira (1551), e “Tratado da majestade, grandeza e abastança da cidade de Lisboa na segunda metade do século XVI”, de João Brandão (1552), que corroboram a informação sobre a grande quantidade de escravos, das mais diversas etnias, em Lisboa. De fato, por aquela época contavam-se 80.050 lisboetas livres, ao passo que o contingente de escravos era de 9.950.
Há ainda as informações obtidas por “levantamentos censitários”, como os que foram compilados por João Maria Nogueira e publicados na revista “O Panorama”... Além dos quase 10 mil escravos, em Lisboa viviam 3.800 estrangeiros residentes; homens de armas e a gente da Corte somavam 11.500; “frades, freiras e empregados de conventos, 926”; 1.000 pessoas estavam de algum modo relacionados aos hospitais, já que eram “médicos, enfermeiros ou internados”.
Os escravos urbanos realizavam tarefas sujas e pesadas ao ar livre... Daí a grande movimentação de negros e mestiços “saltar aos olhos” dos observadores estrangeiros. Não por acaso chamavam Lisboa de “cidade dos negros”, pois para onde olhavam viam-nos em atividade: fazendo todo tipo de serviço: descarregando barcos e navios; distribuindo carvão, peixe e carne”; descartando fezes, transportadas em “canastras equilibradas à cabeça”, no rio; vendendo água “ao pote e quartas”, caiando paredes de casas; lavando “trapos velhos”; esfolando animais para a obtenção de couro...
Leia: Rei do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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