quarta-feira, 10 de março de 2021

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – críticas de tradicionalistas e de defensores dos direitos a Napoleão; alterações políticas introduzidas pelo império napoleônico e recrudescimento do nacionalismo; ducado de Varsóvia, governos italiano e alemão e perspectivas nacionalistas após a queda de Napoleão; Simon Bolívar, sentimentos nativistas e nacionalismo; radicalismo das ideias sectárias do nacionalismo de Friedrich Jahn

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/02/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_28.html antes de ler esta postagem:

Napoleão foi criticado tanto pelos que defendiam a ideia de uma sociedade organizada nos moldes hierárquicos e tradicionais como pelos que defendiam os direitos...
Os tradicionalistas não concordavam com a tolerância religiosa admitida e institucionalizada pelo imperador, além disso, não aceitavam o “sepultamento do feudalismo” ou o conceito de “igualdade perante a lei”. Já os defensores dos direitos faziam-lhe oposição “devido às restrições que impostas a um grande número de liberdades políticas”.
Napoleão alcançou uma reconciliação com a Igreja Católica, mas nem isso levou os mais conservadores a reconhecê-lo como “governante legítimo”. Por outro lado, o fato de solidificar o império em bases hereditárias e de fazer ressurgir uma nobreza, desagradou os que pretendiam maiores avanços dos direitos do homem. Para esses, a “insistência na igualdade perante a lei”, tão propagada por ele, não contrabalançava o seu viés mais conservador.
Após a derrota, Napoleão sofreu denúncias e foi chamado de tirano pelos tradicionalistas e pelos defensores dos direitos. Lynn Hunt destaca que a escritora Germaine de Staël foi uma de suas mais ferrenhas críticas. Em 1817, ela sentenciou que o único legado que ele deixava eram “mais alguns segredos da arte da tirania”. De Staël e os demais críticos e analistas políticos, conservadores ou progressistas, fizeram questão de sempre se referirem ao “déspota” pelo seu sobrenome para, dessa maneira, não lhe dispensarem um “tratamento imperial”.
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Apesar dos esforços do Congresso de Viena, a derrota de Napoleão não resultou em aniquilamento instantâneo dos modelos instituídos pelos franceses... Todavia, durante o século XIX o nacionalismo tornou-se mentalidade que transformou “a discussão dos direitos” e criou “novos tipos de hierarquia que em última análise” afrontaram a “ordem tradicional”.
O caso é que ao tempo mesmo em que Napoleão avançou suas tropas pela Europa o nacionalismo ganhou força como elemento de oposição às tropas e interventores imperialistas. A autora lembra que o império napoleônico criou “entidades”, como “o ducado de Varsóvia, o reino da Itália, a confederação do Reno”, possibilitou “novas oportunidades” e divergências que “alimentaram aspirações nacionais”.
A existência do ducado de Varsóvia, por exemplo, fez os poloneses lembrarem que outrora houve uma Polônia que perdeu sua autonomia ao ser dominada “por Prússia, Áustria e Rússia”... E mais... Com a derrota de Napoleão, os governos italianos e alemão foram desmantelados, mas muitos passaram a entender que uma “união nacional” seria possível e viável.
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A intromissão na Espanha, com a deposição do rei, agitou os movimentos de emancipação na América Espanhola... O livro cita Simon Bolívar, “libertador de Bolívia, Panamá, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela”, que, influenciado pelos acontecimentos e idealismo dos nacionalistas na Europa, personificou o “nacionalismo no novo mundo”. Bolívar conclamava a sua gente ao nativismo: “O nosso solo nativo desperta sentimentos ternos e lembranças deliciosas. (...) Que alegações de amor e dedicação podiam ser maiores?”.
O sentimento de pertencimento à nação vinculava-se à “força emocional”, algo mais perceptível do que a Declaração deixada pelo movimento revolucionário da França e que, como vimos, era ridicularizada por Burke como “pedaços miseráveis de papel borrado”.
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O nacionalismo que emergiu na Alemanha merece especial atenção... Logo, muitos escritores se colocaram abertamente contra “tudo o que era francês”, e aí incluíam os “direitos do homem”. O “sentido de nação” que desenvolveram substituiu as reivindicações “universais” e se baseava “explicitamente na etnicidade”.
A fragmentação travava a constituição de uma “nação-Estado”... Os nacionalistas evocavam a “mística do Volk” (povo), algo específico dos alemães que os diferenciava dos demais povos.
Friedrich Jahn foi um dos nacionalistas alemães do início do século XIX... Para ele, “quanto mais puro um povo, melhor”. A partir dessa concepção, as ideias segregacionistas e contrárias à miscigenação ganharam força. Jahn afirmava que a mistura de raças era algo que contraria a própria natureza e suas leis. Daí a concluir que os “direitos sagrados” pertenciam aos alemães (apenas) foi simples consequência.
Friedrich Jahn radicalizou a tal ponto que, no afã de eliminar de uma vez por todas a influência francesa, buscou convencer os alemães a se recusarem a falar o francês. E para incutir o espírito nacionalista em sua gente, insistiu que a história da pátria devia ser pesquisada, escrita e estudada. Assim, “monumentos, funerais públicos e festivais populares deviam todos se concentrar em assuntos alemães, e não ideais universais”.
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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