Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/02/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_28.html antes
de ler esta postagem:
Napoleão
foi criticado tanto pelos que defendiam a ideia de uma sociedade organizada nos
moldes hierárquicos e tradicionais como pelos que defendiam os direitos...
Os tradicionalistas não concordavam com a tolerância religiosa admitida
e institucionalizada pelo imperador, além disso, não aceitavam o “sepultamento
do feudalismo” ou o conceito de “igualdade perante a lei”. Já os defensores dos
direitos faziam-lhe oposição “devido às restrições que impostas a um grande
número de liberdades políticas”.
Napoleão alcançou uma
reconciliação com a Igreja Católica, mas nem isso levou os mais conservadores a
reconhecê-lo como “governante legítimo”. Por outro lado, o fato de solidificar
o império em bases hereditárias e de fazer ressurgir uma nobreza, desagradou os
que pretendiam maiores avanços dos direitos do homem. Para esses, a “insistência
na igualdade perante a lei”, tão propagada por ele, não contrabalançava o seu
viés mais conservador.
Após a derrota, Napoleão sofreu denúncias e foi
chamado de tirano pelos tradicionalistas e pelos defensores dos direitos. Lynn
Hunt destaca que a escritora Germaine de Staël foi uma de suas mais ferrenhas
críticas. Em 1817, ela sentenciou que o único legado que ele deixava eram “mais
alguns segredos da arte da tirania”. De Staël e os demais críticos e analistas
políticos, conservadores ou progressistas, fizeram questão de sempre se
referirem ao “déspota” pelo seu sobrenome para, dessa maneira, não lhe dispensarem
um “tratamento imperial”.
(...)
Apesar dos esforços do Congresso de Viena, a derrota de Napoleão não
resultou em aniquilamento instantâneo dos modelos instituídos pelos
franceses... Todavia, durante o século XIX o nacionalismo tornou-se mentalidade
que transformou “a discussão dos direitos” e criou “novos tipos de hierarquia
que em última análise” afrontaram a “ordem tradicional”.
O caso é que ao tempo mesmo em que Napoleão avançou suas
tropas pela Europa o nacionalismo ganhou força como elemento de oposição às tropas
e interventores imperialistas. A autora lembra que o império napoleônico criou “entidades”,
como “o ducado de Varsóvia, o reino da Itália, a confederação do Reno”, possibilitou
“novas oportunidades” e divergências que “alimentaram aspirações nacionais”.
A existência do ducado de Varsóvia, por exemplo, fez os poloneses
lembrarem que outrora houve uma Polônia que perdeu sua autonomia ao ser
dominada “por Prússia, Áustria e Rússia”... E mais... Com a derrota de Napoleão,
os governos italianos e alemão foram desmantelados, mas muitos passaram a
entender que uma “união nacional” seria possível e viável.
(...)
A intromissão na Espanha, com a deposição do rei, agitou os movimentos
de emancipação na América Espanhola... O livro cita Simon Bolívar, “libertador de
Bolívia, Panamá, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela”, que, influenciado pelos acontecimentos
e idealismo dos nacionalistas na Europa, personificou o “nacionalismo no novo
mundo”. Bolívar conclamava a sua gente ao nativismo: “O nosso solo nativo
desperta sentimentos ternos e lembranças deliciosas. (...) Que alegações de
amor e dedicação podiam ser maiores?”.
O sentimento de
pertencimento à nação vinculava-se à “força emocional”, algo mais perceptível
do que a Declaração deixada pelo movimento revolucionário da França e que, como
vimos, era ridicularizada por Burke como “pedaços miseráveis de papel borrado”.
(...)
O nacionalismo que emergiu
na Alemanha merece especial atenção... Logo, muitos escritores se colocaram
abertamente contra “tudo o que era francês”, e aí incluíam os “direitos do
homem”. O “sentido de nação” que desenvolveram substituiu as reivindicações “universais”
e se baseava “explicitamente na etnicidade”.
A
fragmentação travava a constituição de uma “nação-Estado”... Os nacionalistas
evocavam a “mística do Volk” (povo), algo específico dos alemães que os
diferenciava dos demais povos.
Friedrich Jahn foi um dos nacionalistas alemães do início do século
XIX... Para ele, “quanto mais puro um povo, melhor”. A partir dessa concepção, as
ideias segregacionistas e contrárias à miscigenação ganharam força. Jahn
afirmava que a mistura de raças era algo que contraria a própria natureza e
suas leis. Daí a concluir que os “direitos sagrados” pertenciam aos alemães (apenas)
foi simples consequência.
Friedrich Jahn radicalizou a tal ponto que, no
afã de eliminar de uma vez por todas a influência francesa, buscou convencer os
alemães a se recusarem a falar o francês. E para incutir o espírito
nacionalista em sua gente, insistiu que a história da pátria devia ser pesquisada,
escrita e estudada. Assim, “monumentos, funerais públicos e festivais populares
deviam todos se concentrar em assuntos alemães, e não ideais universais”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/03/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_11.html
Leia: A
Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um
abraço,
Prof.Gilberto