quinta-feira, 11 de março de 2021

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – configuração do território alemão segundo as aspirações de Friedrich Jahn; “universalismo messiânico” nas palavras de nacionalistas como Bolívar, Mazzini e Mickiewicz; fracassos dos movimentos de 1848, adoção do nacionalismo pelos tradicionalistas e sectarismo étnico; dificuldades de se organizar uma nação-Estado onde tradições culturais e línguas de diferentes grupos estão arraigadas; barreiras à imigração na Austrália e nos Estados Unidos

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/03/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma.html antes de ler esta postagem:

Ainda ao tempo das Guerras Napoleônicas, Friedrich Jahn já fazia a defesa de uma configuração da Alemanha que viria a se estruturar... Sua proposta incluía a incorporação de territórios como Suíça, Países Baixos, Dinamarca, Prússia e Áustria. Para o grandioso país seria construída uma capital sob medida, Teutona.
Nacionalistas como Jahn eram favoráveis à democracia, já que essa forma de governo possibilitaria o envolvimento dos “nacionais” e o seu sentimento de “pertencimento à nação”... Os defensores do tradicionalismo se opuseram, pelo menos no começo, à mentalidade nacionalista e às propostas de unificação da Alemanha e da Itália.
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Os nacionalistas tinham uma linguagem que Lynn Hunt associa ao “universalismo messiânico”. Para eles, os direitos não propiciariam uma realidade universalista que se pudesse atribuir aos seres humanos, mas sim a nação... A título de exemplificação, o texto cita Simon Bolívar, que estava convicto de que a Colômbia emancipada “iluminaria o caminho para a liberdade e a justiça universais”; Mazzini, que havia fundado a Sociedade da Jovem Itália, associação nacionalista que participou ativamente do processo de unificação, afiançou que os italianos “liderariam uma cruzada universal dos povos oprimidos pela liberdade”; Adam Mickiewicz, poeta polonês, anunciava que seu povo mostraria “o caminho para a libertação universal”.
Evidentemente, para os nacionalistas, a “autodeterminação nacional” era prioritária e os “direitos humanos” dependiam dela.
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Em 1848 ocorreu uma série de revoluções pela Europa... A chamada “Primavera dos Povos” foi
marcada por reivindicações variadas de acordo com a realidade de cada país. Houve demandas de caráter nacionalista (principalmente na Itália e na Alemanha) e em outros casos (França), as ideias socialistas empolgaram o proletariado.
A autora afirma que após esses episódios os tradicionalistas passaram a admitir as propostas nacionalistas e, assim, “o nacionalismo passou da esquerda para a direita no espectro político”. O fracasso dos movimentos de caráter nacionalista e constitucionalista (Alemanha, Itália e Hungria) “abriu o caminho para a mudança”. Os nacionalistas demonstraram que não admitiriam direitos a “outros grupos étnicos”... Foi o que aconteceu em Frankfurt, onde se reuniu uma Assembleia Constituinte marcada pela negação a “qualquer autodeterminação aos dinamarqueses, poloneses ou tchecos dentro de suas fronteiras propostas”... Também os húngaros, que pleiteavam a emancipação em relação à Áustria, não deram qualquer atenção às demandas de “romenos, eslovacos, croatas ou eslovenos”, que, somados, representavam “mais da metade da população da Hungria”.
Uma conclusão que se pode tirar dos resultados dos movimentos sociais de 1848 é que a “intolerância étnica” contribuiu para o seu fracasso. Além disso, a mesma intolerância tornou insustentável qualquer relação “entre os direitos e a autodeterminação nacional”.
Também a título de exemplificação, as unificações de Itália e Alemanha, que ocorreram décadas mais tarde, foram marcadas pelo conflito bélico e diplomático... Deve-se destacar que a “garantia dos direitos individuais não desempenhou qualquer papel nos processos”.
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Muitos nacionalistas sustentaram que a autodeterminação nacional asseguraria os direitos... Mas cada vez mais as fundamentações nacionalistas se tornaram mais fechadas e “defensivas”. A grande dificuldade de se “criar uma nação” explica o fenômeno... Uma questão que salta aos olhos é a que apresenta a ideia de uma Europa dividida “em nações-Estados de etnicidade e cultura relativamente homogêneas”.  Isso porque na verdade cada nação-Estado possuía em seu seio “minorias culturais e linguísticas” entranhadas desde muito tempo.
Quando, em 1870, a França novamente se tornou uma República, metade de sua população sequer falava o francês... E entre os demais “da outra metade” havia os que se comunicavam em dialetos ou línguas de suas regiões, “como o bretão, o franco-provençal, o basco, o alsaciano, o catalão, o córsico, o occitano”... E mais: nas colônias falava-se o crioulo! Não foi por acaso que o país realizou campanha de educação para o ensino da língua e para “integrar todos na nação”.
Na fragmentada Itália havia a barreira da “heterogeneidade étnica”... Após a unificação, o rei Vitor Emanuel II tornou Camillo di Cavour o primeiro-ministro. Este tinha o piemontês como primeira língua. A rigor, menos de 3% os que habitavam o país “falavam o italiano padrão”.
Na parte oriental da Europa o caso era ainda mais flagrante, já que muitas etnias conviviam nos mesmos territórios... Uma eventual unificação na Polônia atingiria grupos de línguas e tradições diversas como judeus, lituanos, ucranianos, alemães e bielo-russos.
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O livro destaca que a dificuldade em relação a se obter ou manter a homogeneidade étnica levou vários países a impor medidas contrárias à imigração. Antes da década de 1860 isso não havia sido comum. Mas principalmente a partir da década de 1880 notou-se restrições e proibições. Foi o que se viu na Austrália, que, na tentativa de preservar “o seu caráter inglês e irlandês, tentou barrar a entrada de asiáticos.
Isso ocorreu também nos Estados Unidos em 1822, quando a imigração de chineses foi proibida... Mais tarde (1917 e 1924) a proibição se estendeu aos demais asiáticos.
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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