domingo, 21 de março de 2021

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – de acordo com supostas teorias biológicas, mudanças no meio ou educação não alterariam as “incompatibilidades étnicas”; dos limites “óbvios” das perseguições sexistas; mantendo as mulheres em condição de inferioridade; constatações “científicas” de Pierre-Jean-Georges-Cabanis; John Stuart Mill e a crítica à sujeição das mulheres, resultado do atraso social; impedindo o avanço dos direitos nos tribunais e plenários legislativos; o feminismo, um movimento a ser atacado pelos conservadores tradicionalistas

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/03/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_15.html antes de ler esta postagem:

As teorias biológicas a respeito das incompatibilidades entre as etnias e da superioridade de uma sobre as outras não davam margem para suposições de que as mudanças do ambiente ou mesmo a educação pudessem alterar as pressuposições.
O livro destaca que, em relação ao sexismo, a “doutrina biológica” não conseguiu se estruturar como ocorreu nas questões religiosas ou racistas. Os sexistas não lograram êxito em sua organização política e sequer conseguiram sistematizar as ideias com coerência e método... Por motivos óbvios, os preconceitos que tentavam incutir não resultavam em total “aversão emocional”, dado que a reprodução nas nações depende das mães.
Em outras palavras, o afirmado no parágrafo anterior pode ser assim explicado: Os nacionalistas que se embasavam nas teorias biológicas entendiam perfeitamente que “os negros deviam ser enviados de volta para a África ou que os judeus deviam ser proibidos de residir em determinado local”, mas as mulheres não podiam ser completamente excluídas. No limite, admitiam “que elas possuíam qualidades positivas que talvez fossem importantes na esfera privada” sem de modo algum abandonar os argumentos que destacavam a “diferença entre os sexos”.
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A Revolução Francesa havia proporcionado muitos debates em torno dessa questão e por fim entendeu-se que “a diferença sexual” não podia ter qualquer relevância no que diz respeito às limitações de direitos ou imposição de sanções políticas.
O movimento por direitos foi responsável pela propagação de uma série de argumentos em defesa da “igualdade política das mulheres” e, como consequência, os que insistiam nos “argumentos biológicos” a respeito de sua “inferioridade” mudaram algumas premissas para, ainda que passassem a admitir que as mulheres são “biologicamente semelhantes aos homens”, mantê-las em “condição de inferioridade”.
Como vimos em postagens anteriores, em 1793 deputados franceses lançaram mão dos preconceitos dos tradicionalistas para proibir a organização e reunião de mulheres nos clubes políticos... Um representante do governo revolucionário chegou mesmo a afirmar que: “Em geral, as mulheres não são capazes de pensamentos elevados e meditações sérias”. Médicos franceses se esforçaram para fornecer uma “base biológico-científica” a este tipo de juízo.
O livro cita Pierre-Jean-Georges-Cabanis, um dos mais importantes fisiologistas da França dos anos 1790/1800, para quem “as mulheres tinham fibras musculares mais fracas e a massa cerebral mais delicada”... Essa constatação era usada para classificá-las como incapazes para o exercício das “carreiras públicas” e, por outro lado, servia ainda para reforçar a ideia de que elas possuem “sensibilidade volátil”, bem ajustada aos “papéis de esposa, mãe e ama” exercidos nos limites domésticos.
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Em 1869, Stuart Mill tornou público o seu tratado “A sujeição das mulheres”, no qual colocou em questão as propaladas diferenças biológicas. Um de seus argumentos diz respeito ao fato de não termos condições de saber a respeito da diferença entre homens e mulheres no tocante à natureza de cada um porque os parâmetros que possuímos são os dos papéis que ambos exercem (há muito) na sociedade.
De acordo com o filósofo inglês, “o que agora se chama a natureza das mulheres é algo eminentemente artificial”. O desenvolvimento econômico e o “progresso social” proporcionariam uma alteração do “status das mulheres”. Dessa forma, a “subordinação legal das mulheres”, algo totalmente equivocado para Mill, seria “substituída por um princípio de perfeita igualdade, não admitindo nenhum poder ou privilégio num dos lados nem incapacidade no outro”.
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Acontece que os “argumentos biológicos” prevaleceram sem que maiores movimentações sociais precisassem apregoar a perseguição às mulheres... A defesa de tais princípios científicos ocorreu nos plenários de discussão das leis e nos tribunais.
O livro cita um caso de 1908 em que, “perante a Suprema Corte dos Estados Unidos”, o então juiz Louis Brandies teceu explicações a respeito da “base legal” para a classificação da cidadania a partir do sexo. O caso legal criou jurisprudência levou em conta que “a ‘organização física da mulher’, suas funções maternais, criação dos filhos e manutenção do lar” a situam “numa categoria diferente e separada”.
Desde a década anterior, “feminismo” tornou-se expressão conhecida dos defensores do tradicionalismo. Esses se organizaram para resistir ferozmente às demandas do movimento.
Para situar o entrave ao feminismo na história da luta pelo direito ao voto das mulheres, Lynn Hunt esclarece que “As mulheres só conseguiram o direito de votar na Austrália em 1902, nos Estados Unidos em 1920, na Grã-Bretanha em 1928 e na França em 1944”.
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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