Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/03/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_15.html antes
de ler esta postagem:
As
teorias biológicas a respeito das incompatibilidades entre as etnias e da
superioridade de uma sobre as outras não davam margem para suposições de que as
mudanças do ambiente ou mesmo a educação pudessem alterar as pressuposições.
O livro destaca que, em relação ao sexismo, a “doutrina biológica” não conseguiu
se estruturar como ocorreu nas questões religiosas ou racistas. Os sexistas não
lograram êxito em sua organização política e sequer conseguiram sistematizar as
ideias com coerência e método... Por motivos óbvios, os preconceitos que tentavam
incutir não resultavam em total “aversão emocional”, dado que a reprodução nas
nações depende das mães.
Em outras palavras, o afirmado
no parágrafo anterior pode ser assim explicado: Os nacionalistas que se
embasavam nas teorias biológicas entendiam perfeitamente que “os negros deviam ser
enviados de volta para a África ou que os judeus deviam ser proibidos de
residir em determinado local”, mas as mulheres não podiam ser completamente
excluídas. No limite, admitiam “que elas possuíam qualidades positivas que
talvez fossem importantes na esfera privada” sem de modo algum abandonar os
argumentos que destacavam a “diferença entre os sexos”.
(...)
A Revolução Francesa havia proporcionado muitos
debates em torno dessa questão e por fim entendeu-se que “a diferença sexual”
não podia ter qualquer relevância no que diz respeito às limitações de direitos
ou imposição de sanções políticas.
O movimento por direitos foi responsável pela propagação de uma série de
argumentos em defesa da “igualdade política das mulheres” e, como consequência,
os que insistiam nos “argumentos biológicos” a respeito de sua “inferioridade” mudaram
algumas premissas para, ainda que passassem a admitir que as mulheres são “biologicamente
semelhantes aos homens”, mantê-las em “condição de inferioridade”.
Como vimos em postagens anteriores, em 1793 deputados
franceses lançaram mão dos preconceitos dos tradicionalistas para proibir a
organização e reunião de mulheres nos clubes políticos... Um representante do
governo revolucionário chegou mesmo a afirmar que: “Em geral, as mulheres não
são capazes de pensamentos elevados e meditações sérias”. Médicos franceses se
esforçaram para fornecer uma “base biológico-científica” a este tipo de juízo.
O livro cita Pierre-Jean-Georges-Cabanis, um dos mais importantes
fisiologistas da França dos anos 1790/1800, para quem “as mulheres tinham
fibras musculares mais fracas e a massa cerebral mais delicada”... Essa
constatação era usada para classificá-las como incapazes para o exercício das “carreiras
públicas” e, por outro lado, servia ainda para reforçar a ideia de que elas possuem
“sensibilidade volátil”, bem ajustada aos “papéis de esposa, mãe e ama”
exercidos nos limites domésticos.
(...)
Em 1869, Stuart Mill tornou público o seu tratado “A sujeição das
mulheres”, no qual colocou em questão as propaladas diferenças biológicas. Um
de seus argumentos diz respeito ao fato de não termos condições de saber a
respeito da diferença entre homens e mulheres no tocante à natureza de cada um
porque os parâmetros que possuímos são os dos papéis que ambos exercem (há
muito) na sociedade.
De acordo com o filósofo
inglês, “o que agora se chama a natureza das mulheres é algo eminentemente
artificial”. O desenvolvimento econômico e o “progresso social” proporcionariam
uma alteração do “status das mulheres”. Dessa forma, a “subordinação legal das
mulheres”, algo totalmente equivocado para Mill, seria “substituída por um
princípio de perfeita igualdade, não admitindo nenhum poder ou privilégio num
dos lados nem incapacidade no outro”.
(...)
Acontece que os “argumentos
biológicos” prevaleceram sem que maiores movimentações sociais precisassem apregoar
a perseguição às mulheres... A defesa de tais princípios científicos ocorreu nos
plenários de discussão das leis e nos tribunais.
O
livro cita um caso de 1908 em que, “perante a Suprema Corte dos Estados Unidos”,
o então juiz Louis Brandies teceu explicações a respeito da “base legal” para a
classificação da cidadania a partir do sexo. O caso legal criou jurisprudência
levou em conta que “a ‘organização física da mulher’, suas funções maternais,
criação dos filhos e manutenção do lar” a situam “numa categoria diferente e
separada”.
Desde a década anterior, “feminismo” tornou-se expressão conhecida dos
defensores do tradicionalismo. Esses se organizaram para resistir ferozmente às
demandas do movimento.
Para situar o entrave ao feminismo na história
da luta pelo direito ao voto das mulheres, Lynn Hunt esclarece que “As mulheres
só conseguiram o direito de votar na Austrália em 1902, nos Estados Unidos em
1920, na Grã-Bretanha em 1928 e na França em 1944”.
Leia: A
Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um
abraço,
Prof.Gilberto