sexta-feira, 19 de março de 2021

“Deus lhe pague”, peça de Joracy Camargo – diálogo sobre a “história da vida”; importância de conhecermos o passado da sociedade; o homem, um (de)predador e maior inimigo da própria espécie; crítica aos capitalistas e sutil referência ao próprio drama; e a “premiação ao mérito”?

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/03/deus-lhe-pague-peca-de-joracy-camargo_9.html antes de ler esta postagem:

Evidentemente, o texto para a apresentação teatral não traz muitas das situações que foram escritas para o roteiro do filme... Nada de festas para a alta sociedade na mansão do velho, nada de especuladores, bajuladores ou aproveitadores ao seu redor (como se vê em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/06/filme-dios-se-lo-pague-uma-noite-de.html).
(...)
No início do terceiro ato, o velho e seu companheiro conversam demoradamente sobre a “história da vida” e a respeito dos dramas humanos causados pela ganância dos mais ricos...
O diálogo começou quando Barata comentou que a vida do velho era bem “mais complicada do que a história da própria vida”... Este não discordou, mas fez questão de dizer que “a história da vida é muito mais simples do que a vida de qualquer um”...
Barata admitiu desconhecer o tema e salientou que, embora já tivesse lido “livros de história”, nenhum trazia esclarecimentos sobre a história da vida”. O velho explicou que não seria nos livros de história que encontraria as respostas... Acrescentou que há pessoas que procuram ocultar a questão para que os demais viventes imaginem que “a vida sempre foi como é e que há de ser eternamente assim”.
Barata não viu sentido em saber como havia sido o passado se não se pode voltar no tempo, O velho levou em consideração, mas observou que pelo menos, a partir do conhecimento do passado, “pode-se estabelecer um presente melhor”. Essas palavras instigaram o interesse do “aprendiz” pela “história da vida”, então o outro pôs-se a falar...
(...)
Em síntese, o velho explicou que “a verdadeira vida” é diferente da “vida que vivemos”... Comentou que, ao amigo, aquele entendimento parecia complicado porque na verdade ele apenas “pensa que pensa”... Se realmente pensasse chegaria às conclusões a que ele havia chegado. Depois, sempre apresentando algumas perguntas ao interlocutor, falou dos três reinos da natureza (animal, vegetal e mineral), cravou que cada um abarca formas diferentes de vida e que “nenhuma escapou à tirania dos homens”, assim, animais foram domesticados e “atrelados às carroças para o transporte das riquezas”; já os minerais e os vegetais foram extraídos ou produzidos e, “trancafiados nos armazéns”, forçaram “a alta dos preços”.
Lembrou ainda que até a água passou a ser engarrafada para ser comercializada... restaria o ar? Foi o que Barata quis saber... O velho lamentou que do jeito que as coisas se encaminhavam, e graças à “ciência oficial”, monopolizariam também o ar e as pessoas teriam de comprar “balões de oxigênio para prolongar a vida”.
Barata perguntou se a ciência é inimiga do homem. O velho respondeu que “o inimigo do homem é o próprio homem” e citou que “o inventor da guilhotina foi guilhotinado”. O outro disse que a tragédia tinha sido “bem feito” para o inventor.*

                   * Na verdade, o médico Joseph-Ignace Gillotin morreu em 1814; o Guillotin decapitado durante a Revolução foi, o também médico (de Lyon), certo J M V Guillotin.

O velho prosseguiu falando que “tudo o mais tem sido assim”, já que “todas as armas dos homens foram fornecidas pelas suas próprias vítimas”. Na sequência criticou os capitalistas, que nada inventam, mas aproveitam “as invenções dos outros”...
Sem dúvida, este último trecho faz referência no drama do operário Juca, o inventor de uma máquina revolucionária cujos papéis foram roubados pelo próprio patrão. Também por isso o velho chamou-os de “homens inúteis que se utilizam de tudo”!
(...)
De acordo com o entendimento do Barata, alguém devia ser o culpado, já que “todos temos o mesmo direito à vida”...
Em resposta, o outro cravou que a culpa era dos egoístas, que “privam a maioria da satisfação de suas necessidades”. A natureza dá a vida a todos indiscriminadamente, e todos possuem “as mesmas necessidades”, todavia os egoístas provocam o desequilíbrio e as consequentes injustiças.
Barata concluiu que o caso não tem solução... O velho o contrariou novamente ao dizer que uma nova organização corrigiria as desigualdades...
Seria justo um “burro” ter a mesma vida de um “inteligente”? Foi o que o simplório mendigo perguntou.
Leia: “Deus lhe pague”. Ediouro.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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