quinta-feira, 12 de agosto de 2021

“1984”, de George Orwell – outra decisão arriscada: entrar no mesmo bar prole para conversar com o velho; espanto dos frequentadores da bodega ao verem entrar um tipo trajando macacão azul; desentendimento entre o dono do bar e o velho que pediu uma “pinta da boa”; o homem era mesmo das antigas e Winston ofereceu-lhe bebida e uma mesa junto à janela

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-os-imundos-e.html antes de ler esta postagem:

Ao ver o velho entrando no bar àquela hora da noite, Winston pensou que ele devia trazer memórias da época anterior à Revolução... Se entre os membros do Partido não se podia encontrar quem tivesse vivido as primeiras décadas do século, sem dúvida entre os proles havia tipos como aquele que trazia no semblante os traços do passado.
Então, no mesmo instante, lembrou-se dos trechos do livro que havia conseguido com a Senhora Parsons e resolveu entrar no bar para conversar com o velho. Pensou em perguntar-lhe a respeito da vida ao tempo em que era ainda um menino, se a situação era melhor ou pior do que a vida que levavam no momento. Para não correr o risco de maiores vacilações, desceu rapidamente a escadaria e atravessou a rua para alcançar o bar.
Até onde sabia, não havia nenhuma regra que impedisse a conversa de membros do Partido com proles, e tampouco em relação a frequentar os seus bares... Todavia a iniciativa não era usual e, por isso mesmo, chamava a atenção. Poderia ser flagrado por alguma patrulha. Pensou que nesse caso diria qualquer coisa relacionada a um mal-estar e que, por falta de alternativa, tivera de se refugiar no bar dos proles para se recompor. Pensou nessa desculpa sem qualquer esperança de ser aceita pelos agentes da lei...
(...)
Winston avançou para a porta do bar e assim que a abriu sentiu-se inebriado pela atmosfera impregnada do cheiro de queijo e cerveja azeda... Assim que entrou, o vozerio diminuiu significativamente.
Notou que a um canto havia bebedores que se divertiam atirando dardos num alvo. Deu alguns passos e pressentiu que o examinavam pelas costas. Também os que brincavam com os dardos pararam o jogo por alguns segundos... Certamente seu macacão azul chamava a atenção de todos os presentes.
Não demorou e localizou o velho que havia entrado antes dele. O homem estava discutindo com o jovem proprietário do bar, que atendia os fregueses diretamente no balcão. Como não podia deixar de ser, também esse diálogo era carregado por vícios de linguagem, erros gramaticais e regionalismo. Winston entendeu que o velho reclamava que o rapaz não entendia o seu pedido, “uma caneca de pinta”.
O dono do bar se mostrava irritado... O velho não deixava por menos, tanto é que disparou:

                   “Oia só ele! Botequineiro que nem sabe o que é pinta! Ué, uma pinta é a metade duma quarta, e tem quatro quartas no galão. Daqui a pouco tenho que te ensiná o abc!”

Ao seu modo, o rapaz respondeu que nunca tinha ouvido falar daquela “medida”. “Nunca escuitei falá nisso”, foi o que disse, e emendou que em seu botequim servia “litro e meio” nas canecas que estavam expostas no próprio balcão.
O velho insistia que gostava de “pinta”, era o que queria... Deixou claro que no tempo em que era moço não havia aquela “besteira de litro” que o outro vendia. O rapaz quis dar uma resposta que evidenciasse a condição ridícula e ultrapassada do velho e respondeu que ele falava de tempos em que “nós todos morava trepado nas arve”.
De fato, todos os que ouviram passaram a gargalhar... Nesse momento já não prestavam atenção ao macacão azul que se intrometera na bodega... O velho tronou-se avermelhado de vergonha e pôs-se a retirar balbuciando qualquer coisa... No caminho tropeçou em Winston.
(...)
O incidente não podia ter sido mais propício às intenções de Winston, que segurou com delicadeza o braço do homem... Ofereceu-lhe uma bebida.
O velho agradeceu, chamou-o de “cavalheiro” sem demonstrar qualquer espanto com o macacão azul. Na sequência dirigiu-se ao balcão e exigiu “uma pinta da boa”. O pedido foi atendido imediatamente... O rapaz enxaguou dois canecos num balde que ficava sob o balcão e serviu “dois meios-litros” de uma cerveja de coloração marrom escura.
Ali e em qualquer outro bar da área dos proles só serviam cerveja. Não havia permissão para servir gin, apesar de não ser difícil a sua obtenção. Apesar disso, os frequentadores não tinham reclamações... Winston notou que a animação do jogo de dardos e as conversas sobre a Loteria foram retomadas e ninguém mais fazia caso de sua presença.
Viu uma mesa vaga junto a uma janela... A posição não era das melhores, todavia não havia nenhuma teletela instalada no bar e ali poderia conversar sossegadamente com o velho. Assim que se sentou, este foi logo dizendo que o moço podia ter servido a “pinta” sem maiores problemas. Quis justificar a sua implicância ao desconhecido e emendou que meio litro é pouco, pois “não satisfais”; mas “um litro é muito” e, além de fazer a “bixiga trabalha”, custa caro.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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