quarta-feira, 4 de agosto de 2021

“1984”, de George Orwell – um grande alvoroço de mulheres proles em disputa por panelas num mercado aberto; abandonada a si mesma, a esmagadora maioria da população vivia à margem e em meio a todo tipo de violência; para o Partido, os proles eram como os animais e não deviam ser submetidos às mesmas restrições dos filiados; “reivindicações e manifestações ridículas”, passividade em relação ao autoritarismo e dificuldades impostas pelo regime

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-mais-respeito-das.html antes de ler esta postagem:

Ainda em relação à ideia de que entre os proles devia se concentrar a esperança de uma potencial movimentação revolucionária contra o Partido e o seu poder extremado, Winston lembrou-se de uma ocasião em que caminhava por uma rua apinhada de gente e foi surpreendido por uma gritaria desde uma saída mais à frente.
Centenas de mulheres vociferavam desesperadamente e desde o ponto de origem muitas outras repercutiam o alvoroço.  Seu coração acelerou ao imaginar que se tratava do início de um conflito... Podia ser que os proles, enfim, estivessem partindo para uma revolta emancipadora.
Winston dirigiu-se ao beco onde ocorria a aglomeração... Entre duzentas e trezentas mulheres protestavam em volta de barracas da feira e aos poucos aqui e ali surgiam focos de acaloradas discussões por toda parte. A confusão teve início depois que acabou o estoque de umas panelas de estanho trazidas por um dos comerciantes... As que conseguiram comprar estavam com dificuldade para sair do local, pois estavam sendo atacadas por cotoveladas e pontapés das demais, que gritavam que elas tinham sido favorecidas e que certamente ainda havia caçarolas escondidas pelo feirante.
Duas das mais revoltadas disputavam a tapas uma panela e tanto puxaram o utensílio que lhe arrancaram o cabo. Winston ficou informado por terem se enfurecido por algo tão banal e de péssima qualidade. Apesar disso, reconheceu que o alvoroço causava terror... Restava saber por que não gritavam daquela maneira “quando acontecia algo de fato importante”.
Em seu diário registrou que “não se revoltarão enquanto não se tornarem conscientes, e não se tornarão conscientes enquanto não se rebelarem”.
(...)
Pensou na frase que acabara de escrever e concluiu que ela “podia ser quase a transposição de um dos textos básicos do Partido”. O IngSoc anunciava que havia protagonizado a revolução que havia libertado os proles da servidão a que estavam submetidos pela opressão dos capitalistas. Ensinava que estes os maltratavam das formas mais vis e os mantinham esfomeados... Mulheres eram forçadas ao duro trabalho nas minas de carvão, enquanto seus filhos e filhas de apenas seis anos eram negociados com os donos de fábricas.
A verdade é que as mulheres continuavam a serem exploradas nas minas, todavia, através da metodologia do “duplipensar”, o Partido manipulava as consciências e propagava que “os proles eram naturalmente inferiores” e que, assim sendo, deviam permanecer submissos “como animais, pela aplicação de algumas regras simples”.
A parcela filiada ao Partido sabia pouco a respeito daquela gente, aliás, não se fomentava qualquer interesse pelo modo de ser dos proles. Interessava mantê-los trabalhando... E se reproduzindo.
Winston passou a entender que eles estavam “abandonados a si mesmos”, algo parecido com o que via em certas transmissões sobre o gado das distantes planícies argentinas, que pastavam por grandes extensões como se tivessem regressado a uma condição “natural”, herdada de sua “tradição ancestral”.
Podia-se pensar nos proles como gado:

                   “Nasciam, cresciam nas sarjetas, iam para o trabalho aos doze, atravessavam um breve período de floração da beleza e do desejo sexual, casavam-se aos vinte, atingiam a maturidade aos trinta, e em geral morriam aos sessenta. O trabalho físico pesado, o trato da casa e dos filhos, as briguinhas com a vizinhança, o cinema, o futebol, a cerveja e, acima de tudo, o jogo, enchiam-lhes os horizontes.”

De modo algum era difícil manter o controle sobre eles... O regime infiltrava agentes da Polícia do Pensamento nos locais onde estavam concentrados, eventualmente espalhava boatos e, desse modo, conseguiam identificar e eliminar os proles com potencialidade para se tornarem perigosos. Não havia qualquer interesse em doutriná-los, pois o Partido não os admitia nem desejava que “tivessem sentimentos políticos definidos”.
De resto, incutia-se nos proles um “patriotismo primitivo” que os levava a aceitar as imposições do governo, cortes nas rações e aumento das jornadas de trabalho. É claro que eventualmente manifestavam aborrecimentos, mas nunca acontecia de suas insatisfações resultarem em movimentos organizados... Desse modo, se limitavam a desordens marcadas por “ridículas reivindicações” e permaneciam sem reconhecer os maiores problemas gerados pela máquina opressora do Partido.
(...)
Como salientado anteriormente, os proles eram abandonados à própria sorte... A maioria das casas desse segmento nem tinha teletelas instaladas e a polícia quase não realizava incursões aos bairros periféricos, onde a violência corria solta.
Por isso mesmo a cada ano os índices de criminalidade aumentavam em Londres, a grande cidade marcada por:

                   “todo um mundo subterrâneo de ladrões, bandidos, prostitutas, vendedores de narcóticos e contraventores de todo tipo; mas como tudo se passava entre os próprios proles, não tinha importância”.

(...)
Por fim, o Partido não exigia que os proles seguissem os padrões morais impostos aos seus afiliados. Um de seus lemas anunciava que "Os proles e os animais são livres".
Desse modo, não tinham qualquer obrigação em relação ao “puritanismo sexual” e entre eles a promiscuidade e o divórcio não sofriam qualquer desaprovação.
Livres para seguir o mesmo “código de seus ancestrais”, aos proles era permitida “até a adoração religiosa” se “demonstrassem algum sintoma de desejá-la ou dela carecerem”.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

Páginas