Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-mais-respeito-das.html antes
de ler esta postagem:
Ainda em relação à ideia de que entre os proles devia
se concentrar a esperança de uma potencial movimentação revolucionária contra o
Partido e o seu poder extremado, Winston lembrou-se de uma ocasião em que
caminhava por uma rua apinhada de gente e foi surpreendido por uma gritaria
desde uma saída mais à frente.
Centenas de mulheres
vociferavam desesperadamente e desde o ponto de origem muitas outras
repercutiam o alvoroço. Seu coração acelerou
ao imaginar que se tratava do início de um conflito... Podia ser que os proles,
enfim, estivessem partindo para uma revolta emancipadora.
Winston dirigiu-se ao beco onde ocorria a aglomeração... Entre duzentas
e trezentas mulheres protestavam em volta de barracas da feira e aos poucos
aqui e ali surgiam focos de acaloradas discussões por toda parte. A confusão
teve início depois que acabou o estoque de umas panelas de estanho trazidas por
um dos comerciantes... As que conseguiram comprar estavam com dificuldade para
sair do local, pois estavam sendo atacadas por cotoveladas e pontapés das
demais, que gritavam que elas tinham sido favorecidas e que certamente ainda
havia caçarolas escondidas pelo feirante.
Duas das mais revoltadas
disputavam a tapas uma panela e tanto puxaram o utensílio que lhe arrancaram o
cabo. Winston ficou informado por terem se enfurecido por algo tão banal e de
péssima qualidade. Apesar disso, reconheceu que o alvoroço causava terror...
Restava saber por que não gritavam daquela maneira “quando acontecia algo de
fato importante”.
Em seu diário registrou que
“não se revoltarão enquanto não se tornarem conscientes, e não se tornarão
conscientes enquanto não se rebelarem”.
(...)
Pensou na frase que acabara
de escrever e concluiu que ela “podia ser quase a transposição de um dos textos
básicos do Partido”. O IngSoc anunciava que havia protagonizado a revolução que
havia libertado os proles da servidão a que estavam submetidos pela opressão
dos capitalistas. Ensinava que estes os maltratavam das formas mais vis e os
mantinham esfomeados... Mulheres eram forçadas ao duro trabalho nas minas de
carvão, enquanto seus filhos e filhas de apenas seis anos eram negociados com
os donos de fábricas.
A verdade é que as mulheres
continuavam a serem exploradas nas minas, todavia, através da metodologia do
“duplipensar”, o Partido manipulava as consciências e propagava que “os proles
eram naturalmente inferiores” e que, assim sendo, deviam permanecer submissos
“como animais, pela aplicação de algumas regras simples”.
A parcela filiada ao
Partido sabia pouco a respeito daquela gente, aliás, não se fomentava qualquer
interesse pelo modo de ser dos proles. Interessava mantê-los trabalhando... E
se reproduzindo.
Winston passou a entender que eles estavam “abandonados a si mesmos”,
algo parecido com o que via em certas transmissões sobre o gado das distantes
planícies argentinas, que pastavam por grandes extensões como se tivessem
regressado a uma condição “natural”, herdada de sua “tradição ancestral”.
Podia-se pensar nos proles como gado:
“Nasciam, cresciam nas sarjetas, iam para o trabalho aos
doze, atravessavam um breve período de floração da beleza e do desejo sexual,
casavam-se aos vinte, atingiam a maturidade aos trinta, e em geral morriam aos
sessenta. O trabalho físico pesado, o trato da casa e dos filhos, as briguinhas
com a vizinhança, o cinema, o futebol, a cerveja e, acima de tudo, o jogo,
enchiam-lhes os horizontes.”
De modo algum era difícil
manter o controle sobre eles... O regime infiltrava agentes da Polícia do
Pensamento nos locais onde estavam concentrados, eventualmente espalhava boatos
e, desse modo, conseguiam identificar e eliminar os proles com potencialidade
para se tornarem perigosos. Não havia qualquer interesse em doutriná-los, pois
o Partido não os admitia nem desejava que “tivessem sentimentos políticos
definidos”.
De resto, incutia-se nos proles um “patriotismo primitivo” que os levava
a aceitar as imposições do governo, cortes nas rações e aumento das jornadas de
trabalho. É claro que eventualmente manifestavam aborrecimentos, mas nunca
acontecia de suas insatisfações resultarem em movimentos organizados... Desse
modo, se limitavam a desordens marcadas por “ridículas reivindicações” e permaneciam
sem reconhecer os maiores problemas gerados pela máquina opressora do Partido.
(...)
Como salientado
anteriormente, os proles eram abandonados à própria sorte... A maioria das
casas desse segmento nem tinha teletelas instaladas e a polícia quase não
realizava incursões aos bairros periféricos, onde a violência corria solta.
Por isso mesmo a cada ano
os índices de criminalidade aumentavam em Londres, a grande cidade marcada por:
“todo um mundo subterrâneo de ladrões,
bandidos, prostitutas, vendedores de narcóticos e contraventores de todo tipo;
mas como tudo se passava entre os próprios proles, não tinha importância”.
(...)
Por fim, o Partido não
exigia que os proles seguissem os padrões morais impostos aos seus afiliados.
Um de seus lemas anunciava que "Os proles e os animais são livres".
Desse modo, não tinham
qualquer obrigação em relação ao “puritanismo sexual” e entre eles a
promiscuidade e o divórcio não sofriam qualquer desaprovação.
Livres
para seguir o mesmo “código de seus ancestrais”, aos proles era permitida “até
a adoração religiosa” se “demonstrassem algum sintoma de desejá-la ou dela
carecerem”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-um-livro-escolar.html
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto