terça-feira, 24 de agosto de 2021

“1984”, de George Orwell – na praça Vitória para o tão esperado encontro; o monumento em honra ao Grande Irmão e à vitória contra a aviação inimiga; um comboio de caminhões transportando prisioneiros militares; em meio à aglomeração, Winston fica lado-a-lado com a jovem do departamento de ficção; orientações sussurradas para um novo encontro à tarde do próximo domingo

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-ainda-paranoia-do.html antes de ler esta postagem:

Winston chegou à Praça Vitória bem antes das sete da noite, horário marcado pela garota do Departamento de Ficção... Perambulou pelo local e ao redor do monumento em homenagem ao Grande Irmão. A imponente estátua tinha a sua parte dianteira voltada para a região sul e os olhos do herói eram dirigidos para o céu como que a lembrar da “batalha aérea da Pista N.º 1”, marcada pela massacrante vitória sobre os aviões eurasianos...
Ao pensar a respeito da referência histórica, o rapaz lembrou que há algum tempo propagava-se que a vitória das baterias antiaéreas tinha sido sobre os aviões da Lestásia.
Outra estátua se destacava no perímetro e se localizava numa rua à frente do grande monumento... Dizia-se que ela representava Oliver Cromwell, mas pouco se sabia a respeito.
(...)
O relógio marcou sete e cinco... A garota não aparecia e Winston voltou a sentir-se inquieto com a possibilidade ver fracassado o encontro e sentir-se rejeitado. Mais uma vez pensou que ela havia mudado de ideia...
Dirigiu-se para o outro lado do monumento e caminhou na direção oposta, logo reconheceu a Igreja de São Martinho e lembrou-se que, de acordo com o velho da loja de antiguidades, ao tempo em que ela ainda possuía sinos, eles cantavam “me deve três vinténs”.
Caminhava absorto nessas reflexões quando notou a jovem estava junto ao monumento como que a ler a proclamação em destaque numa de suas colunas... Alegrou-se por isso, mas sabia que não podia se aproximar naquele momento, pois o local possuía muitas teletelas. Sabia que devia esperar que mais pessoas se juntassem na praça. Para sua sorte, de repente iniciou-se grande movimentação e gritaria que anunciavam a passagem de um comboio de caminhões. As pessoas se empolgaram e encaminharam-se ruidosamente para o calçamento à frente do monumento, onde se aglomeraram... A moça juntou-se a elas, obviamente esperando que Winston a visse e se aproximasse. Ele não perdeu tempo e a seguiu.
O rapaz entendeu que os pesados caminhões conduziam prisioneiros eurasianos... A parte sul da praça ficou abarrotada de curiosos, uma multidão que em outras circunstâncias seria evitada por ele. Para chegar até a garota, porém, avançou aos empurrões e cotoveladas. Em pouco tempo viu-se em meio à agitação e bem próximo à garota, estando separado dela apenas por um casal prole. Não teve dúvida e empurrou o homem e a mulher com o ombro até passar e posicionar-se ao lado dela.
(...)
Tão próximos ficaram que seus ombros se tocavam... Os dois mantinham o olhar fixo na direção da rua por onde os caminhões passavam vagarosamente. Eles seguiam ladeados por policiais que exibiam metralhadoras que chamavam a atenção da massa. Nas carrocerias estavam mal acomodados os soldados de origem asiática, com seus uniformes em farrapos e acomodados de cócoras. Suas fisionomias desanimadas motivavam a empolgação do público. Winston notou que conforme os veículos chacoalhavam podia se ouvir o barulho metálico dos grilhões que prendiam os detentos.
Eram muitos caminhões... O rapaz os olhava sem se interessar por maiores detalhes, pois estava concentrado na sensação provocada pelo braço, cotovelo e ombro da moça, que estavam praticamente colados aos seus. Colocaram-se tão próximos um do outro que ele até podia sentir o calor de sua face. Ela começou a murmurar sem esboçar qualquer expressão ou movimento dos lábios... O barulho provocado pelas pessoas e pelos motores dos caminhões exigia toda atenção de Winston.
Apesar das dificuldades, ele entendeu que ela quis sua garantia de que estava ouvindo e entendendo o que lhe falava... Logo que confirmou, a moça deu orientações para um encontro na tarde do próximo domingo e pediu-lhe que decorasse as informações que começou a passar sem maiores delongas e com “precisão militar”.
Ela orientou-o a seguir à estação de Paddington. Seria meia hora de trem, e ao sair da estação devia tomar o caminho à esquerda... Caminharia por “dois quilômetros pela estrada” até avistar “uma porteira sem o travessão superior”... Chegaria a um campo e continuaria a caminhar “por uma alameda gramada, uma picada entre touceiras” até avistar uma “árvore morta coberta de musgo”.
Winston ficou impressionado, pois a jovem parecia ter “o mapa na cabeça”. Na sequência ela quis saber se ele havia decorado e proferiu uma breve síntese: devia de virar à esquerda, “depois à direita, depois à esquerda outra vez. A porteira sem travessão de cima”. Ele quis saber a que horas devia chegar e ela respondeu que por volta das três da tarde... Salientou que talvez se atrasasse um pouco, pois chegaria por outro caminho.
(...)
Winston confirmou que havia decorado as orientações, então ela o dispensou com um “dá o fora o mais depressa possível”.
Ele sabia que não precisava da advertência, todavia não foi fácil livrar-se do emaranhado de pessoas reunidas para assistir ao comboio. Os veículos ainda passavam e todos queriam assistir.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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