Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-ainda-paranoia-do.html antes
de ler esta postagem:
Winston chegou à Praça Vitória bem antes das
sete da noite, horário marcado pela garota do Departamento de Ficção...
Perambulou pelo local e ao redor do monumento em homenagem ao Grande Irmão. A
imponente estátua tinha a sua parte dianteira voltada para a região sul e os
olhos do herói eram dirigidos para o céu como que a lembrar da “batalha aérea
da Pista N.º 1”, marcada pela massacrante vitória sobre os aviões eurasianos...
Ao pensar a respeito da
referência histórica, o rapaz lembrou que há algum tempo propagava-se que a
vitória das baterias antiaéreas tinha sido sobre os aviões da Lestásia.
Outra estátua se destacava no perímetro e se localizava numa rua à
frente do grande monumento... Dizia-se que ela representava Oliver Cromwell,
mas pouco se sabia a respeito.
(...)
O relógio marcou sete e
cinco... A garota não aparecia e Winston voltou a sentir-se inquieto com a
possibilidade ver fracassado o encontro e sentir-se rejeitado. Mais uma vez
pensou que ela havia mudado de ideia...
Dirigiu-se para o outro
lado do monumento e caminhou na direção oposta, logo reconheceu a Igreja de São
Martinho e lembrou-se que, de acordo com o velho da loja de antiguidades, ao
tempo em que ela ainda possuía sinos, eles cantavam “me deve três vinténs”.
Caminhava absorto nessas
reflexões quando notou a jovem estava junto ao monumento como que a ler a
proclamação em destaque numa de suas colunas... Alegrou-se por isso, mas sabia
que não podia se aproximar naquele momento, pois o local possuía muitas
teletelas. Sabia que devia esperar que mais pessoas se juntassem na praça. Para
sua sorte, de repente iniciou-se grande movimentação e gritaria que anunciavam
a passagem de um comboio de caminhões. As pessoas se empolgaram e
encaminharam-se ruidosamente para o calçamento à frente do monumento, onde se
aglomeraram... A moça juntou-se a elas, obviamente esperando que Winston a
visse e se aproximasse. Ele não perdeu tempo e a seguiu.
O rapaz entendeu que os
pesados caminhões conduziam prisioneiros eurasianos... A parte sul da praça
ficou abarrotada de curiosos, uma multidão que em outras circunstâncias seria
evitada por ele. Para chegar até a garota, porém, avançou aos empurrões e
cotoveladas. Em pouco tempo viu-se em meio à agitação e bem próximo à garota,
estando separado dela apenas por um casal prole. Não teve dúvida e empurrou o
homem e a mulher com o ombro até passar e posicionar-se ao lado dela.
(...)
Tão próximos ficaram que
seus ombros se tocavam... Os dois mantinham o olhar fixo na direção da rua por
onde os caminhões passavam vagarosamente. Eles seguiam ladeados por policiais que
exibiam metralhadoras que chamavam a atenção da massa. Nas carrocerias estavam
mal acomodados os soldados de origem asiática, com seus uniformes em farrapos e
acomodados de cócoras. Suas fisionomias desanimadas motivavam a empolgação do
público. Winston notou que conforme os veículos chacoalhavam podia se ouvir o
barulho metálico dos grilhões que prendiam os detentos.
Eram muitos caminhões... O rapaz os olhava sem se interessar por maiores
detalhes, pois estava concentrado na sensação provocada pelo braço, cotovelo e
ombro da moça, que estavam praticamente colados aos seus. Colocaram-se tão
próximos um do outro que ele até podia sentir o calor de sua face. Ela começou
a murmurar sem esboçar qualquer expressão ou movimento dos lábios... O barulho
provocado pelas pessoas e pelos motores dos caminhões exigia toda atenção de
Winston.
Apesar das dificuldades, ele entendeu que ela quis sua garantia de que
estava ouvindo e entendendo o que lhe falava... Logo que confirmou, a moça deu
orientações para um encontro na tarde do próximo domingo e pediu-lhe que
decorasse as informações que começou a passar sem maiores delongas e com
“precisão militar”.
Ela orientou-o a seguir à estação de Paddington.
Seria meia hora de trem, e ao sair da estação devia tomar o caminho à
esquerda... Caminharia por “dois quilômetros pela estrada” até avistar “uma
porteira sem o travessão superior”... Chegaria a um campo e continuaria a
caminhar “por uma alameda gramada, uma picada entre touceiras” até avistar uma
“árvore morta coberta de musgo”.
Winston ficou
impressionado, pois a jovem parecia ter “o mapa na cabeça”. Na sequência ela
quis saber se ele havia decorado e proferiu uma breve síntese: devia de virar à
esquerda, “depois à direita, depois à esquerda outra vez. A porteira sem
travessão de cima”. Ele quis saber a que horas devia chegar e ela respondeu que
por volta das três da tarde... Salientou que talvez se atrasasse um pouco, pois
chegaria por outro caminho.
(...)
Winston confirmou que havia decorado as orientações, então ela o
dispensou com um “dá o fora o mais depressa possível”.
Ele
sabia que não precisava da advertência, todavia não foi fácil livrar-se do
emaranhado de pessoas reunidas para assistir ao comboio. Os veículos ainda
passavam e todos queriam assistir.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto