Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-na-praca-vitoria.html antes
de ler esta postagem:
Ainda sobre a passagem do comboio de caminhões
que transportavam prisioneiros, Winston percebera vaias e gritarias do pessoal
do Partido que estava presente na praça... Isso foi logo no começo e durou
pouco. De um modo geral, as pessoas se mostraram curiosas pela passagem de
estrangeiros que eram tidos como “animais estranhos”, raramente vistos
cotidianamente. Eventualmente noticiava-se o enforcamento de alguns, mas
ninguém se preocupava em saber o que ocorria com eles, sempre vistos como prisioneiros
do regime... Todos tinham como certo que muitos eram levados aos “campos de
trabalho forçado”.
Os primeiros a
passarem acorrentados nos caminhões eram tipos mongoloides... Na sequência
surgiram os de fisionomia europeia, cansados, sujos e com a barba por fazer.
Winston os olhava e sentia que também era visto por eles... No caminhão que
fechava o comboio estava um velho que tinha o rosto coberto por longos cabelos
embranquecidos e desgrenhados. O tipo era mantido de pé e trazia as algemas nos
pulsos erguidos à altura do peito.
(...)
Quando começou a se retirar, Winston percebeu que a moça aproveitou a
aglomeração que os camuflava para apertar-lhe a mão. Isso foi por brevíssimo
instante, mas ele teve a sensação de estarem de mãos dadas por “longo tempo”,
pois conseguiu “aprender todos os detalhes” da mão dela ao apalpar seus “dedos
afuselados, as unhas bem feitas, a palma calejada pelo trabalho duro, a carne
macia do pulso”. Enfim, considerou que havia gravado na consciência o tato dela
e que poderia reconhecê-la a qualquer momento que a visse.
Enquanto
se afastava no meio da multidão, constatou que não sabia a cor dos olhos da
garota... Pensou que podiam ser castanhos, mas sabia que havia muita gente de
cabelos escuros que tinha olhos azuis. Obviamente não tinha como dirimir a
dúvida, pois teria de voltar o olhar em sua direção e isso estava completamente
fora de cogitação.
No momento em que
estiveram de mãos dadas mantiveram o olhar firme no comboio que terminava de
passar... Mais tarde Winston lembrou que, em vez do olhar da garota, foi focado
pelo olhar melancólico do velho prisioneiro que passou no último caminhão.
(...)
No
esperado domingo, dois de maio, Winston chegou à alameda que a jovem havia
citado no mapa que descreveu enquanto estiveram em meio à multidão na Praça
Vitória... O dia dera em ensolarado o os arredores eram bucólicos e carregados
de campânulas.
Enquanto caminhava,
podia ouvir o canto de aves campestres. E seguia tranquilamente porque havia
chegado mais cedo, pois as informações passadas pela moça eram exatas e não
errou o trajeto... Além disso, a viagem até ali fora bem sossegada e sem
qualquer empecilho.
Pelo visto a jovem
era mesmo experiente e isso fez com que aos poucos Winston se tornasse mais
confiante. Se ela o levara até aquelas paragens era porque sabia que se tratava
de um local seguro. De sua parte, sabia que o campo também era muito vigiado
pelo regime. Era óbvio que não havia teletelas como em Londres, mas
desconfiava-se que muitos microfones podiam estar instalados e ocultos pela
vegetação e outras formações naturais. Tais equipamentos podiam captar vozes e
“reconhecer os transviados”.
As viagens solitárias sempre podiam chamar a atenção. Para aquelas de
percurso inferior aos cem quilômetros não se exigia visto em passaporte, mas
sabia-se que havia patrulhas que verificavam a documentação de membros do
Partido que circulassem por elas e os recolhiam para um interrogatório com
“questões indiscretas”.
(...)
Mas, como se salientou anteriormente, a viagem até ali fora de muita
tranquilidade e Winston não foi barrado por nenhuma patrulha, e ao deixar a
estação pôde constatar por diversas vezes que não foi seguido por ninguém.
Enquanto esteve no vagão do trem também não pôde
levantar queixas ou suspeitas... A composição estava tomada pela gente
proletária e o calor do dia favoreceu a atmosfera alegre. Entre os passageiros
havia uma família inteira, muito festiva e falante. A presença de Winston não
gerou qualquer constrangimento e até lhe disseram que iam visitar parentes no
interior e contaram-lhe a respeito de uma aquisição de manteiga no mercado
negro.
(...)
Pensava em tudo o que
havia superado para chegar até ali. Continuou a seguir as orientações que
tinham sido passadas pela jovem dos cabelos escuros e notou que a alameda se
tornou mais larga, mais adiante viu a picada tal como ela lhe antecipara. A passagem
era estreitada por espessa vegetação repleta de campânulas... E eram tantas que
mal conseguia caminhar sem pisar nelas.
Apesar de estar sem relógio, calculou que ainda não eram três da tarde.
Então decidiu colher algumas daquelas flores, já que assim podia passar o tempo
e improvisar um ramalhete que talvez fosse do agrado da garota. Juntou algumas
e em pouco notou que o perfume era forte e até enjoativo.
De
repente ouviu o barulho típico que uma pisada provoca num galho seco... O ruído
provocou aceleração de seus batimentos cardíacos e por breve instante vacilou
em relação ao que devia fazer.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-garota-chegou-e-o.html
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto