quarta-feira, 25 de agosto de 2021

“1984”, de George Orwell – a passagem do comboio e os tipos físicos dos miseráveis prisioneiros militares; concepção xenofóbica e pouco interesse pelo destino dos estrangeiros condenados; um velho de olhar triste no último caminhão; ousado aperto de mão sela o compromisso e permite conhecer um pouco mais da moça; a viagem sem atropelos e na companhia de festiva família proletária; desconfiança sobre a vigilância do regime também no campo; seguiu as orientações precisas e tudo indicava que chegaria ao local combinado; um alerta em meio a touceiras

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-na-praca-vitoria.html antes de ler esta postagem:

Ainda sobre a passagem do comboio de caminhões que transportavam prisioneiros, Winston percebera vaias e gritarias do pessoal do Partido que estava presente na praça... Isso foi logo no começo e durou pouco. De um modo geral, as pessoas se mostraram curiosas pela passagem de estrangeiros que eram tidos como “animais estranhos”, raramente vistos cotidianamente. Eventualmente noticiava-se o enforcamento de alguns, mas ninguém se preocupava em saber o que ocorria com eles, sempre vistos como prisioneiros do regime... Todos tinham como certo que muitos eram levados aos “campos de trabalho forçado”.
Os primeiros a passarem acorrentados nos caminhões eram tipos mongoloides... Na sequência surgiram os de fisionomia europeia, cansados, sujos e com a barba por fazer. Winston os olhava e sentia que também era visto por eles... No caminhão que fechava o comboio estava um velho que tinha o rosto coberto por longos cabelos embranquecidos e desgrenhados. O tipo era mantido de pé e trazia as algemas nos pulsos erguidos à altura do peito.
(...)
Quando começou a se retirar, Winston percebeu que a moça aproveitou a aglomeração que os camuflava para apertar-lhe a mão. Isso foi por brevíssimo instante, mas ele teve a sensação de estarem de mãos dadas por “longo tempo”, pois conseguiu “aprender todos os detalhes” da mão dela ao apalpar seus “dedos afuselados, as unhas bem feitas, a palma calejada pelo trabalho duro, a carne macia do pulso”. Enfim, considerou que havia gravado na consciência o tato dela e que poderia reconhecê-la a qualquer momento que a visse.
Enquanto se afastava no meio da multidão, constatou que não sabia a cor dos olhos da garota... Pensou que podiam ser castanhos, mas sabia que havia muita gente de cabelos escuros que tinha olhos azuis. Obviamente não tinha como dirimir a dúvida, pois teria de voltar o olhar em sua direção e isso estava completamente fora de cogitação.
No momento em que estiveram de mãos dadas mantiveram o olhar firme no comboio que terminava de passar... Mais tarde Winston lembrou que, em vez do olhar da garota, foi focado pelo olhar melancólico do velho prisioneiro que passou no último caminhão.

(...)

No esperado domingo, dois de maio, Winston chegou à alameda que a jovem havia citado no mapa que descreveu enquanto estiveram em meio à multidão na Praça Vitória... O dia dera em ensolarado o os arredores eram bucólicos e carregados de campânulas.
Enquanto caminhava, podia ouvir o canto de aves campestres. E seguia tranquilamente porque havia chegado mais cedo, pois as informações passadas pela moça eram exatas e não errou o trajeto... Além disso, a viagem até ali fora bem sossegada e sem qualquer empecilho.
Pelo visto a jovem era mesmo experiente e isso fez com que aos poucos Winston se tornasse mais confiante. Se ela o levara até aquelas paragens era porque sabia que se tratava de um local seguro. De sua parte, sabia que o campo também era muito vigiado pelo regime. Era óbvio que não havia teletelas como em Londres, mas desconfiava-se que muitos microfones podiam estar instalados e ocultos pela vegetação e outras formações naturais. Tais equipamentos podiam captar vozes e “reconhecer os transviados”.
As viagens solitárias sempre podiam chamar a atenção. Para aquelas de percurso inferior aos cem quilômetros não se exigia visto em passaporte, mas sabia-se que havia patrulhas que verificavam a documentação de membros do Partido que circulassem por elas e os recolhiam para um interrogatório com “questões indiscretas”.
(...)
Mas, como se salientou anteriormente, a viagem até ali fora de muita tranquilidade e Winston não foi barrado por nenhuma patrulha, e ao deixar a estação pôde constatar por diversas vezes que não foi seguido por ninguém.
Enquanto esteve no vagão do trem também não pôde levantar queixas ou suspeitas... A composição estava tomada pela gente proletária e o calor do dia favoreceu a atmosfera alegre. Entre os passageiros havia uma família inteira, muito festiva e falante. A presença de Winston não gerou qualquer constrangimento e até lhe disseram que iam visitar parentes no interior e contaram-lhe a respeito de uma aquisição de manteiga no mercado negro.
(...)
Pensava em tudo o que havia superado para chegar até ali. Continuou a seguir as orientações que tinham sido passadas pela jovem dos cabelos escuros e notou que a alameda se tornou mais larga, mais adiante viu a picada tal como ela lhe antecipara. A passagem era estreitada por espessa vegetação repleta de campânulas... E eram tantas que mal conseguia caminhar sem pisar nelas.
Apesar de estar sem relógio, calculou que ainda não eram três da tarde. Então decidiu colher algumas daquelas flores, já que assim podia passar o tempo e improvisar um ramalhete que talvez fosse do agrado da garota. Juntou algumas e em pouco notou que o perfume era forte e até enjoativo.
De repente ouviu o barulho típico que uma pisada provoca num galho seco... O ruído provocou aceleração de seus batimentos cardíacos e por breve instante vacilou em relação ao que devia fazer.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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