sábado, 28 de agosto de 2021

“1984”, de George Orwell – uma paisagem já vislumbrada em sonho, a “Terra Dourada”; o espetáculo proporcionado pelo tordo canoro; Júlia e seu “gesto magnífico”, de “aniquilar a civilização”, como no sonho; relato da jovem sobre suas aventuras sexuais com membros do Partido e de seu desprezo ao pessoal do Partido Interno; Winston aprova a conduta, pois considerava que a lascívia podia destruir o regime

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-winston-disse.html antes de ler esta postagem:

Colocaram-se à sombra de aveleiras para se protegerem do calor... Ao voltar o olhar para o campo, Winston recordou-se da paisagem de seu sonho e achou que a conhecia “de vista” por antecipação: “um pasto velho, com um caminho que serpeava de um lado a outro, pontilhado de cupins. Na sebe irregular, do lado oposto, os ramos dos ulmeiros balouçavam de leve na brisa, e suas folhas palpitavam em densas massas, como cabelo de mulher. Devia haver por ali, embora não pudesse vê-lo, um regato com espraiados verdes onde nadavam alguns peixes”.
Não se conteve e aos sussurros perguntou à Júlia se havia algum regato... Ela respondeu que sim, na beira do outro campo. E completou dizendo que havia peixes, sendo alguns bem grandes, que podiam ser vistos nas águas à sombra dos chorões.
Winston não se conteve e deixou escapar que “quase” era a “Terra Dourada”. Como não podia deixar de ser, ela quis saber. Ele respondeu que era apenas uma paisagem que eventualmente via em sonho.
(...)
A conversa sobre a “Terra Dourada” foi interrompida por um tordo que havia pousado num ramo bem próximo a eles... Júlia chamou a atenção do namorado para que pudessem contemplar a bela criatura, que abria e fechava as asas como que a aproveitar o calor dos raios solares que passavam por entre a folhagem.
O passarinho pôs-se a cantar animadamente, preenchendo a tarde de alegria e paz. Parecia se exibir com exclusividade ao casal, que permaneceu em silêncio a contemplá-lo. De fato, a cantoria era das mais espetaculares, pois suas variações nunca se repetiam. E seria o caso de se perguntar para quem ou a que cantava, já que nas proximidades não havia fêmea ou um seu concorrente.
Winston pensou sobre isso e refletiu se não havia mesmo nenhum microfone por perto... Se existisse, o equipamento certamente não teria captado nada do que falaram, pois só se comunicaram aos sussurros... O mesmo não se podia dizer a respeito da cantoria do tordo. Algum tempo se passou, a ave continuou a se exibir e Winston abandonou mais esses temores.
(...)
Em vez de se preocupar com a possibilidade de algum agente estar capturando os sons locais, remotamente graças à fiação conectada a supostos microfones, Winston resolveu aproveitar o momento... A bela cantoria do tordo e a “cintura morna e macia” de sua namorada deviam lhe bastar. Por isso puxou-a mais para perto de si. Suas mãos deslizavam pelas curvas da jovem enquanto se beijavam ardentemente. Os dois ofegavam regularmente e talvez por isso o tordo tivesse se assustado e voou para longe,
Tanto se acariciaram que Winston acabou desejando-a... Júlia explicou que deviam retornar à clareira e assim fizeram. Seguiram com tanta rapidez que mal evitavam os ramos secos.
Protegidos pela “segurança da muralha de árvores novas”, buscaram-se um ao outro... Winston não pôde deixar de notar o modo como Júlia se desfez do macacão e o lançou para um dos lados com ligeireza, “num gesto magnífico” como que a “aniquilar toda uma civilização” tal como se passava em seu sonho.
Encantado, contemplou “o corpo muito branco” de Júlia deitado na relva ensolarada... Mais que isso, manteve-se a fitar sua face sardenta e o seu “leve sorriso de ousadia”. De repente ajoelhou-se para ficar bem perto dela... Perguntou-lhe se já havia se envolvido com outros daquele mesmo modo anteriormente. Ela respondeu que “naturalmente”, que já fizera aquilo “centenas de vezes”. Depois corrigiu admitindo que tivesse sido “muitíssimas vezes”.
Winston quis saber se havia se encontrado com membros do Partido e ela respondeu que era sempre com membros do Partido que se envolvia em aventuras como aquelas, mas não do Partido Interno... Chamou-os de “porcos” e admitiu que sabia que vários deles quisessem. Na sequência salientou que não eles não eram tão santos como queriam fazer crer.
Ao ouvir essas revelações, o rapaz sentiu o coração se agitar. Mas não era por despeito, e sim porque considerou que Júlia era do tipo de mulher que ele gostaria que prevalecesse na sociedade... Ela havia dito “muitíssimas vezes”! Winston esperava que tivessem sido inúmeras, milhares até.
Aquele tipo de comportamento pervertido o animava na esperança de que o Partido e sua estrutura de poder estivessem carcomidos, podres mesmo... A aparência de robustez e “seu culto da severidade e à autonegação podiam ser apenas uma máscara da iniquidade”.
Para Winston, as rebeldias sexuais como a de Júlia podiam desmantelar o sistema... Se pudesse, infeccionaria os moralistas “com lepra ou sífilis” e com tudo o mais que pudesse “apodrecer, minar, debilitar” o IngSoc.
Na sequência, fez a moça ajoelhar-se diante de si e disse-lhe que aprovava a conduta dela, pois quanto mais tivesse se envolvido sexualmente com outros mais a desejaria... Perguntou-lhe se o compreendia... Ela respondeu que sim, “perfeitamente”. Ele emendou que nutria ódio pela pureza e a virtude, e que, de sua parte, não haveria virtude “em lugar nenhum”, pois desejava “que todos fossem corruptos até os ossos”.
Júlia respondeu que estava tudo certo... Chamou-o de “querido” e disse que ela servia aos seus propósitos, pois era “corrupta até os ossos”.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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