quarta-feira, 11 de agosto de 2021

“1984”, de George Orwell – epistemologia e o drama de saber que a mente pode ser controlada; surgem a imagem de O’Brien, a convicção de que não está só e a ideia de dedicar o diário a ele; ainda prevalecia a dúvida entre a certeza da defesa da racionalidade e a impossibilidade de enfrentar a implacável máquina opressora do Partido; a liberdade se relaciona a contrariar as mentiras impostas pelo regime; caminhada solitária por área periférica de Londres numa noite de abril; os riscos da “proprivida”

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-ainda-fotografia.html antes de ler esta postagem:

Talvez fosse o caso de questionar como alcançamos o conhecimento que consideramos válido... Aceitamos que “dois e dois são quatro”, uma “lei da gravidade” ou que “o passado é inalterável” e a todo o cognoscível armazenamos em nossa mente. Winston lamentou que ela pudesse ser controlada.
Apesar disso, não se entristeceu muito mais... De repente, a fisionomia de O’Brien surgiu em seus pensamentos sem que estivesse relacionada a qualquer reflexão anterior. Para ele, isso era um sinal de que aquele membro do Partido Interno “estava do seu lado”.
Pensou tão positivamente a este respeito que sentenciou que estava escrevendo o diário exatamente para O’Brien. Entendia que os seus intermináveis registros não seriam lidos por ninguém, mas o fato de finalmente determinar a quem eles se dirigiam o animava profundamente.
(...)
Mais uma vez pensou sobre a própria fragilidade perante a metodologia do regime e a determinação do Partido de considerar nulo qualquer elemento que se pretendesse constituir “prova visual e auditiva”. Pessoas ajuizadas seguiriam a orientação oficial... Winston sentiu-se apequenado ante a uma eventual necessidade de defender sua posição diante das contextualizações sustentadas pelos ideólogos do Partido que apresentariam “argumentos que não conseguiria compreender, e muito menos responder”.
Ainda assim sentia-se inspirado pela animadora visão que tivera. Pensou mesmo que a razão estivesse do seu lado e que os que se agarravam ao poder eram os errados. No final das contas, as ideias que defendia eram simples e verdadeiras:

                   “O óbvio, o tolo, e o verdadeiro tinham que ser defendidos. Os truísmos são verdadeiros, esse é que é o fato! O mundo sólido existe, suas leis não mudam. As pedras são duras, a água é líquida, os objetos largados no ar caem sobre a crosta da terra”.

Na sequência, como se estivesse a falar com o próprio O’Brien, e convicto de que precisava registrar um importante fundamento, escreveu no diário:

                   “A liberdade é a liberdade de dizer que dois e dois são quatro. Admitindo-se isto, tudo o mais decorre”.

(...)

Vemos Winston caminhando silenciosamente pelas ruas de Londres...
Suas reflexões o tornaram ainda mais discreto e interessado por respostas que pudessem esclarecer os questionamentos que vinha levantando.
Na verdade já fazia um bom tempo que estava percorrendo uma área mais afastada do seu prédio. Em vez de comparecer ao sarau que era realizado pelo Centro Comunitário, preferiu caminhar. Aliás, em três semanas, era a segunda vez que isso ocorria... Algo arriscado, pois certamente havia membros do Partido que cuidavam de conferir a presença do pessoal.
Alguém que pertencesse ao Partido “não tinha horas vagas” e tampouco permanecia por muito tempo sozinho. A exceção era o período de sono... A ideia era a de que, enquanto não estivesse no trabalho, se alimentando ou dormindo, participasse dos eventos recreativos em comunidade. Portanto era mesmo temerário manifestar mais interesse pelo isolamento e solidão... Um passeio sozinho podia provocar inconvenientes desnecessários.
Até havia uma palavra em “novilíngua” que traduzia essa tendência que significava “individualismo e excentricidade”: “proprivida”.
(...)
A noite quente de abril estava mesmo convidativa para uma atividade a céu aberto, além disso, bem mais agradável do que a “noitada no Centro Comunitário”, sempre ruidosa “com os jogos aborrecidos e cansativos, as conferências, a camaradagem forçada, lubrificada pelo gin”.
Depois de muitos quilômetros sentiu o incômodo latejar na variz. Alcançou um trecho de calçada onde parou também por sentir um delicioso aroma de café torrado que chegava à rua desde alguma casa localizada numa viela, algo incomparavelmente melhor do que o café Vitória e que lhe trazia fragmentos da infância à memória. Parou para absorver um pouco, mas logo uma porta se fechou e interrompeu o fluxo do perfume inebriante.
Aos poucos foi se afastando do quarteirão e do local em que o ônibus parava para recolher e fazer descer passageiros... Caminhou em direção ao sul, depois seguiu pelas ruas na direção leste até definir-se por uma avenida que o levasse mais para o norte. Parecia não ter um destino definido e, de fato, chegou à desconhecida periferia...
Não era por acaso... Como sabemos, ele havia escrito em seu diário que “se há esperança”, ela “está nos proles”.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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