Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-ainda-fotografia.html antes
de ler esta postagem:
Talvez fosse o caso de questionar como
alcançamos o conhecimento que consideramos válido... Aceitamos que “dois e dois
são quatro”, uma “lei da gravidade” ou que “o passado é inalterável” e a todo o
cognoscível armazenamos em nossa mente. Winston lamentou que ela pudesse ser
controlada.
Apesar disso, não se
entristeceu muito mais... De repente, a fisionomia de O’Brien surgiu em seus
pensamentos sem que estivesse relacionada a qualquer reflexão anterior. Para
ele, isso era um sinal de que aquele membro do Partido Interno “estava do seu
lado”.
Pensou tão positivamente a este respeito que sentenciou que estava
escrevendo o diário exatamente para O’Brien. Entendia que os seus intermináveis
registros não seriam lidos por ninguém, mas o fato de finalmente determinar a
quem eles se dirigiam o animava profundamente.
(...)
Mais uma vez pensou sobre a
própria fragilidade perante a metodologia do regime e a determinação do Partido
de considerar nulo qualquer elemento que se pretendesse constituir “prova
visual e auditiva”. Pessoas ajuizadas seguiriam a orientação oficial... Winston
sentiu-se apequenado ante a uma eventual necessidade de defender sua posição
diante das contextualizações sustentadas pelos ideólogos do Partido que
apresentariam “argumentos que não conseguiria compreender, e muito menos
responder”.
Ainda assim sentia-se
inspirado pela animadora visão que tivera. Pensou mesmo que a razão estivesse
do seu lado e que os que se agarravam ao poder eram os errados. No final das
contas, as ideias que defendia eram simples e verdadeiras:
“O óbvio, o tolo, e o verdadeiro tinham
que ser defendidos. Os truísmos são verdadeiros, esse é que é o fato! O mundo
sólido existe, suas leis não mudam. As pedras são duras, a água é líquida, os
objetos largados no ar caem sobre a crosta da terra”.
Na sequência, como se
estivesse a falar com o próprio O’Brien, e convicto de que precisava registrar
um importante fundamento, escreveu no diário:
“A liberdade é a liberdade de dizer
que dois e dois são quatro. Admitindo-se isto, tudo o mais decorre”.
(...)
Vemos Winston caminhando silenciosamente pelas ruas de Londres...
Suas reflexões o tornaram ainda mais discreto e interessado por
respostas que pudessem esclarecer os questionamentos que vinha levantando.
Na verdade já fazia um bom tempo que estava
percorrendo uma área mais afastada do seu prédio. Em vez de comparecer ao sarau
que era realizado pelo Centro Comunitário, preferiu caminhar. Aliás, em três
semanas, era a segunda vez que isso ocorria... Algo arriscado, pois certamente
havia membros do Partido que cuidavam de conferir a presença do pessoal.
Alguém que pertencesse ao
Partido “não tinha horas vagas” e tampouco permanecia por muito tempo sozinho.
A exceção era o período de sono... A ideia era a de que, enquanto não estivesse
no trabalho, se alimentando ou dormindo, participasse dos eventos recreativos
em comunidade. Portanto era mesmo temerário manifestar mais interesse pelo
isolamento e solidão... Um passeio sozinho podia provocar inconvenientes
desnecessários.
Até havia uma palavra em “novilíngua” que traduzia essa tendência que
significava “individualismo e excentricidade”: “proprivida”.
(...)
A noite quente de abril
estava mesmo convidativa para uma atividade a céu aberto, além disso, bem mais
agradável do que a “noitada no Centro Comunitário”, sempre ruidosa “com os
jogos aborrecidos e cansativos, as conferências, a camaradagem forçada,
lubrificada pelo gin”.
Depois de muitos
quilômetros sentiu o incômodo latejar na variz. Alcançou um trecho de calçada onde parou também por sentir um delicioso aroma de café torrado que chegava à
rua desde alguma casa localizada numa viela, algo incomparavelmente melhor do
que o café Vitória e que lhe trazia fragmentos da infância à memória. Parou
para absorver um pouco, mas logo uma porta se fechou e interrompeu o fluxo do
perfume inebriante.
Aos poucos foi se afastando
do quarteirão e do local em que o ônibus parava para recolher e fazer descer
passageiros... Caminhou em direção ao sul, depois seguiu pelas ruas na direção
leste até definir-se por uma avenida que o levasse mais para o norte. Parecia
não ter um destino definido e, de fato, chegou à desconhecida periferia...
Não
era por acaso... Como sabemos, ele havia escrito em seu diário que “se há
esperança”, ela “está nos proles”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-sobre-aglomeracao.html
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto