Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-nove-da-noite.html antes
de ler esta postagem:
O quarto estava mobiliado satisfatoriamente, de
modo que Winston pensou que talvez fosse utilizado regularmente. Havia um pedaço
de tapete sobre o assoalho e as paredes estavam ornamentadas por “um ou dois
quadros”. O cômodo ainda contava com uma lareira, e junto dela havia uma velha
poltrona, além de um relógio do tipo carrilhão que tinha funcionamento normal.
Uma cama de casal ocupava
posição abaixo da janela e tomava boa parte do quarto. O velho lojista das
antiguidades antecipou que o usou até a morte da esposa e que vinha vendendo os
objetos aos poucos. Comentou que a cama era de mogno e que seu único defeito
era estar infestada de percevejos... Emendou que estava notando que Winston
parecia não se interessar, então levantou a lamparina para que reparasse
melhor.
(...)
Com a iluminação, o rapaz pôde ver perfeitamente o quarto e o achou
aconchegante e convidativo... Pensou que, se não alimentasse maiores receios,
poderia alugá-lo “por alguns dólares semanais”.
A cogitação era das mais
desbaratadas e ele sentenciou que devia abandoná-la imediatamente. Apesar
disso, prevalecia a sensação de que o quarto despertava certa nostalgia, algo
que podia relacionar a uma “saudade ancestral” porque em seu íntimo parecia
conhecer a sensação de acomodar-se naquela poltrona junto à lareira, em
completo relaxamento e com uma chaleira à disposição... Sem dúvida, algo a que
aspirava, a confortável solidão em segurança num quarto como aquele, onde
apenas o tique-taque do relógio e o crepitar da lareira o acompanhariam.
Não havia teletela no
quarto. E isso significava nenhum patrulhamento, nenhum som metálico,
proclamações ou anúncios, nenhum olhar intimidador. Comentou a ausência da
placa com o proprietário, e este respondeu que jamais juntara dinheiro
suficiente para adquirir uma... Emendou que não sentia falta do equipamento e
na sequência passou a falar de uma mesa que podia ser adquirida pelo Winston,
todavia adiantou que, se quisesse acionar o dispositivo para abri-la, teria “de
trocar as dobradiças”.
Sem manifestar-se a
respeito do móvel, o rapaz dirigiu-se a uma estante... Observou o pequeno
acervo e avaliou que “só continha porcaria”. Ele sabia que a caça às publicações
anteriores a 1960 havia sido implacável também nos bairros proles e não
esperava mesmo encontrar qualquer preciosidade.
O velho posicionou a
lamparina de modo a iluminar uma moldura em pau-rosa que estava fixada na
parede à frente da lareira... Pôs-se a falar que possuía gravuras, mas Winston
adiantou-se para diante do quadro que trazia “uma gravura em aço de um edifício
oval, de janelas retangulares, e uma pequena torre na frente”. Uma grade de
ferro contornava o prédio e parece que havia uma estátua mais ao fundo... O
rapaz dedicou-se a contemplar a peça por algum tempo por considerar o cenário
“vagamente familiar”, apesar de a estátua não lhe inspirar qualquer
reminiscência.
Percebendo o seu interesse,
o lojista explicou que a moldura estava afixada, mas ele podia soltar-lhes os
parafusos. Winston deixou escapar que conhecia o prédio e explicou que ele se
situava “no meio da rua do Palácio da Justiça” e estava em ruínas.
O velho confirmou, falou da localização junto ao foro e que houve um
bombardeio há muitos anos. Explicou que em tempos passados havia sido a Igreja
de S. Clemente dos Dinamarqueses... Sem saber se havia dito algo completamente
desprezível sorriu e na sequência emendou que “laranjas e limões, dizem os
sinos de S. Clemente”.
Winston não entendeu a citação e o outro se apressou em explicar que se
tratava de uma modinha da época em que ainda era um menino... Não se lembrava
de toda composição, mas sabia que terminava com os versos: “Aí vem uma luz para
te levar para a cama; Aí vem um machado para te cortar a cabeça”.
O lojista explicou que se tratava de uma
quadrilha... Os participantes se posicionavam formando um corredor, davam as
mãos e erguiam os braços... Aos poucos os demais passavam por baixo enquanto
todos cantavam. Na parte do “para te cortar a cabeça” desciam os braços e
prendiam os que estavam passando no momento.
(...)
Empolgado
com as explicações que acabara de dar, o homem explicou que “era tudo com o
nome das igrejas”, igrejas de Londres, pelo menos as principais. Winston pôs-se
a pensar a que século pertencia a construção da igreja, algo difícil de
mensurar, principalmente porque declarava-se que todas as maiores obras eram
realizações do regime... Os demais projetos, que não eram tão imponentes, eram
classificados como antigos e pertencentes a um “período tenebroso” ao qual
denominavam “Idade Média”, quando os capitalistas dominaram sem que produzissem
algo de valoroso.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto