terça-feira, 17 de agosto de 2021

“1984”, de George Orwell – conhecendo o quarto acima da loja de antiguidades; nada de teletela, sensação de segurança e aconchego; uma atração que deve ser reprimida; outros objetos à venda; uma moldura com as ruínas da Igreja de São Clemente dos Dinamarqueses; antiga cantiga de divertida quadrilha; a idade média de acordo com ensinamentos do regime

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-nove-da-noite.html antes de ler esta postagem:

O quarto estava mobiliado satisfatoriamente, de modo que Winston pensou que talvez fosse utilizado regularmente. Havia um pedaço de tapete sobre o assoalho e as paredes estavam ornamentadas por “um ou dois quadros”. O cômodo ainda contava com uma lareira, e junto dela havia uma velha poltrona, além de um relógio do tipo carrilhão que tinha funcionamento normal.
Uma cama de casal ocupava posição abaixo da janela e tomava boa parte do quarto. O velho lojista das antiguidades antecipou que o usou até a morte da esposa e que vinha vendendo os objetos aos poucos. Comentou que a cama era de mogno e que seu único defeito era estar infestada de percevejos... Emendou que estava notando que Winston parecia não se interessar, então levantou a lamparina para que reparasse melhor.
(...)
Com a iluminação, o rapaz pôde ver perfeitamente o quarto e o achou aconchegante e convidativo... Pensou que, se não alimentasse maiores receios, poderia alugá-lo “por alguns dólares semanais”.
A cogitação era das mais desbaratadas e ele sentenciou que devia abandoná-la imediatamente. Apesar disso, prevalecia a sensação de que o quarto despertava certa nostalgia, algo que podia relacionar a uma “saudade ancestral” porque em seu íntimo parecia conhecer a sensação de acomodar-se naquela poltrona junto à lareira, em completo relaxamento e com uma chaleira à disposição... Sem dúvida, algo a que aspirava, a confortável solidão em segurança num quarto como aquele, onde apenas o tique-taque do relógio e o crepitar da lareira o acompanhariam.
Não havia teletela no quarto. E isso significava nenhum patrulhamento, nenhum som metálico, proclamações ou anúncios, nenhum olhar intimidador. Comentou a ausência da placa com o proprietário, e este respondeu que jamais juntara dinheiro suficiente para adquirir uma... Emendou que não sentia falta do equipamento e na sequência passou a falar de uma mesa que podia ser adquirida pelo Winston, todavia adiantou que, se quisesse acionar o dispositivo para abri-la, teria “de trocar as dobradiças”.
Sem manifestar-se a respeito do móvel, o rapaz dirigiu-se a uma estante... Observou o pequeno acervo e avaliou que “só continha porcaria”. Ele sabia que a caça às publicações anteriores a 1960 havia sido implacável também nos bairros proles e não esperava mesmo encontrar qualquer preciosidade.
O velho posicionou a lamparina de modo a iluminar uma moldura em pau-rosa que estava fixada na parede à frente da lareira... Pôs-se a falar que possuía gravuras, mas Winston adiantou-se para diante do quadro que trazia “uma gravura em aço de um edifício oval, de janelas retangulares, e uma pequena torre na frente”. Uma grade de ferro contornava o prédio e parece que havia uma estátua mais ao fundo... O rapaz dedicou-se a contemplar a peça por algum tempo por considerar o cenário “vagamente familiar”, apesar de a estátua não lhe inspirar qualquer reminiscência.
Percebendo o seu interesse, o lojista explicou que a moldura estava afixada, mas ele podia soltar-lhes os parafusos. Winston deixou escapar que conhecia o prédio e explicou que ele se situava “no meio da rua do Palácio da Justiça” e estava em ruínas.
O velho confirmou, falou da localização junto ao foro e que houve um bombardeio há muitos anos. Explicou que em tempos passados havia sido a Igreja de S. Clemente dos Dinamarqueses... Sem saber se havia dito algo completamente desprezível sorriu e na sequência emendou que “laranjas e limões, dizem os sinos de S. Clemente”.
Winston não entendeu a citação e o outro se apressou em explicar que se tratava de uma modinha da época em que ainda era um menino... Não se lembrava de toda composição, mas sabia que terminava com os versos: “Aí vem uma luz para te levar para a cama; Aí vem um machado para te cortar a cabeça”.
O lojista explicou que se tratava de uma quadrilha... Os participantes se posicionavam formando um corredor, davam as mãos e erguiam os braços... Aos poucos os demais passavam por baixo enquanto todos cantavam. Na parte do “para te cortar a cabeça” desciam os braços e prendiam os que estavam passando no momento.
(...)
Empolgado com as explicações que acabara de dar, o homem explicou que “era tudo com o nome das igrejas”, igrejas de Londres, pelo menos as principais. Winston pôs-se a pensar a que século pertencia a construção da igreja, algo difícil de mensurar, principalmente porque declarava-se que todas as maiores obras eram realizações do regime... Os demais projetos, que não eram tão imponentes, eram classificados como antigos e pertencentes a um “período tenebroso” ao qual denominavam “Idade Média”, quando os capitalistas dominaram sem que produzissem algo de valoroso.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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