segunda-feira, 23 de agosto de 2021

“1984”, de George Orwell – ainda a paranoia do apaixonado Winston e as hipóteses para o sumiço da garota; a vez em que o abobalhado Wilsher atrapalhou o encontro; enfim na mesma mesa e conversa aos sussurros; combinando um “encontro” na Praça Vitória junto ao monumento às sete da noite

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-participando-do.html antes de ler esta postagem:

Ao constatar que moça do Departamento de Ficção se ausentava do refeitório, Winston se desesperou, já que não podia imaginar o que teria acontecido a ela... Estava apaixonado, essa é a verdade, e por mais temerário que isso pudesse ser pretendia vê-la, pois esperava estabelecer alguma forma de contato.
A imagem da jovem não lhe saía da consciência nem mesmo durante o sono... Por aqueles dias não teve ânimo para abrir o diário e apenas durante as tarefas de maior exigência de raciocínio no trabalho é que conseguia alguma consolação.
Como não havia qualquer possibilidade de obter informações, Winston imaginava situações trágicas... Ela “poderia ter sido vaporizada” ou se suicidado, podia ter sido transferida para outra região... Mais que isso, o rapaz temia que ela tivesse desistido da aproximação e o vinha evitando sistematicamente.
(...)
Mas aconteceu que num daqueles dias ela reapareceu no refeitório... Ele notou que o braço já não trazia o apoio da tipoia, embora seu pulso estivesse envolvido por curativo. Ao vê-la não conseguiu conter o desejo de fitá-la por alguns segundos.
Logo no início do horário de almoço do dia seguinte, viu que a moça já estava acomodada numa mesa mais afastada da parede e sozinha... Winston estava na fila e quase se aproximando do balcão, quando o serviço foi interrompido porque um dos trabalhadores começou a reclamar algo sobre não ter recebido sua cota de açúcar. Passaram-se uns dois minutos até que chegasse sua vez.
Ao dirigir-se para as mesas, caminhou com naturalidade e dando a entender que buscava lugar mais à frente. Quando estava a uns três metros da mesa da garota, ouviu que alguém o chamava... Quis prosseguir como se não tivesse escutado, mas passaram a chamá-lo ainda mais insistentemente e sem alternativa voltou-se para atender.
O tipo que o chamava era certo Wilsher... Um camarada loiro, com “cara de bobo”, que não era exatamente de seu círculo mais próximo, mas evidentemente não era adequado recusar a companhia, por isso recebeu-o com um sorriso. Apesar disso, em pensamento imaginou-se desferindo uma machadada bem no meio do rosto abobalhado do outro.
Alguns minutos se passaram e já não havia mais lugar disponível na mesa da moça dos cabelos escuros... Para Winston, ficou a impressão de que ela o notou em sua tentativa de juntar-se à sua companhia e o modo como o Wilscher o atrapalhou.
(...)
Ele fez de tudo para chegar mais rápido ao refeitório no dia seguinte. De fato, avistou-a sozinha numa mesa localizada na mesma área do dia anterior. A fila das bandejas seguia mais rapidamente e à sua frente ia um tipo de baixa estatura, com sua “cara chata e olhos miúdos e suspicazes”.
Assim que foi servido e se virou para as mesas, notou que aquele tipinho seguia na direção da mesa da jovem... Seu coração acelerou, pois tudo indicava que não conseguiria ficar a sós com ela. Desolado, seguiu o outro pelos corredores formados pelas mesas até que o homem caiu bem à sua frente.
Não fosse pelo barulho, talvez Winston nem notasse o acidente... O caso é que a bandeja do tipo estava no chão e havia provocado uma grande imundície pelo. Ele se levantou e encarou ao Winston como se este tivesse provocado o tropeço. Mas ficou nisso, o acidentado apressou-se para se reorganizar enquanto o rapaz sentou-se à mesma mesa da garota.
(...)
Winston não dirigiu o olhar para ela... Pôs-se a comer normalmente enquanto uma sensação de pavor começava a dominá-lo, já que sabia que precisava falar-lhe antes que outros se sentassem à mesa. Ao mesmo tempo imaginou que ela havia resolvido esquecê-lo, até porque devia saber que o relacionamento entre eles não tinha futuro numa realidade como a que viviam.
Então podemos dizer que Winston vacilou e esteve a ponto de nada dizer... Porém, ao ver que Ampleforth, o “metido a poeta”, caminhava pelo refeitório em busca de uma mesa, e provavelmente se sentaria perto dele, concluiu que talvez tivesse apenas um minuto para falar.
Apesar da falta de interesse pelo “caldo de vagens”, a moça também comia sem tirar os olhos do prato... Winston falou-lhe o mais baixo que pôde e logicamente sem dirigir-lhe o olhar. Ela correspondeu e respondeu através de murmúrios quase inaudíveis.
Em síntese, ele quis saber a que horas ela deixava o trabalho e onde podiam se encontrar. Ela respondeu que saía às seis e meia da tarde e que podiam se encontrar “na Praça Vitória, perto do monumento”.
Sempre aos sussurros, Winston advertiu que o local era repleto de teletelas... Ela adiantou que isso não tinha qualquer importância desde que houvesse muita movimentação... Ele entendeu e quis saber se trocariam algum sinal e ela foi taxativa ao responder que não, e ao explicar que ele só podia se aproximar se estivesse no meio da multidão. Não poderia olhar para ela, apenas chegar perto.
Por fim, a moça falou do horário do encontro, às sete da noite... Winston proferiu um “muito bem” como que a selar o combinado.
(...)
A conversa havia se desenrolado e terminado sem que se olhassem... Ela finalizou seu almoço e se retirou. Winston permaneceu por mais algum tempo e acendeu um de seus cigarros Vitória... Ampleforth passou sem ter notado o camarada e instalou-se em outra mesa.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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