Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-participando-do.html antes
de ler esta postagem:
Ao constatar que moça do Departamento de Ficção
se ausentava do refeitório, Winston se desesperou, já que não podia imaginar o
que teria acontecido a ela... Estava apaixonado, essa é a verdade, e por mais
temerário que isso pudesse ser pretendia vê-la, pois esperava estabelecer
alguma forma de contato.
A imagem da jovem não
lhe saía da consciência nem mesmo durante o sono... Por aqueles dias não teve
ânimo para abrir o diário e apenas durante as tarefas de maior exigência de
raciocínio no trabalho é que conseguia alguma consolação.
Como não havia qualquer possibilidade de obter informações, Winston
imaginava situações trágicas... Ela “poderia ter sido vaporizada” ou se
suicidado, podia ter sido transferida para outra região... Mais que isso, o
rapaz temia que ela tivesse desistido da aproximação e o vinha evitando
sistematicamente.
(...)
Mas aconteceu que num daqueles dias ela reapareceu no refeitório... Ele
notou que o braço já não trazia o apoio da tipoia, embora seu pulso estivesse
envolvido por curativo. Ao vê-la não conseguiu conter o desejo de fitá-la por
alguns segundos.
Logo
no início do horário de almoço do dia seguinte, viu que a moça já estava
acomodada numa mesa mais afastada da parede e sozinha... Winston estava na fila
e quase se aproximando do balcão, quando o serviço foi interrompido porque um
dos trabalhadores começou a reclamar algo sobre não ter recebido sua cota de
açúcar. Passaram-se uns dois minutos até que chegasse sua vez.
Ao dirigir-se para as
mesas, caminhou com naturalidade e dando a entender que buscava lugar mais à
frente. Quando estava a uns três metros da mesa da garota, ouviu que alguém o
chamava... Quis prosseguir como se não tivesse escutado, mas passaram a chamá-lo
ainda mais insistentemente e sem alternativa voltou-se para atender.
O
tipo que o chamava era certo Wilsher... Um camarada loiro, com “cara de bobo”, que
não era exatamente de seu círculo mais próximo, mas evidentemente não era
adequado recusar a companhia, por isso recebeu-o com um sorriso. Apesar disso, em
pensamento imaginou-se desferindo uma machadada bem no meio do rosto abobalhado
do outro.
Alguns minutos se
passaram e já não havia mais lugar disponível na mesa da moça dos cabelos
escuros... Para Winston, ficou a impressão de que ela o notou em sua tentativa de
juntar-se à sua companhia e o modo como o Wilscher o atrapalhou.
(...)
Ele fez de tudo para
chegar mais rápido ao refeitório no dia seguinte. De fato, avistou-a sozinha numa
mesa localizada na mesma área do dia anterior. A fila das bandejas seguia mais
rapidamente e à sua frente ia um tipo de baixa estatura, com sua “cara chata e
olhos miúdos e suspicazes”.
Assim que foi servido e se virou para as mesas, notou que aquele tipinho
seguia na direção da mesa da jovem... Seu coração acelerou, pois tudo indicava
que não conseguiria ficar a sós com ela. Desolado, seguiu o outro pelos corredores
formados pelas mesas até que o homem caiu bem à sua frente.
Não fosse pelo barulho, talvez Winston nem notasse o acidente... O caso
é que a bandeja do tipo estava no chão e havia provocado uma grande imundície
pelo. Ele se levantou e encarou ao Winston como se este tivesse provocado o
tropeço. Mas ficou nisso, o acidentado apressou-se para se reorganizar enquanto
o rapaz sentou-se à mesma mesa da garota.
(...)
Winston não dirigiu o olhar para ela... Pôs-se a
comer normalmente enquanto uma sensação de pavor começava a dominá-lo, já que
sabia que precisava falar-lhe antes que outros se sentassem à mesa. Ao mesmo
tempo imaginou que ela havia resolvido esquecê-lo, até porque devia saber que o
relacionamento entre eles não tinha futuro numa realidade como a que viviam.
Então podemos dizer
que Winston vacilou e esteve a ponto de nada dizer... Porém, ao ver que
Ampleforth, o “metido a poeta”, caminhava pelo refeitório em busca de uma mesa,
e provavelmente se sentaria perto dele, concluiu que talvez tivesse apenas um
minuto para falar.
Apesar da falta de interesse pelo “caldo de vagens”, a moça também comia
sem tirar os olhos do prato... Winston falou-lhe o mais baixo que pôde e
logicamente sem dirigir-lhe o olhar. Ela correspondeu e respondeu através de
murmúrios quase inaudíveis.
Em
síntese, ele quis saber a que horas ela deixava o trabalho e onde podiam se
encontrar. Ela respondeu que saía às seis e meia da tarde e que podiam se
encontrar “na Praça Vitória, perto do monumento”.
Sempre aos sussurros,
Winston advertiu que o local era repleto de teletelas... Ela adiantou que isso
não tinha qualquer importância desde que houvesse muita movimentação... Ele
entendeu e quis saber se trocariam algum sinal e ela foi taxativa ao responder
que não, e ao explicar que ele só podia se aproximar se estivesse no meio da
multidão. Não poderia olhar para ela, apenas chegar perto.
Por fim, a moça falou do horário do encontro, às sete da noite...
Winston proferiu um “muito bem” como que a selar o combinado.
(...)
A
conversa havia se desenrolado e terminado sem que se olhassem... Ela finalizou seu
almoço e se retirou. Winston permaneceu por mais algum tempo e acendeu um de
seus cigarros Vitória... Ampleforth passou sem ter notado o camarada e
instalou-se em outra mesa.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-na-praca-vitoria.html
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto