Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-um-livro-escolar.html antes
de ler esta postagem:
A ruína caracterizava a cidade com sua
precariedade e sujeira... Winston não vislumbrava qualquer esperança... Para
ele, a Senhora Parsons e sua dificuldade em lidar com os filhos hiperativos e
com o entupimento do esgoto representava a gente comum que a habitava.
(...)
Enquanto tentava
livrar-se da comichão provocada pela variz junto ao tornozelo, lastimou as
informações manipuladas que chegavam às casas através das teletelas... Dados
mentirosos anunciavam que a vida estava muito melhor e que o biótipo da
população se apresentava cada vez “mais alto, forte, saudável e feliz”;
propagava-se que alimentos e roupas se tornaram abundantes e diversificados;
que a habitação passara a ser decente; que todos começaram a ter mais tempo
livre para desfrutar diversas opções de lazer e que, graças à melhoria dos
padrões de ensino, o povo se tornara mais inteligente.
Ninguém ousava negar os índices oficiais... Como sabemos, nada podia ser
contestado ou provado. O Partido anunciava dados positivos e todos aceitavam
que as coisas estavam cada vez melhores... Dizia-se que, graças a um trabalho
específico de atendimento às necessidades dos proles, 40% deles haviam sido
alfabetizados; conquista notável já que antes do advento do IngSoc esse índice
não chegava a 15 %. A diminuição da mortalidade infantil era outra informação
que o Partido anunciava a exaustão, apontando resultados cada vez mais
positivos... No momento, fazia saber que antes da Revolução morriam cerca de
trezentas crianças a cada mil que nasciam e que, graças ao seu trabalho, a
mortandade havia caído para 160 por mil nascidos.
As
informações eram sempre carregadas de certezas. Os que as ouviam eram levados a
crer que as equações apresentadas fossem exatas... Para tipos como Winston
sempre havia mais de uma “incógnita”, e mesmo as informações trazidas pelos
livros de História que eram processadas pelos estudantes sem qualquer
aprofundamento podiam não passar de fantasias... Talvez sequer tivessem
existido capitalistas, cartolas ou a prática do “jus primae noctis”.
(...)
O caso é que o regime
moldava o passado e desse modo “as mentiras se tornavam verdades”. Winston
sabia que uma determinada ocasião chegou às suas mãos uma “prova concreta e
inegável de uma falsificação”.
Pelos
seus cálculos, por volta de 1973, na época mesma em que havia se separado de
Katharine, chegara-lhe às mãos documentos que reportavam acontecimentos de
“sete ou oito anos antes”, quando o Partido havia determinado expurgos para a
eliminação de antigas lideranças da Revolução... Isso deve ter sido por volta
de 1965, e uns cinco anos mais tarde podia-se dizer que já não havia outra
personalidade revolucionária além do Grande Irmão.
As notícias a
respeito das confissões públicas, inclusive a de Goldstein, dos julgamentos e
execuções eram propagadas insistentemente... E como que para manter a população
em constante estado de alerta, sempre se noticiava a prisão de remanescentes
acusados de traição e de conluios com Goldstein. Este, dizia-se, estava
desaparecido e em permanente movimentação contrarrevolucionária...
Apesar da intensa
perseguição aos inimigos do regime, o partido sempre tinha mais alguns nomes
para denunciar. Três deles deviam ter sido presos ainda em 1965, mas ao que se
sabia desapareceram e por pelo menos um ano ninguém conhecia seu paradeiro.
Chamavam-se Jones, Aaronson e Rutherford. Muitos os tinham por mortos, mas
aconteceu de “ressurgirem” em processos nos quais manifestavam sua culpa em
ralação a diversas maquinações contra o sistema.
Casos como esses, de “desaparecimentos temporários seguidos de aparições
marcadas por confissões extraordinárias”, eram muito comuns. Os três citados
relataram que haviam se entendido com os inimigos eurasianos, subtraíram
dinheiro público, participaram do assassinato de membros do Partido e que
tramaram contra a liderança do Grande Irmão... Além desses crimes, confessaram
a autoria de atos de sabotagem que resultaram na “morte de centenas de milhares
de inocentes”.
Por incrível que possa parecer, os três foram perdoados e o Partido
tratou de reabilitá-los. Na sequência foram nomeados para cargos de certa
importância... Por essa época redigiram artigos em que teciam horrorosas
considerações sobre a deserção que protagonizaram e a promessa de não mais
errarem.
O próprio Winston chegou a vê-los no Café
Castanheira em certa ocasião... Lembrava-se de ter ficado fascinado e de que
eram “bem mais velhos que ele”. Por isso os via como “relíquias de um mundo
antigo, quase que as últimas grandes figuras remanescentes do passado heroico
do Partido”, quando teriam se envolvido nas lutas clandestinas e na guerra
civil...
O
rapaz não conseguia precisar as datas, e vários fatos lhe surgiam confusos na
memória. Apesar disso, tinha quase certeza de que sabia os nomes daqueles três
bem antes de o Grande Irmão ter se tornado figura central de todo processo
revolucionário. A convicção que tinha era a de que, apesar de todo processo de
reabilitação, aqueles três eram ainda “inimigos, intocáveis, condenados à
extinção com absoluta certeza, dali a um ano ou dois”, pois uma vez tendo caído
“nas mãos da Polícia do Pensamento” jamais conseguiriam se libertar
completamente. Assim, podia-se dizer que eram como “cadáveres esperando que os
devolvessem ao sepulcro”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-sobre-o-ativista.html
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto