quarta-feira, 1 de setembro de 2021

“1984”, de George Orwell – ao mesmo tempo que insistiam em experimentar a liberdade, jovens como Júlia não conseguiam subtrair o condicionamento imposto pela repressão; para Winston, a rebeldia silenciosa já trazia em si um sentenciamento de morte, mas a moça discordava; traçando o plano para novo encontro; o quarto sobre a loja de antiguidades revisitado para um ato de loucura

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-moca-conseguia.html antes de ler esta postagem:

Os dois continuavam sentados sobre o assoalho repleto de detritos dos pombos... Winston a atraiu para mais perto e ela acomodou a cabeça em seu ombro. Seus cabelos limpos e cheirosos compensavam o odor que dominava a atmosfera do campanário.
Mais uma vez Winston pensou que Júlia era muito jovem para ele... Ela certamente “ainda esperava algo da vida” e não podia entender que “empurrar uma pessoa inconveniente” para o fundo do abismo pudesse não ser solução das mais adequadas. Depois de alguns segundos disse-lhe que “não faria a menor diferença”... Ela redarguiu que, se era assim, então ele não tinha por que se lamentar de não a ter empurrado.
Winston respondeu que preferia “uma positiva a uma negativa” e que eventualmente “alguns fracassos são melhores do que outros”. De sua parte, Júlia balançou os ombros manifestando que não concordava com ele, como sempre fazia quando queria demonstrar sua discordância.
De modo simplificado Winston entendia que a moça:

                   “Não aceitava, como lei da natureza, a derrota do indivíduo. De certo modo percebia estar condenada, e que mais cedo ou mais tarde a Polícia do Pensamento a apanharia e mataria, mas com outra parte do cérebro acreditava ser possível construir um mundo secreto onde podia viver como quisesse”.

Jovem e audaciosa como era, não admitia a impossibilidade de se viver a felicidade... Obviamente contava com a própria astúcia para escapar do patrulhamento, mas em seu íntimo devia saber que apenas depois da morte a realidade poderia se tornar aquela a que vislumbrava... Uma declaração de “guerra ao Partido” equivalia a considerar-se um cadáver em potencial.
(...)
Depois de refletir a este respeito, Winston disse “estamos mortos”. Ela protestou afirmando que “não estamos mortos ainda”. Ele não discordou, mas salientou que “não estavam fisicamente mortos”, todavia era uma questão de tempo, “seis meses, um ano, cinco anos concebivelmente”. De sua parte, admitia ter medo da morte e que, pela pouca idade, aceitava que Júlia devesse ter ainda mais medo do que ele. É óbvio que evitavam o mais que podiam, mas na condição que viviam isso fazia pouca diferença... E emendou que “enquanto os humanos permanecerem humanos, a vida e a morte são a mesma coisa”.
Novamente Júlia mostrou sua contrariedade ao perguntar se ele preferia dormir com ela ou “com um esqueleto”. Afinal gostava ou não de estar vivo? Depois de mais essa pergunta, a jovem resolveu abraçá-lo com força de modo que ele pôde sentir todo o seu vigor e firmeza dos seios. De certo modo, o abraço lhe transmitia um pouco da juventude que ela carregava em seu corpo.
Winston respondeu que sim, gostava de estar vivo... Então ela pediu-lhe que parasse de falar sobre a morte. Aliás, tinham de combinar outro encontro... Falou que podiam retornar à clareira, pois já haviam se passado vários dias desde que estiveram no bosque, e adiantou que teriam de chegar lá por outro caminho. Mas isso não era problema, pois ela já tinha feito todo o planejamento.
Conforme Júlia explicava a estratégia para o novo encontro no bosque, passava um graveto tirado de um ninho para desenhar na poeira do assoalho o mapa desde a linha do trem.

(...)

Na sequência vemos Winston no quarto localizado no andar de cima da loja de antiguidades do Senhor Charrington... Como veremos ele estava ali para se encontrar com Júlia.
Num primeiro momento, o rapaz se pôs a verificar minuciosamente os objetos e móveis. A cama era bem grande e havia sido colocada ao lado da janela, sobre o colchão havia uns cobertores bem gastos, e o único travesseiro sequer possuía fronha. Junto à lareira estava o relógio, enquanto a mesa de dobrar estava no mesmo canto desde que ali estivera. Ele levou o peso translúcido que comprara e o colocou novamente sobre a mesma mesinha.
Em vez de fogão, um fogareiro dos antigos e a óleo havia sido instalado pelo Senhor Charrington, que também providenciou “uma caçarola e duas xícaras”. Winston fez o fogareiro funcionar para ferver água, pois também havia trazido “um envelope cheio de Café Vitória e umas pastilhas de açúcar”.
Logicamente aguardava a chegada de Júlia, e por isso observou os ponteiros do relógio... Sete e vinte da noite... Se tudo corresse como o planejado, ela chegaria em dez minutos. Ao mesmo tempo sentia-se ansioso e com o coração e a consciência a advertirem-lhe a respeito da loucura que estavam para cometer...

                   “loucura consciente, gratuita, suicida. De todos os crimes que um membro do Partido podia cometer, este era o mais difícil de ocultar”.

Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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