quarta-feira, 11 de agosto de 2021

“1984”, de George Orwell – os imundos e concorridos bares das áreas proles; uma acirrada discussão sobre os números da loteria, razão de viver de milhões de miseráveis; o beco próximo à rua principal, localidade do bricabraque e papelaria; reflexões de Winston sobre um velho prole da época anterior à “revolução” que entrava num bar

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-sobre-aglomeracao.html antes de ler esta postagem:

Apesar do adiantado da hora, e já eram oito da noite, os proles não deixavam de frequentar os “bares”, como chamavam as “lojas de bebidas”. Winston notou que os bares eram locais dos mais concorridos e que de seus interiores exalava o forte odor “de urina, serragem e cerveja azeda”.
No caminho viu que pelo menos três tipos tinham preferido discutir a respeito de umas informações que extraíam de um jornal.
(...)
Os homens estavam diante de um casebre e dispensavam grande atenção ao periódico... Winston pensou que conteúdo só podia se referir a algo muito sério, então aconteceu que dois deles iniciaram uma discussão que parecia se encaminhar para um confronto físico. Também esses tinham um palavreado carregadas de regionalismo, erros gramaticais e por vícios de linguagem, mesmo assim o rapaz conseguiu captar que falavam a respeito de números...
Um deles insistia que já fazia “mais de um ano e dois ‘meis’” que nenhuma sequência terminada em sete era premiada... E podia garantir porque durante dois anos havia feito as anotações “num pedaço de papé”. O outro teimava que sim. Então o que parecia mais metódico adiantou que sabia a parte final da sequência numérica e até mesmo a ocasião em que ele havia sido sorteado: “segunda semana de fevereiro”. Seu adversário na discussão protestou garantindo que também havia anotado... O terceiro, que até então mantivera-se quieto, ordenou que se calassem.
Winston passou por eles e entendeu que discutiam a respeito da Loteria... Avançou mais um pouco, olhou para trás e notou que ainda debatiam o mesmo assunto. Os proles eram simplesmente viciados nas apostas e devotavam especial atenção aos seus grandes “prêmios semanais”.
(...)
Pensando a este respeito, calculou que aquele entretenimento devia ser o “principal, talvez o único, motivo” da vida de milhões de proles. Muitos só sabiam devotar raciocínios ao jogo da Loteria, e mesmo os quase analfabetos se dedicavam a “intrincados cálculos e fantásticas proezas de memória”.
Muitos deles se tornavam vendedores de amuletos da sorte, tabelas de palpites e outros objetos que atraíam a atenção dos apostadores...
(...)
Winston sabia que o Ministério da Fartura tinha departamento específico que cuidava da administração da Loteria. Ele e os demais membros do Partido reconheciam que os prêmios anunciados “eram imaginários”. Os proles viviam iludidos porque ficavam sabendo que “alguém” havia sido premiado... Mas os prêmios eram sempre pequenos, e isso era suficiente para que alimentassem a esperança de serem contemplados com as premiações maiores.
Essas eram divulgadas, mas os ganhadores simplesmente não existiam! O Ministério não tinha qualquer dificuldade para pulverizar os resultados pela gigantesca Oceania... Assim, os proles davam sequência à vida, agarrando-se à esperança “com unhas e dentes”.
(...)
Ele caminhava por uma rua que descia para outra paragem... Sempre atento às pessoas que perambulavam pelas calçadas, concluía que, apesar de acreditar que “a esperança estava com os proles”, talvez não devesse confiar que a partir deles se originasse mobilização séria contrária ao regime.
Enquanto descia, percebeu que talvez já houvesse percorrido a localidade em outro momento e que, se estivesse certo, bem perto passava uma avenida repleta de pequenas lojas. Muito mais vozes e até uma gritaria das imediações lhe chegavam aos ouvidos...
Assim que passou por uma curva, chegou a uma escadaria que dava acesso a um beco ainda mais abaixo. Ali estavam montadas barracas que “vendiam legumes murchos”. Logo, Winston reconheceu o lugar, lembrou-se que dali se chegava à “rua principal” e que depois da esquina estava o bricabraque onde adquirira o livro que havia se transformado em seu diário, além da loja onde comprou os materiais para a escrita.
Permaneceu por um momento a contemplar a feirinha desde o alto dos degraus... Depois voltou sua atenção para o outro lado do beco, onde havia um pequeno bar, cujas janelas estavam cobertas por grossa poeira. Notou que um velho prole acabava de entrar. Para Winston, o homem adunco devia contar uns oitenta anos e que, sua aparência debilitada indicava que “já devia ser maduro ao tempo da Revolução”. Então aquele velho devia ser um dos pouquíssimos remanescentes da época do “desaparecido mundo capitalista”.
(...)
Será que havia filiados com idade parecida no Partido? Entre seus membros, devia haver bem poucos com formação anterior à Revolução...
Pelo menos Winston não conhecia nenhum. Sabia que a maioria dos que pertenciam à antiga geração havia sido expurgada entre os anos 1950 e 1970... Os que sobraram deviam viver aterrorizados, refugiados “na mais completa submissão intelectual”.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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