Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-sobre-aglomeracao.html antes
de ler esta postagem:
Apesar do adiantado da hora, e já eram oito da
noite, os proles não deixavam de frequentar os “bares”, como chamavam as “lojas
de bebidas”. Winston notou que os bares eram locais dos mais concorridos e que
de seus interiores exalava o forte odor “de urina, serragem e cerveja azeda”.
No caminho viu que
pelo menos três tipos tinham preferido discutir a respeito de umas informações
que extraíam de um jornal.
(...)
Os homens estavam diante de um casebre e dispensavam grande atenção ao periódico...
Winston pensou que conteúdo só podia se referir a algo muito sério, então
aconteceu que dois deles iniciaram uma discussão que parecia se encaminhar para
um confronto físico. Também esses tinham um palavreado carregadas de regionalismo,
erros gramaticais e por vícios de linguagem, mesmo assim o rapaz conseguiu
captar que falavam a respeito de números...
Um
deles insistia que já fazia “mais de um ano e dois ‘meis’” que nenhuma
sequência terminada em sete era premiada... E podia garantir porque durante
dois anos havia feito as anotações “num pedaço de papé”. O outro teimava que
sim. Então o que parecia mais metódico adiantou que sabia a parte final da
sequência numérica e até mesmo a ocasião em que ele havia sido sorteado:
“segunda semana de fevereiro”. Seu adversário na discussão protestou garantindo
que também havia anotado... O terceiro, que até então mantivera-se quieto,
ordenou que se calassem.
Winston passou por
eles e entendeu que discutiam a respeito da Loteria... Avançou mais um pouco,
olhou para trás e notou que ainda debatiam o mesmo assunto. Os proles eram
simplesmente viciados nas apostas e devotavam especial atenção aos seus grandes
“prêmios semanais”.
(...)
Pensando
a este respeito, calculou que aquele entretenimento devia ser o “principal, talvez
o único, motivo” da vida de milhões de proles. Muitos só sabiam devotar
raciocínios ao jogo da Loteria, e mesmo os quase analfabetos se dedicavam a “intrincados
cálculos e fantásticas proezas de memória”.
Muitos deles se
tornavam vendedores de amuletos da sorte, tabelas de palpites e outros objetos
que atraíam a atenção dos apostadores...
(...)
Winston sabia que o
Ministério da Fartura tinha departamento específico que cuidava da
administração da Loteria. Ele e os demais membros do Partido reconheciam que os
prêmios anunciados “eram imaginários”. Os proles viviam iludidos porque ficavam
sabendo que “alguém” havia sido premiado... Mas os prêmios eram sempre
pequenos, e isso era suficiente para que alimentassem a esperança de serem
contemplados com as premiações maiores.
Essas eram divulgadas, mas os ganhadores simplesmente não existiam! O
Ministério não tinha qualquer dificuldade para pulverizar os resultados pela
gigantesca Oceania... Assim, os proles davam sequência à vida, agarrando-se à
esperança “com unhas e dentes”.
(...)
Ele caminhava por uma rua que descia para outra paragem... Sempre atento
às pessoas que perambulavam pelas calçadas, concluía que, apesar de acreditar
que “a esperança estava com os proles”, talvez não devesse confiar que a partir
deles se originasse mobilização séria contrária ao regime.
Enquanto descia, percebeu que talvez já houvesse
percorrido a localidade em outro momento e que, se estivesse certo, bem perto
passava uma avenida repleta de pequenas lojas. Muito mais vozes e até uma
gritaria das imediações lhe chegavam aos ouvidos...
Assim que passou por
uma curva, chegou a uma escadaria que dava acesso a um beco ainda mais abaixo.
Ali estavam montadas barracas que “vendiam legumes murchos”. Logo, Winston
reconheceu o lugar, lembrou-se que dali se chegava à “rua principal” e que
depois da esquina estava o bricabraque onde adquirira o livro que havia se
transformado em seu diário, além da loja onde comprou os materiais para a
escrita.
Permaneceu por um momento a contemplar a feirinha desde o alto dos
degraus... Depois voltou sua atenção para o outro lado do beco, onde havia um
pequeno bar, cujas janelas estavam cobertas por grossa poeira. Notou que um
velho prole acabava de entrar. Para Winston, o homem adunco devia contar uns
oitenta anos e que, sua aparência debilitada indicava que “já devia ser maduro
ao tempo da Revolução”. Então aquele velho devia ser um dos pouquíssimos
remanescentes da época do “desaparecido mundo capitalista”.
(...)
Será
que havia filiados com idade parecida no Partido? Entre seus membros, devia
haver bem poucos com formação anterior à Revolução...
Pelo
menos Winston não conhecia nenhum. Sabia que a maioria dos que pertenciam à
antiga geração havia sido expurgada entre os anos 1950 e 1970... Os que
sobraram deviam viver aterrorizados, refugiados “na mais completa submissão
intelectual”.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto