quarta-feira, 11 de agosto de 2021

“1984”, de George Orwell – sobre a aglomeração noturna da gente proletária nas ruas da periferia; Winston passa pelos precários casebres e conversas pouco discretas de seus moradores; ainda os riscos de ser flagrado na caminhada pelas favelas; um ataque aéreo e a rápida mobilização do povo buscando se defender do “vapor”; “uma mão” no caminho; o povo retoma sua movimentação costumeira como se nada demais tivesse ocorrido

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-epistemologia-e-o.html antes de ler esta postagem:

Vimos que Winston deixou de participar do sarau do Centro Comunitário e saiu perambulando pelas ruas que o levaram à periferia...
Chegou àquela área onde antigamente existia a estação de São Pancrácio por impulso... O ambiente não era dos mais agradáveis, pois estava tomado por habitações de dois andares muito pobres, malcheirosas e amontoadas em favelas. Mesmo assim caminhou pelas ruas mal revestidas por pedras. Sempre se desviando “das poças de água imunda”, observava a impressionante quantidade de pessoas em sua movimentação pelos becos:

                   “moças em plena floração, os lábios grosseiramente pintados; rapazes que perseguiam as moças; mulheres inchadas e desgraciosas que eram imagem do que seriam as moças dali a dez anos, velhos arcados, arrastando os pés; crianças descalças e esfarrapadas que brincavam nas poças d’água e se dispersavam aos gritos furiosos das mães”.

Boa parte das janelas dos casebres estava “quebrada e remendada com papelão”. Era possível ouvir fragmentos de discussões desde o interior, mas isso parecia ser corriqueiro, pois ninguém demonstrava qualquer espanto. Os que perambulavam também pareciam não se importar com Winston e seu macacão azul. Um ou outro o fitava “com uma espécie de curiosidade disfarçada”.
De sua parte, parecia querer absorver o máximo de informações... Por um instante observou o diálogo estridente de “duas mulheres monstruosas, com braços cor de tijolo cruzados sobre o avental” que se mantinham diante de suas portas. Notou que suas frases eram carregadas de certo regionalismo, erros gramaticais e por vícios de linguagem. Elas silenciaram assim que ele passou. Mais do que qualquer hostilidade em relação ao estranho, manifestaram instantâneo espanto e cautela.
(...)
Eventualmente o Partido definia tarefas naquele meio. Mas a passagem de alguém trajando o macacão azul por aquelas bandas era algo raro demais. Winston certamente teria problemas se alguma patrulha estivesse circulando por ali... Examinariam seus documentos e o inquiririam a respeito do horário de saída do trabalho, dos motivos de estar naquele local e se fazia aquele caminho em direção à sua casa, além de levantarem outros dados pertinentes.
A rigor não havia nenhuma regra que impedisse a caminhada desde o trabalho até a casa por trajetos diferentes, mas a Polícia do Pensamento estava atenta a esses detalhes e se mobilizava em averiguações.
(...)
Winston logo abandonou essas preocupações ao notar que de um momento para outro a rua foi tomada por grande agitação... As pessoas começaram a gritar ao mesmo tempo em que se dirigiam para locais onde pudessem se proteger. Corriam como coelhos em direção às tocas. Bem à sua frente, uma moça retirou-se apressadamente de uma casa para recolher o pequeno filho que brincava numa das poças d’água.
De repente, um tipo que trajava um amassado terno preto surgiu de um beco e gritou umas palavras ao Winston. O homem o tratou por “patrão” e apontou para o céu, insistindo que se atirasse ao chão porque o “vapor” cairia e estouraria num instante.
O “vapor” ao qual o homem se referia era a “bomba-foguete” e, mesmo sem entender o motivo que levavam os proles a chamarem àqueles perigosos artefatos bélicos daquela maneira, Winston lançou-se de bruços ao chão, pois sabia que aquela gente pouco se enganava quando estava prestes a ser alvo de um ataque aéreo. E isso era de se admirar porque, ainda que o projétil fosse bem mais rápido do que o som, se alarmavam e buscavam proteção “com vários segundos de antecedência”.
De fato, logo ocorreu um estrondo que abalou o solo... Na sequência vários estilhaços e detritos caíram, e alguns atingiram as costas de Winston. Apesar de ser atingido também por lascas de vidros de alguma janela das proximidades, notou que não sofreu nada de mais grave... Levantou-se, retomou a caminhada e notou que a bomba havia caído próximo dali, tendo destruído cerca de duzentas casas. A atmosfera estava tomada por uma fumaça escura e partículas, mesmo assim muita gente se aglomerou em torno da ruína.
Enquanto caminhava topou com um montículo de destroços do qual escorria sangue... Ao aproximar-se, percebeu uma mão decepada que mais se parecia com um molde em gesso. Chutou a mão de modo a tirá-la do caminho. Desviou-se da aglomeração, virou numa rua estreita e prosseguiu a passos largos que o levaram a um trecho onde a movimentação era intensa e em nada lembrava o ataque que acabara de ocorrer.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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