Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-epistemologia-e-o.html antes
de ler esta postagem:
Vimos que Winston deixou de participar do sarau
do Centro Comunitário e saiu perambulando pelas ruas que o levaram à
periferia...
Chegou àquela área
onde antigamente existia a estação de São Pancrácio por impulso... O ambiente
não era dos mais agradáveis, pois estava tomado por habitações de dois andares
muito pobres, malcheirosas e amontoadas em favelas. Mesmo assim caminhou pelas
ruas mal revestidas por pedras. Sempre se desviando “das poças de água imunda”,
observava a impressionante quantidade de pessoas em sua movimentação pelos
becos:
“moças
em plena floração, os lábios grosseiramente pintados; rapazes que perseguiam as
moças; mulheres inchadas e desgraciosas que eram imagem do que seriam as moças
dali a dez anos, velhos arcados, arrastando os pés; crianças descalças e esfarrapadas
que brincavam nas poças d’água e se dispersavam aos gritos furiosos das mães”.
Boa
parte das janelas dos casebres estava “quebrada e remendada com papelão”. Era
possível ouvir fragmentos de discussões desde o interior, mas isso parecia ser
corriqueiro, pois ninguém demonstrava qualquer espanto. Os que perambulavam
também pareciam não se importar com Winston e seu macacão azul. Um ou outro o
fitava “com uma espécie de curiosidade disfarçada”.
De sua parte, parecia
querer absorver o máximo de informações... Por um instante observou o diálogo
estridente de “duas mulheres monstruosas, com braços cor de tijolo cruzados sobre
o avental” que se mantinham diante de suas portas. Notou que suas frases eram
carregadas de certo regionalismo, erros gramaticais e por vícios de linguagem.
Elas silenciaram assim que ele passou. Mais do que qualquer hostilidade em
relação ao estranho, manifestaram instantâneo espanto e cautela.
(...)
Eventualmente
o Partido definia tarefas naquele meio. Mas a passagem de alguém trajando o
macacão azul por aquelas bandas era algo raro demais. Winston certamente teria
problemas se alguma patrulha estivesse circulando por ali... Examinariam seus
documentos e o inquiririam a respeito do horário de saída do trabalho, dos
motivos de estar naquele local e se fazia aquele caminho em direção à sua casa,
além de levantarem outros dados pertinentes.
A rigor não havia nenhuma
regra que impedisse a caminhada desde o trabalho até a casa por trajetos
diferentes, mas a Polícia do Pensamento estava atenta a esses detalhes e se
mobilizava em averiguações.
(...)
Winston logo
abandonou essas preocupações ao notar que de um momento para outro a rua foi
tomada por grande agitação... As pessoas começaram a gritar ao mesmo tempo em
que se dirigiam para locais onde pudessem se proteger. Corriam como coelhos em
direção às tocas. Bem à sua frente, uma moça retirou-se apressadamente de uma
casa para recolher o pequeno filho que brincava numa das poças d’água.
De repente, um tipo que trajava um amassado terno preto surgiu de um
beco e gritou umas palavras ao Winston. O homem o tratou por “patrão” e apontou
para o céu, insistindo que se atirasse ao chão porque o “vapor” cairia e
estouraria num instante.
O “vapor” ao qual o homem se referia era a “bomba-foguete” e, mesmo sem
entender o motivo que levavam os proles a chamarem àqueles perigosos artefatos
bélicos daquela maneira, Winston lançou-se de bruços ao chão, pois sabia que
aquela gente pouco se enganava quando estava prestes a ser alvo de um ataque
aéreo. E isso era de se admirar porque, ainda que o projétil fosse bem mais
rápido do que o som, se alarmavam e buscavam proteção “com vários segundos de
antecedência”.
De fato, logo ocorreu um estrondo que abalou o
solo... Na sequência vários estilhaços e detritos caíram, e alguns atingiram as
costas de Winston. Apesar de ser atingido também por lascas de vidros de alguma
janela das proximidades, notou que não sofreu nada de mais grave... Levantou-se,
retomou a caminhada e notou que a bomba havia caído próximo dali, tendo
destruído cerca de duzentas casas. A atmosfera estava tomada por uma fumaça
escura e partículas, mesmo assim muita gente se aglomerou em torno da ruína.
Enquanto
caminhava topou com um montículo de destroços do qual escorria sangue... Ao
aproximar-se, percebeu uma mão decepada que mais se parecia com um molde em
gesso. Chutou a mão de modo a tirá-la do caminho. Desviou-se da aglomeração,
virou numa rua estreita e prosseguiu a passos largos que o levaram a um trecho
onde a movimentação era intensa e em nada lembrava o ataque que acabara de
ocorrer.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto