Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-outra-decisao.html antes
de ler esta postagem:
Winston conseguiu o que pretendia desde que
entrara no bar de proles... Sentou-se à mesa com o velho, de quem esperava
poder ouvir a respeito dos assuntos que tanto o incomodavam.
Assim que a cerveja
foi servida, foi dizendo que acreditava que ele devia ter visto muitas mudanças
desde a época em que era moço... Os olhos azuis bem claros do velho correram o
ambiente da bodega e depois de algum tempo disse que antes “a cerveja era mió”.
Emendou que a bebida era mais barata e que uma “pinta” da boa cerveja clara
saía por “quatro dinheiros”. Salientou ainda que isso era “antes da guerra”.
Winston quis saber a qual guerra ele se referia. O homem respondeu que a
“todas as guerras”. Sem dúvida uma resposta vaga, mas que julgou satisfatória,
tanto é que levantou o copo desejando “saúde e filicidade”.
Os
canecos se esvaziaram rapidamente... Winston foi ao balcão e pediu mais dois
“meio-litros”. Quando retornou à mesa, comentou com o desconhecido que ao tempo
da Revolução ele já devia ser adulto e por isso contava idade avançada...
Explicou que não conhecia nada daquele tempo antigo, somente o que os livros
traziam, mas não tinha certeza se eles apresentavam a verdade. Por isso tinha
interesse de saber o que ele tinha dizer a respeito...
(...)
Winston disse ao
velho que os livros apresentavam uma narrativa que apontava uma vida bem diferente da que se levava no momento... Falou-lhe que, de acordo com os livros
de História, antes da Revolução havia injustiças e muita opressão... A pobreza
era muito mais grave do que as situações que conheciam, “metade da população
não tinha sapato”, e em Londres passava-se fome desde o nascimento à morte.
Na
sequência, emendou que a jornada de trabalho era intensa, alcançando 12 horas
diárias... As crianças não recebiam qualquer estímulo para os estudos e
deixavam a escola antes se completarem dez anos. Também as condições de moradia
eram péssimas e cada quarto tinha de ser dividido por um grande número de
pessoas. Apesar de tudo isso, os capitalistas eram muito ricos e exerciam
poder... Eles eram a minoria da população e, ainda assim, possuíam tudo o que
havia. Suas casas eram imensas, tinham dezenas de empregados, possuíam veículos
motorizados e lindas carruagens puxadas por quatro cavalos... E não é só isso,
“bebiam champanha e usavam cartolas”!
O velho ouviu com
atenção e silenciosamente... Mas neste ponto seu rosto pareceu iluminar-se,
então suspirou, repetiu a palavra “cartola” e disse que achava engraçado o
desconhecido falar daquele acessório para a cabeça... Ao seu modo e com linguagem
carregada de regionalismo, contou que também pensou em “cartola”, algo que há
muito tempo não via... Por que seria? Ele perguntou e ao mesmo tempo sugeriu
que elas tinham se acabado. Disse que a última vez que usou uma foi por causa
do enterro de sua cunhada. Nem se lembrava de quanto tempo havia se passado,
talvez uns cinquenta anos. Tinha certeza apenas de que havia alugado uma para
usar no cerimonial fúnebre.
(...)
Winston não pôde crer
no que acabara de ouvir... Disse ao homem que as cartolas não tinham a menor
importância. Insistiu que os capitalistas e outros, como advogados e padres,
eram donos de tudo no planeta, enquanto que o povo era explorado por eles como
escravos. E o caso é que podiam fazer com eles o que bem entendessem! Podiam
mandá-los para o Canadá como se fossem gado, ou dormir com as filhas daquelas
famílias de proles, e até surrá-los “com uma coisa chamada gato de nove
caudas”. Os pobres eram obrigados a “tirar o boné” quando passavam por um
daqueles magnatas, que possuíam lacaios...
Winston quis falar mais, tentando mostrar que os livros indicavam uma
situação revoltante e que, certamente, ele devia conhecer algo a respeito. Mas
o rosto do velho tornou-se resplandecente outra vez e o interrompeu para
destacar a palavra “lacaios”. Na sequência, comentou que já fazia muito tempo
que não ouvia falarem aquela palavra. Ao ouvir “lacaios” naquele momento, era
como se estivesse voltando no tempo. Isso o fez se lembrar da época em que ia
ao Hyde Park para ouvir discursos. E sempre havia aglomerações com discursos...
Citou “Exército da Sarvação, Católico, judeu, indiano” e lembrou que havia um
personagem específico que falava muito, e bem, que fazia várias críticas e
sempre gritava "Lacaios da burguesia! Cupichas da classe dominante!".
O
velho se lembrava dessas coisas ditas em discursos, talvez em comícios... Lembrou-se
de outras palavras usadas em ataques verbais: parasitas; hienas... Ele mesmo
concluiu que deviam falar contra o Partido Trabalhista.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-fim-da-conversa.html
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto