domingo, 22 de agosto de 2021

“1984”, de George Orwell – pensando sobre o tipo de conteúdo que o papel devia trazer, ordem para suicidar-se ou para se juntar à resistência da Fraternidade; uma mensagem mais que surpreendente e o risco de revelar a emoção diante da teletela; horário do almoço, a moça parecia distante enquanto era preciso suportar a conversa maçante de Parsons; empolgantes tarefas da tarde; necessidade de se recolher à solidão versus engajamento na programação do centro comunitário

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-os-cigarros.html antes de ler esta postagem:

Seu coração batia aceleradamente, então procurou controlar a emoção enquanto realizava uma retificação de cifras, algo de fácil manipulação e que não demandava maior atenção. Em suas reflexões prevalecia a certeza de que a mensagem só podia ter “sentido político” e, de acordo com seu raciocínio, havia duas fortes possibilidades:
         *a primeira: a moça seria uma “agente da Polícia do Pensamento”. O caso é que não podia entender o motivo de aquele órgão de repressão precisar de “mandar recados daquela maneira”, mas de qualquer forma isso era lá com o pessoal envolvido. O papel podia conter ameaças, intimação, “ordem de suicídio ou uma armadilha qualquer”;
         *a segunda: a mensagem teria sua origem em outro grupo, uma “organização clandestina” como a “Fraternidade” comandada pelo principal inimigo do IngSoc, Goldstein... Sem dúvida essa era das menos prováveis, até porque partida do princípio que os subversivos contavam com um aparelho real...
Winston procurou subtrair essa última ideia, pois ela o levava a várias outras possíveis tramas. No caso de o papel ter sua origem em algum grupo inimigo do regime, a moça dos cabelos escuros só podia fazer parte ao mesmo tempo que disfarçava muito bem sua condição...
Apesar de a ideia ser disparatada, o rapaz não conseguia eliminá-la por completo, principalmente porque teimava em confrontar a possibilidade de o papel anunciar-lhe a morte.
(...)
Ele ficou bem preocupado e foi só com muito esforço que conseguiu controlar a voz junto ao “falascreve”. Ao terminar a correção de alguns documentos que havia separado, encaminhou-os ao tubo pneumático. Tinham-se passado oito minutos desde que retornara à sua repartição.
Com todo cuidado, deslocou para perto o maço de documentos que continha o misterioso papel... Então “alisou-o com os dedos” e notou a “caligrafia graúda e irregular” que trazia a mensagem: “Eu te amo”.
(...)
Espantoso...
De modo algum Winston esperaria ler uma declaração como aquela. Atordoado, sequer conseguiu se movimentar para eliminar o “recado” pelo “buraco da memória”. A mensagem era incriminadora! Mesmo assim, quis conferir com nova leitura. O seu interesse podia levantar suspeitas, por isso sua atitude era das mais arriscadas.
Voltou ao trabalho regular depois de dar sumiço ao papel... A sequência foi das mais difíceis, pois além de ter de voltar a se concentrar plenamente nas tarefas teve de cuidar da emoção diante da permanente vigilância da teletela. Sentia uma queimação terrível na barriga e teve de suportá-la até o horário do almoço na cantina sempre abarrotada e barulhenta.
(...)
Acomodou-se numa das mesas desejando que nenhum conhecido se aproximasse... Todavia quem apareceu para sentar-se bem ao seu lado foi exatamente o falante e malcheiroso Parsons com muitas novidades sobre a organização da “Semana do Ódio”. A mais importante delas era uma grande confecção em papel marche representando a cabeça do Grande Irmão... O grupo dos Espiões do qual a filha participava estava empenhado em preparar um com cerca de dois metros de largura.
A conversa se tornava ainda mais maçante para Winston porque o barulho o impedia de ouvir, assim tinha de pedir ao outro que repetisse frases sem o menor interesse para ele. No meio da falação empolgada de Parsons, o rapaz conseguiu notar a moça do Departamento de Ficção por um breve instante... Ela estava com duas camaradas numa mesa do lado oposto ao dele sem desviar o olhar para a sua direção.
(...)
O período da tarde foi de tal modo carregado de atividades que Winston não teve mais ocasião de voltar a pensar na moça...
As solicitações que chegavam à sua mesa requeriam especial atenção. Para termos uma ideia, alguns relatórios deviam ser falsificados desde sua origem (dois anos antes) para que certa personalidade caísse em descrédito. Evidentemente se tratava de figura que havia exercido papel de destaque no Partido Interno e que no momento passava pelo processo de proscrição. Como sabemos, Winston gostava de trabalhar nesse tipo de ordem de serviço, que exigia a habilidade e muita reflexão... Assim, não foi por acaso que por “mais de duas horas conseguiu não pensar na moça”.
Terminada a mais importante das tarefas, voltou a se lembrar dela. Conforme se lembrava do rosto da jovem sentia-se tomado pela necessidade de retornar para casa e ficar só. Precisava disso para que pudesse pensar melhor no caso. Mas isso teria de esperar, já que devia comparecer ao Centro Comunitário à noite. Assim, apesar da ansiedade provocada pelas palavras do papel, teria de superar a própria insatisfação e esforçar-se para passar algumas horas entretido com a bebedeira, jogos e “conversa fiada” com os vizinhos antes que pudesse se recolher às suas reflexões.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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