Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-os-cigarros.html antes
de ler esta postagem:
Seu coração batia aceleradamente, então procurou
controlar a emoção enquanto realizava uma retificação de cifras, algo de fácil
manipulação e que não demandava maior atenção. Em suas reflexões prevalecia a
certeza de que a mensagem só podia ter “sentido político” e, de acordo com seu
raciocínio, havia duas fortes possibilidades:
*a primeira: a moça seria uma “agente da Polícia do Pensamento”. O
caso é que não podia entender o motivo de aquele órgão de repressão precisar de
“mandar recados daquela maneira”, mas de qualquer forma isso era lá com o
pessoal envolvido. O papel podia conter ameaças, intimação, “ordem de suicídio
ou uma armadilha qualquer”;
*a segunda:
a mensagem teria sua origem em outro grupo, uma “organização clandestina” como
a “Fraternidade” comandada pelo principal inimigo do IngSoc, Goldstein... Sem
dúvida essa era das menos prováveis, até porque partida do princípio que os
subversivos contavam com um aparelho real...
Winston
procurou subtrair essa última ideia, pois ela o levava a várias outras
possíveis tramas. No caso de o papel ter sua origem em algum grupo inimigo do
regime, a moça dos cabelos escuros só podia fazer parte ao mesmo tempo que
disfarçava muito bem sua condição...
Apesar de a ideia ser
disparatada, o rapaz não conseguia eliminá-la por completo, principalmente
porque teimava em confrontar a possibilidade de o papel anunciar-lhe a morte.
(...)
Ele
ficou bem preocupado e foi só com muito esforço que conseguiu controlar a voz
junto ao “falascreve”. Ao terminar a correção de alguns documentos que havia
separado, encaminhou-os ao tubo pneumático. Tinham-se passado oito minutos
desde que retornara à sua repartição.
Com todo cuidado,
deslocou para perto o maço de documentos que continha o misterioso papel...
Então “alisou-o com os dedos” e notou a “caligrafia graúda e irregular” que
trazia a mensagem: “Eu te amo”.
(...)
Espantoso...
De modo algum Winston esperaria ler uma declaração como aquela.
Atordoado, sequer conseguiu se movimentar para eliminar o “recado” pelo “buraco
da memória”. A mensagem era incriminadora! Mesmo assim, quis conferir com nova
leitura. O seu interesse podia levantar suspeitas, por isso sua atitude era das
mais arriscadas.
Voltou ao trabalho regular depois de dar sumiço ao papel... A sequência
foi das mais difíceis, pois além de ter de voltar a se concentrar plenamente
nas tarefas teve de cuidar da emoção diante da permanente vigilância da
teletela. Sentia uma queimação terrível na barriga e teve de suportá-la até o
horário do almoço na cantina sempre abarrotada e barulhenta.
(...)
Acomodou-se numa das mesas desejando que nenhum
conhecido se aproximasse... Todavia quem apareceu para sentar-se bem ao seu
lado foi exatamente o falante e malcheiroso Parsons com muitas novidades sobre
a organização da “Semana do Ódio”. A mais importante delas era uma grande
confecção em papel marche representando a cabeça do Grande Irmão... O grupo dos
Espiões do qual a filha participava estava empenhado em preparar um com cerca
de dois metros de largura.
A conversa se tornava
ainda mais maçante para Winston porque o barulho o impedia de ouvir, assim
tinha de pedir ao outro que repetisse frases sem o menor interesse para ele. No
meio da falação empolgada de Parsons, o rapaz conseguiu notar a moça do
Departamento de Ficção por um breve instante... Ela estava com duas camaradas
numa mesa do lado oposto ao dele sem desviar o olhar para a sua direção.
(...)
O período da tarde foi de tal modo carregado de atividades que Winston
não teve mais ocasião de voltar a pensar na moça...
As
solicitações que chegavam à sua mesa requeriam especial atenção. Para termos
uma ideia, alguns relatórios deviam ser falsificados desde sua origem (dois
anos antes) para que certa personalidade caísse em descrédito. Evidentemente se
tratava de figura que havia exercido papel de destaque no Partido Interno e que
no momento passava pelo processo de proscrição. Como sabemos, Winston gostava
de trabalhar nesse tipo de ordem de serviço, que exigia a habilidade e muita
reflexão... Assim, não foi por acaso que por “mais de duas horas conseguiu não
pensar na moça”.
Terminada
a mais importante das tarefas, voltou a se lembrar dela. Conforme se lembrava
do rosto da jovem sentia-se tomado pela necessidade de retornar para casa e
ficar só. Precisava disso para que pudesse pensar melhor no caso. Mas isso
teria de esperar, já que devia comparecer ao Centro Comunitário à noite. Assim,
apesar da ansiedade provocada pelas palavras do papel, teria de superar a própria
insatisfação e esforçar-se para passar algumas horas entretido com a bebedeira,
jogos e “conversa fiada” com os vizinhos antes que pudesse se recolher às suas
reflexões.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-participando-do.html
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto