sábado, 21 de agosto de 2021

“1984”, de George Orwell – os cigarros Vitória eram muito ruins; o que o enigmático sorriso do Grande Irmão esconde?; um inesperado encontro no corredor do Ministério; confusão de sentimentos perante uma “fragilizada espiã”; um “recado” para o camarada Winston

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-perturbado.html antes de ler esta postagem:

Winston voltou a pensar em O’Brien... O rapaz alimentava a ideia de que se encontrariam “onde não há treva” e acreditava que isso significava que se reuniriam “no futuro imaginário, que nunca se podia ver, mas que, pelo pensamento, se podia partilhar misticamente”.
A teletela continuava a emitir canções patriotas interpretadas aos gritos por uma mulher... Por isso não conseguiu dar prosseguimento às reflexões. Pegou um cigarro e não pôde evitar que boa parte do fumo escorregasse do cilindro para a sua boca. A língua tornou-se amarga e ele teve dificuldade de se livrar da porcaria. Amaldiçoou a própria condição e então a visão de O’Brien deu lugar à imagem do Grande Irmão...
Instintivamente, pegou um níquel do bolso para examinar a efígie do líder político da Oceania. O rosto era o mesmo a encarar-lhe de frente, “pesadamente e calmamente”, como o dos que desejam proteger. O volumoso bigode é que parecia esconder algo... Que tipo de sorriso era aquele? Não dava para saber, mas o lema do IngSoc, “Guerra é Paz; Liberdade é Escravidão; Ignorância é Força”, tomou conta de suas reflexões e de certo modo trouxe-lhe a resposta.

(...)

Quatro dias haviam se passado desde que Winston estivera a perambular pelas ruas dos bairros proles, revisitara a loja de antiguidades e topara com a moça do Departamento de Ficção.
No Ministério da Verdade, a jornada ia já pela metade quando ele saiu de sua repartição para ir ao banheiro. Logo que chegou ao corredor, viu que a moça dos cabelos escuros vinha em sua direção. Apesar da distância, notou que ela trazia o braço direito numa tipoia... Algo difícil de distinguir, pois tinha a mesma cor do macacão.
Winston tentou adivinhar o que se sucedera à sua desafeta e calculou que ela devia ter se ferido na máquina “caleidoscópio”, usada na “’criação’ dos enredos de novelas”. Aconteceu que, quando estavam a uns quatro metros um do outro, a mulher perdeu o passo, caiu de bruços e gritou de dor. O rapaz imaginou que ela tivesse caído sobre o braço que já estava lesionado, por isso adiantou-se em seu socorro.
A moça se levantou e Winston notou que seu rosto estava bem pálido, o que ainda mais destacava seus lábios vermelhos. Notou também que ela o olhou diretamente nos olhos, mas, em vez de ameaçadora, viu uma fisionomia carregada de medo.
Num primeiro momento não pôde ter certeza de que era exatamente dor o que a moça estava sentindo. De certo modo, isso tocou o seu coração... Sensibilizou-se, afinal, apesar de aquela ser uma inimiga que o perseguia e pretendia matá-lo, no momento estava bem fragilizada, e talvez com o braço quebrado.
Perguntou-lhe se a queda ainda mais a machucara... Ela adiantou que não havia sido nada, era só o braço que logo estaria melhor. Ao dizer isso, parecia ter o coração acelerado... A moça tornou-se mais pálida quando Winston perguntou-lhe se não se machucara ainda mais com a queda.
Em resposta, ela disse que estava bem, que doeu um pouco, mas já havia passado. Na sequência estendeu-lhe a mão esquerda para que a ajudasse a se levantar... Em pouco sua pele tornou-se corada, disse que sofreu leve baque no pulso e repetiu que estava bem. Depois lhe agradeceu com um “obrigada, camarada!” e retomou o seu caminho a passos decididos.
(...)
Este encontro durou no máximo uns trinta segundos. Mesmo numa situação como aquela, como que por instinto, Winston sabia adotar postura que impedia qualquer demonstração de sentimentos... Até porque o local era constantemente vigiado por teletela.
Mas ele sabia que não havia sido nem um pouco fácil... É que no momento em que se posicionou para auxiliá-la, percebeu que ela lhe passara um objeto, “algo pequeno e chato”. Certamente tinha a intenção de entregar-lhe.
Winston dirigiu-se ao banheiro, pois foi para este fim que deixara o seu local de trabalho... Sabia que aquele era dos ambientes mais vigiados pelas teletelas, mas tinha curiosidade de saber o que trazia no bolso do macacão, então, diante do mictório, percebeu com as pontas dos dedos que se tratava de um papel dobrado muitas vezes. Conseguiu desdobrá-lo e entendeu que aquilo devia conter algum “recado”.
Sabia perfeitamente que não podia tirar o papel do bolso para ler, principalmente ali. Então voltou à sua cabine e com cuidado e naturalidade acomodou o papel junto a outros que estavam em sua mesa. Na sequência pegou o “falascreve” para dar prosseguimento ao trabalho... Mas em seu íntimo pensava que no mínimo em cinco minutos faria a leitura do “recado”.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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