quinta-feira, 26 de agosto de 2021

“1984”, de George Orwell – a garota chegou e o flagrou colhendo campânulas; enquanto seguiram para o esconderijo, Winston voltou a imaginar que de um momento para outro ela desistiria de sua companhia; uma protegida clareira natural onde podiam fazer o que bem quisessem; um lento e cuidadoso início de relação; a jovem se chamava Júlia

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-passagem-do.html antes de ler esta postagem:

Era certo que alguém estava se aproximando... Winston decidiu continuar colhendo flores. Podia ser que a garota estivesse chegando, mas podia ser alguém com a missão de o capturar... De qualquer modo, achou que não podia se voltar porque isso equivaleria a acusar-se.
Não demorou e sentiu uma mão sobre o ombro... Só experimentou o esperado alívio quando olhou para cima e viu que era mesmo a jovem com quem se encontraria. No mesmo instante ela sinalizou que deviam permanecer quietos... Na sequência, abriu caminho no meio da vegetação fechada e adiantou-se para conduzi-lo ao bosque. Winston logo percebeu que ela conhecia aquelas paragens com suas picadas e áreas alagadas. Seguiu-a com passos firmes e com as campânulas na mão.
Enquanto caminhava, contemplou as costas da jovem, surpreendeu-se com seu “corpo forte e esguio” que carregava a faixa apertada na cintura a lhe ressaltar os quadris. Por um instante sentiu-se inferiorizado e não conseguiu tirar da cabeça a possibilidade de ela desistir de tudo assim que o olhasse mais apuradamente. Conseguiu diminuir a tensão ao se concentrar na beleza do lugar e no frescor da atmosfera.
(...)
Desde o início da viagem, Winston teve de lutar contra a persistente negatividade que o invadia em relação ao encontro. Sentiu-se imundo e apequenado, um tipo impróprio à jovem. Enquanto caminhou pela estação lembrou-se que ela ainda não o vira à luz do dia e evidentemente isso o incomodava muito.
(...)
No entanto o encontro já era uma realidade... Depois de alguns metros alcançaram a árvore citada por ela quando lhe passou as orientações. Os dois passaram por sobre o tronco caído e a garota avançou sobre uma touceira “onde não parecia haver caminho”. Percorreram mais um trecho e chegaram a uma “clareira natural, um pequeno recôndito atapetado de relva e completamente cercado de altos freixos novos, como uma parede”.
Ela parou e anunciou que haviam chegado. Winston estava a certa distância e a olhou sem demonstrar que se aproximaria. A moça emendou que não era aconselhável terem se falado pelo caminho porque podia haver algum microfone camuflado e nunca é bom arriscar porque “os suínos são capazes de reconhecer as vozes”.
Winston a ouviu dizer ainda que onde estavam não havia qualquer problema... Ainda sem se aproximar, resolveu perguntar se não havia problema mesmo. A moça respondeu que podia ficar tranquilo, era só olhar os freixos ao redor que, depois de podados, estavam brotando ramos finos, e assim não tinham como esconder qualquer equipamento.
Aos poucos o rapaz foi tomando coragem e se aproximou. De pé e demonstrando firmeza, a moça sorria... Talvez ironicamente por achar que ele se demorava a reagir.
As flores que ele havia colhido caíram-lhe das mãos, que se tornaram livre para segurar as dela. Disse que até então ainda não sabia a cor de seus olhos... Viu que eram castanho-claros e que seus cílios eram escuros. A moça quis saber se depois de ter conferido ainda “aguentaria” olhar para ela.
É claro que ela só podia estar brincando... Ele respondeu que “facilmente” (podia permanecer ainda por muito tempo a olhá-la) e já foi explicando que contava trinta e nove anos, tinha uma esposa da qual “não podia se livrar”, além disso sofria com umas varizes e tinha “cinco dentes postiços”.
A jovem respondeu que não se importava com nada daquilo... Se abraçaram instintivamente e Winston não podia acreditar que envolvia aquele corpo jovem e o apertava contra o seu... Gostou de sentir os fartos cabelos negros, e mais ainda quando ela virou o rosto para que tivesse a “boca grande e vermelha” à sua disposição para um ardente beijo.
(...)
Depois foram muitos mimos... Ela abraçou-lhe o pescoço enquanto “o chamava de querido, amado e bem-amado”. Ele conduziu-a para o chão e teve permissão para “fazer o que bem entendesse”. A sensação de orgulho e de incredulidade o invadiu, de modo que o contato físico lhe fazia muito bem e parecia bastar-lhe. A beleza e juventude da garota ainda o assustavam. Considerou que era tudo novo, e talvez por isso não se sentisse tomado por outros desejos.
Embora não soubesse explicar, Winston era do tipo “acostumado a viver sem mulher”. A garota tirou uma flor dos cabelos e acomodou-se junto a ele, envolvendo um de seus braços em sua cintura, depois disse-lhe que não tinha importância, pois não precisavam ter pressa, já que o esconderijo era muito bom e tinham a tarde inteira pela frente.
Ela passou a falar sobre como descobriu o lugar e deu a entender que certa vez havia se perdido naquelas paragens quando participava de um passeio coletivo... Destacou que de onde estavam podiam ouvir alguém que estivesse chegando a uma distância de cem metros.
Winston perguntou-lhe o nome... Ela respondeu que se chamava Júlia e já foi dizendo que sabia o nome dele: “É Winston... Winston Smith”. Ele questionou sobre como havia descoberto e ela respondeu que, ao que tudo indicava, tinha “mais jeito de descobrir as coisas”. Depois quis que ele lhe dissesse o que pensava a seu respeito antes do dia em que lhe dera o recado...
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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