terça-feira, 3 de agosto de 2021

“1984”, de George Orwell – mais a respeito das incompatibilidades do casamento com Katharine e dos riscos de ser denunciado por “crimideia” ao tentar seduzi-la; finalizando o registro sobre a aventura sexual, vergonha, desabafo e confissão; refletindo sobre a impossibilidade de o Partido perder o poder a partir de uma movimentação interna; nos proles, esmagadora maioria da população, uma remota esperança de sublevação

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-o-partido.html antes de ler esta postagem:

Winston quis voltar a registrar em seu diário, que havia sido interrompido no ponto em que entrara no porão conduzido pela mulher...
No local atulhado e mal iluminado, havia a cama onde ela se deitou. Ele foi logo se lançando sobre ela, levantando-lhe a saia “da maneira mais grosseira e horrível que se pode imaginar”.
Seu ímpeto sofreu um golpe assim imaginou as faces cheias de pó cosmético e escondidas graças à pouca luz... A atmosfera estava carregada do cheiro dos percevejos que vicejavam na cama e cobertas e do perfume ordinário. Ao mesmo tempo a “recordação do corpo branco de Katharine” parecia sentenciar o seu fracasso. (...)
(...)
Interrompeu a escrita e mais uma vez pensou em sua relação com a ex-esposa...
Simplesmente não podia entender a sua condição de ter de recorrer às arriscadas aventuras como aquela. E tudo porque o Partido inibia as relações de “amor genuíno”. Era por causa do regime que mulheres como Katharine se mantinham castas e leais ao IngSoc:

                   “Por meio de cuidadoso condicionamento, em tenra idade, por meio de jogos e água fria, pelo lixo que lhes impingiam na escola, nos Espiões e na Liga Juvenil, por meio de conferências, paradas, canções, lemas e música marcial, tinham expulsado o sentimento natural”.

Talvez existissem exceções. Todavia o controle partidário era tão intenso que certamente passaria a vida sem conhecer uma delas. Nem se pode dizer que ele buscasse ser amado, já que provavelmente quisesse experimentar uma relação de plena satisfação dos desejos mais íntimos, ainda que fosse “uma única vez na vida inteira”.
Mas prevalecia a imposição do regime, então “o ato sexual era rebelião” e os desejos como o que ele pretendia satisfazer eram “crimideia”. Se por acaso conseguisse mudar o modo de ser da esposa, despertando seus mais íntimos instintos, seria por ela incriminado por tentar seduzi-la.
(...)
Afastou Katharine de suas reflexões e pegou a caneta decidido a finalizar o registro daquela memória...
Depois de ter avançado sobre a mulher, Winston puxou o abajur para iluminá-la e assim conseguiu vê-la mais detalhadamente. Se no primeiro momento havia avançado ardente do desejo sexual, na sequência deteve-se horrorizado. É claro que o apavorava a possibilidade de ser flagrado por patrulhas assim que se retirasse daquela espelunca... Sabia dos riscos que corria, por isso cogitou largar a mulher e retirar-se imediatamente...
No momento, diante da mesa sobre a qual estava o perigoso diário, tinha unicamente a consciência de que precisava escrever, pois isso valia-lhe como uma confissão... A lâmpada iluminou a mulher e ele pôde conferir que se tratava de uma velha cuja “pintura do rosto era tão grossa que dava a impressão de que ia rachar como uma máscara de cartão”. E mais do que os fios brancos de seus cabelos, a boca sem dentes o deixou transtornado. A boca da mulher lembrava uma “caverna negra”.
Essa revelação foi redigida aos garranchos, já que Winston a escreveu apressadamente... Para ele, a velha devia contar “uns cinquenta anos pelo menos”. Apesar de tudo o que havia conferido, “foi em frente e fez o que havia planejado fazer”.
(...)
Depois de registrar a “confissão” que tanto o amargurava, fechou os olhos apertando bem as pálpebras. Imaginou que o desabafo lhe trouxesse algum alívio. Mas não percebeu nenhum resultado positivo. Bem ao contrário disso, sua angústia permaneceu tão forte que desejava “berrar obscenidades a plenos pulmões”.
(...)
Ainda dos “registros proibidos” de Winston há as suas reflexões a respeito do poder extremado do Partido e as (im)possibilidades de sua queda e destruição.
Logo no início, ele sentenciou que somente nos proles podia se depositar alguma esperança... E justamente na “massa desdenhada”, já que correspondia a “85% da população da Oceania”.
A partir de seu interior é que o Partido não se abalaria. Falava-se de inimigos internos... Poderia crer mesmo nisso? Se eles existissem, não podiam sequer se reunir ou se identificar. Falava-se da “Fraternidade”, o “grupo secreto que devia fidelidade ao Goldstein”, mas também esses não deviam contar mais de três membros por grupos formados. E era certo que se planejassem alguma sedição ela logo seria detectada nos olhares, inflexões das vozes e nos “cochichos ocasionais”.
Com os proles seria diferente... Faltava-lhes a consciência de que tinham poder. para Winston, era só uma questão de “levantarem-se e sacudir, como um cavalo sacode as moscas”. Então, se quisessem “poderiam demolir o Partido no dia seguinte”. E em sua opinião isso ocorreria algum dia... O caso é que havia muitos senões...
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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