Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-o-partido.html antes
de ler esta postagem:
Winston quis voltar a registrar em seu diário,
que havia sido interrompido no ponto em que entrara no porão conduzido pela
mulher...
No local atulhado e mal
iluminado, havia a cama onde ela se deitou. Ele foi logo se lançando sobre ela,
levantando-lhe a saia “da maneira mais grosseira e horrível que se pode
imaginar”.
Seu ímpeto sofreu um golpe assim imaginou as faces cheias de pó
cosmético e escondidas graças à pouca luz... A atmosfera estava carregada do
cheiro dos percevejos que vicejavam na cama e cobertas e do perfume ordinário.
Ao mesmo tempo a “recordação do corpo branco de Katharine” parecia sentenciar o
seu fracasso. (...)
(...)
Interrompeu a escrita
e mais uma vez pensou em sua relação com a ex-esposa...
Simplesmente não podia
entender a sua condição de ter de recorrer às arriscadas aventuras como aquela.
E tudo porque o Partido inibia as relações de “amor genuíno”. Era por causa do
regime que mulheres como Katharine se mantinham castas e leais ao IngSoc:
“Por meio de cuidadoso
condicionamento, em tenra idade, por meio de jogos e água fria, pelo lixo que
lhes impingiam na escola, nos Espiões e na Liga Juvenil, por meio de
conferências, paradas, canções, lemas e música marcial, tinham expulsado o
sentimento natural”.
Talvez existissem exceções.
Todavia o controle partidário era tão intenso que certamente passaria a vida
sem conhecer uma delas. Nem se pode dizer que ele buscasse ser amado, já que
provavelmente quisesse experimentar uma relação de plena satisfação dos desejos
mais íntimos, ainda que fosse “uma única vez na vida inteira”.
Mas prevalecia a imposição
do regime, então “o ato sexual era rebelião” e os desejos como o que ele
pretendia satisfazer eram “crimideia”. Se por acaso conseguisse mudar o modo de
ser da esposa, despertando seus mais íntimos instintos, seria por ela
incriminado por tentar seduzi-la.
(...)
Afastou Katharine de suas
reflexões e pegou a caneta decidido a finalizar o registro daquela memória...
Depois de ter avançado sobre a mulher, Winston puxou o abajur para
iluminá-la e assim conseguiu vê-la mais detalhadamente. Se no primeiro momento
havia avançado ardente do desejo sexual, na sequência deteve-se horrorizado. É
claro que o apavorava a possibilidade de ser flagrado por patrulhas assim que
se retirasse daquela espelunca... Sabia dos riscos que corria, por isso cogitou
largar a mulher e retirar-se imediatamente...
No momento, diante da mesa sobre a qual estava o perigoso diário, tinha
unicamente a consciência de que precisava escrever, pois isso valia-lhe como
uma confissão... A lâmpada iluminou a mulher e ele pôde conferir que se tratava
de uma velha cuja “pintura do rosto era tão grossa que dava a impressão de que
ia rachar como uma máscara de cartão”. E mais do que os fios brancos de seus
cabelos, a boca sem dentes o deixou transtornado. A boca da mulher lembrava uma
“caverna negra”.
Essa revelação foi redigida aos garranchos, já
que Winston a escreveu apressadamente... Para ele, a velha devia contar “uns
cinquenta anos pelo menos”. Apesar de tudo o que havia conferido, “foi em
frente e fez o que havia planejado fazer”.
(...)
Depois de registrar a
“confissão” que tanto o amargurava, fechou os olhos apertando bem as pálpebras.
Imaginou que o desabafo lhe trouxesse algum alívio. Mas não percebeu nenhum
resultado positivo. Bem ao contrário disso, sua angústia permaneceu tão forte
que desejava “berrar obscenidades a plenos pulmões”.
(...)
Ainda dos “registros proibidos” de Winston há as suas reflexões a
respeito do poder extremado do Partido e as (im)possibilidades de sua queda e
destruição.
Logo no início, ele
sentenciou que somente nos proles podia se depositar alguma esperança... E
justamente na “massa desdenhada”, já que correspondia a “85% da população da
Oceania”.
A partir de seu interior é
que o Partido não se abalaria. Falava-se de inimigos internos... Poderia crer
mesmo nisso? Se eles existissem, não podiam sequer se reunir ou se identificar.
Falava-se da “Fraternidade”, o “grupo secreto que devia fidelidade ao Goldstein”,
mas também esses não deviam contar mais de três membros por grupos formados. E
era certo que se planejassem alguma sedição ela logo seria detectada nos
olhares, inflexões das vozes e nos “cochichos ocasionais”.
Com
os proles seria diferente... Faltava-lhes a consciência de que tinham poder.
para Winston, era só uma questão de “levantarem-se e sacudir, como um cavalo
sacode as moscas”. Então, se quisessem “poderiam demolir o Partido no dia
seguinte”. E em sua opinião isso ocorreria algum dia... O caso é que havia
muitos senões...
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto