sábado, 28 de agosto de 2021

“1984”, de George Orwell – rebelde diante das convenções, Júlia satisfez duplamente seu parceiro politicamente perturbado; breve cochilo e contemplação do corpo desprotegido da mulher; pesava a consciência de que o Partido manipulava a mente e o físico, daí a relação representar uma afronta à poderosa estrutura; fim do encontro e orientações para a retirada e novo encontro

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-uma-paisagem-ja.html antes de ler esta postagem:

Júlia se comportou como uma profissional do sexo e Winston mostrou-se ainda mais satisfeito... Ele perguntou se ela se sentia vontade por tudo o que fazia, se gostava daquelas coisas... Não perguntava exatamente a respeito de si, se sentia-se atraída por ele, mas nas iniciativas que ela estava tomando. Ela disse que “adorava”, e que tinha mesmo preferência pelos relacionamentos mais lascivos.
Winston achou bom ouvir suas palavras... Como podemos notar, para ele “o instinto animal, o desejo simples, indiscriminado, eram a força que faria a derrocada do Partido”.
Então podemos dizer que, com Júlia, sentia-se duplamente satisfeito... Não por acaso se entregaram com volúpia na relva da clareira protegida pelas árvores... Depois, completamente esgotados fisicamente, deixaram-se cair. A temperatura havia se elevado e o forte calor os levou a um cochilo de uns trinta minutos.
(...)
Quando Winston despertou, pôs-se a contemplar a garota. Além das sardas, podia notar umas ruguinhas perto dos olhos... Definitivamente não era exatamente bonita, mas tinha uma bela boca e cabelos escuros, curtos, mas macios e densos. Um “corpo jovem e forte” que ele nem sabia em que parte de Londres vivia. Não sabia sequer todo o seu nome! Havia certa fragilidade na garota adormecida, então teve pena... Evidentemente no momento ele devia protegê-la, todavia, quando desperta, parecia adquirir blindagem própria.
A atração que o dominou quando estiveram à sombra da aveleira não se repetiu... Continuou a apreciar a pela clara e macia de Júlia pensando sobre como, no passado, assim que viam um corpo feminino, os homens não perdiam tempo com conjecturas e logo “partiam para cima”.
Os tempos eram bem outros e:

                   “não era (mais) possível ter amor puro, ou pura lascívia. Não havia mais emoção pura; estava tudo misturado com medo e ódio. A união fora uma batalha, o clímax uma vitória. Era um golpe desferido no Partido. Era um ato político”.

(...)
Depois que despertou, Júlia voltou a assumir a conduta altiva, “alerta e prática”. Arrumou-se rapidamente e disse que poderiam voltar a se encontrar no mesmo local. Salientou que, se fosse o caso, teriam de aguardar que um ou dois messes se passassem.
Enquanto ajustava a faixa escarlate na cintura deu algumas orientações sobre a volta para a cidade. Winston ouviu-a com atenção, pois compreendia que dos dois era ela quem tinha experiência naquele tipo de indisciplina, além de conhecer melhor as circunvizinhanças de Londres graças aos inúmeros passeios comunais.
De fato, Júlia ditou-lhe um itinerário completamente diferente do que ele havia feito... Aliás, devia chegar a uma estação diferente da que havia usado em sua partida para o campo. E disse-lhe ainda que jamais devia fazer o mesmo caminho quando retornasse de suas aventuras. Falava com ares de quem muito entendia que aquele era um princípio que não podia ser ignorado. Depois anunciou que sairia antes e que ele deveria aguardar meia hora após a sua partida para também deixar a clareira.
Sem perder tempo, falou-lhe o nome de uma rua de um bairro prole onde poderiam se encontrar após quatro dias... Obviamente seria depois do trabalho... No local ocorria uma feira sempre concorrida por “gente muito ruidosa”. Combinou que estaria numa barraca como que a procurar algo específico (cadarços ou linha de costura) e que se não percebesse qualquer perigo faria um sinal (assoaria o nariz) para que se aproximasse. Insistiu que, se não fizesse o sinal, ele devia passar direto sem demonstrar que a conhece. Se tudo corresse bem, poderiam conversar por uns quinze minutos no meio da agitação popular e combinar novo encontro.
Por fim, Júlia disse que tinha de se retirar... Certificou-se de que ele havia decorado suas instruções e acrescentou que devia estar de volta às sete e trinta da noite, pois trabalharia “duas horas para a Liga Juvenil Anti-Sexo”. Pôs-se a falar rapidamente que, sem dúvida, era “algo horroroso”. Na sequência pediu ao Winston que passasse uma escova em sua roupa e pediu que cuidasse de limpar eventuais pedaços de folhas ou de pequenos ramos em seus cabelos.
Devidamente preparada, ainda o abraçou e beijou... “Adeus, meu amor, adeus”, foi o que disse por fim e desapareceu por um caminho em meio à folhagem sem provocar qualquer ruído.
(...)
Como notamos, Winston foi “todo atenção”.
Ao se ver só, pensou novamente que não conhecia todo o nome de Júlia e não sabia onde ela morava. Mas entendeu que isso não tinha a menor importância, até porque não teriam chance de se encontrar em local fechado ou de se corresponder por carta.
Neste ponto o que se pode adiantar é que jamais retornaram ao bosque que se parecia com a “Terra Dourada” dos sonhos de Winston.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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