segunda-feira, 16 de agosto de 2021

“1984”, de George Orwell – nove da noite, Winston chega à loja de velhas quinquilharias onde havia comprado a encadernação dos belos papéis em branco; um chamativo e antigo peso para papéis; há um cômodo sobre a loja que merece ser visitado

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-fim-da-conversa.html antes de ler esta postagem:

Winston deixou o bar e voltou a caminhar. Chegou a uma rua estreita onde havia umas pequenas lojas já fechadas... Uma delas era aquela onde havia comprado o diário e como que por instinto acabou se dirigindo a ela.
Mais uma vez pensou que não fazia bem... Lembrou-se que havia jurado não mais se aproximar daquele ambiente. O caso é que a escuridão da noite parecia favorecer os devaneios que o atraíam para lá. O mais curioso é que a ideia de se entreter com o diário tinha como objetivo evitar situações como aquela.
Eram nove horas da noite e a loja de quinquilharias era das poucas que permaneciam abertas. Então pensou que o mais razoável era entrar, já que se arriscava muito ao permanecer na calçada. No caso de o flagrarem, diria que estava procurando lâminas de barbear.
Assim que entrou, notou o dono da loja acendendo um candieiro de azeite que tornava a atmosfera malcheirosa. O tipo contava uns sessenta anos, andava curvado, tinha um nariz proeminente, cabeleira quase totalmente grisalha e “olhos calmos deformados pelos óculos grossos”.
Para Winston, o modo como se movimentava, o paletó escuro e os óculos davam ao outro uns ares de intelectualidade... Pensou que ele podia passar perfeitamente por músico ou escritor. O modo como falava, suavemente e corretamente, o diferenciava da gente prole que vivia nas proximidades.
(...)
O lojista foi dizendo que o havia reconhecido enquanto estivera parado na calçada. Lembrou que ele já estivera antes na loja e que havia comprado o “álbum de recordações”, algo que qualquer moça gastaria de ganhar... Emendou que já fazia muito tempo, talvez uns cinquenta anos, que não se fabricava papel com aquela qualidade.
Perguntou ao Winston se estava interessado em algum objeto específico ou se pretendia apenas “dar uma olhada”. O rapaz respondeu que estava passando por ali e que resolveu parar para olhar os artigos, mas não tinha interesse em nada específico.
O homem admitiu que talvez não tivesse mesmo nada de mais interessante para oferecer-lhe. Como que a pedir desculpas, disse que a loja estava vazia e que o negócio com antiguidades estava praticamente morto, já que não havia demandas ou estoque, “móveis, porcelanas, cristais - tudo foi acabando”. Disse ainda que os objetos de metal foram se perdendo por causa das fundições... Ele mesmo já não via um castiçal de latão há muito tempo.
Winston viu que a loja estava repleta de quinquilharias que dificultavam a locomoção, mas se tratava de mercadorias baratas. Havia muitas molduras, e tudo o mais repleto de pó: “bandejas com porcas e parafuso, formões sem corte, canivetes de folha partida, relógios enegrecidos que nem fingiam poder funcionar, e uma variedade enorme de bricabraque”.
A um canto, e sobre uma pequena mesa, estavam vários objetos menores, caixas de rapé, broches... Atraído para o local, Winston logo notou um que brilhava muito à luz emitida pelo candieiro. Pegou-o e identificou que se tratava de um peso de vidro para acomodar papéis. Tinha um formato de meia-esfera e textura suave, além disso o interior da peça trazia outro elemento decorativo que parecia se ampliar conforme se observava a área convexa.
O rapaz quis saber o que era aquela estrutura rosada... Parecia uma anêmona! Era lindo! O velho lojista explicou que era um coral e que devia ser do Oceano Índico. Emendou que o objeto devia contar cem ou mais anos, e concordou que se tratava de um lindo artigo.
O homem tossiu e completou dizendo que poucas pessoas se interessariam por aquilo... Salientou que em outros tempos ela não sairia por menos de oito libras, e que se Winston a quisesse levar, custava quatro dólares.
(...)
Winston entregou o dinheiro e se apropriou do objeto, colocando-o no bolso. É verdade que o achasse muito bonito, mas chamava a atenção o fato de ter um formato chamativo e “de pertencer a uma época muito diferente”. De alguma maneira ainda poderia ser útil. Pensou que poderia pechinchar o valor e que possuir aquilo era comprometedor, já que era antigo e bonito, duas qualidades que incomodavam os agentes da Polícia do Pensamento... Depois considerou que apesar de estranho e pesado, não fazia volume no bolso e talvez não chamasse a atenção enquanto o transportasse para casa.
O velho guardou o dinheiro e tornou-se mais falante... Disse que na parte de cima da loja havia um quarto com algumas peças que talvez interessassem ao cliente. Ele acionou outra lamparina e adiantou-se para a escada, sendo seguido por Winston. Passaram por um estreito corredor e logo chegaram ao quarto, que não tinha vista para a rua... Em vez disso, abria-se para um pátio e para telhados vizinhos com suas chaminés.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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