Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-fim-da-conversa.html antes
de ler esta postagem:
Winston deixou o bar e voltou a caminhar. Chegou
a uma rua estreita onde havia umas pequenas lojas já fechadas... Uma delas era
aquela onde havia comprado o diário e como que por instinto acabou se dirigindo
a ela.
Mais uma vez pensou
que não fazia bem... Lembrou-se que havia jurado não mais se aproximar daquele
ambiente. O caso é que a escuridão da noite parecia favorecer os devaneios que
o atraíam para lá. O mais curioso é que a ideia de se entreter com o diário
tinha como objetivo evitar situações como aquela.
Eram nove horas da noite e a loja de quinquilharias era das poucas que permaneciam
abertas. Então pensou que o mais razoável era entrar, já que se arriscava muito
ao permanecer na calçada. No caso de o flagrarem, diria que estava procurando
lâminas de barbear.
Assim
que entrou, notou o dono da loja acendendo um candieiro de azeite que tornava a
atmosfera malcheirosa. O tipo contava uns sessenta anos, andava curvado, tinha
um nariz proeminente, cabeleira quase totalmente grisalha e “olhos calmos
deformados pelos óculos grossos”.
Para Winston, o modo
como se movimentava, o paletó escuro e os óculos davam ao outro uns ares de
intelectualidade... Pensou que ele podia passar perfeitamente por músico ou
escritor. O modo como falava, suavemente e corretamente, o diferenciava da
gente prole que vivia nas proximidades.
(...)
O lojista
foi dizendo que o havia reconhecido enquanto estivera parado na calçada.
Lembrou que ele já estivera antes na loja e que havia comprado o “álbum de
recordações”, algo que qualquer moça gastaria de ganhar... Emendou que já fazia
muito tempo, talvez uns cinquenta anos, que não se fabricava papel com aquela
qualidade.
Perguntou ao Winston
se estava interessado em algum objeto específico ou se pretendia apenas “dar
uma olhada”. O rapaz respondeu que estava passando por ali e que resolveu parar
para olhar os artigos, mas não tinha interesse em nada específico.
O homem admitiu que
talvez não tivesse mesmo nada de mais interessante para oferecer-lhe. Como que
a pedir desculpas, disse que a loja estava vazia e que o negócio com
antiguidades estava praticamente morto, já que não havia demandas ou estoque, “móveis,
porcelanas, cristais - tudo foi acabando”. Disse ainda que os objetos de metal
foram se perdendo por causa das fundições... Ele mesmo já não via um castiçal
de latão há muito tempo.
Winston viu que a loja estava repleta de quinquilharias que dificultavam
a locomoção, mas se tratava de mercadorias baratas. Havia muitas molduras, e
tudo o mais repleto de pó: “bandejas com porcas e parafuso, formões sem corte,
canivetes de folha partida, relógios enegrecidos que nem fingiam poder
funcionar, e uma variedade enorme de bricabraque”.
A um canto, e sobre uma pequena mesa, estavam vários objetos menores, caixas
de rapé, broches... Atraído para o local, Winston logo notou um que brilhava muito
à luz emitida pelo candieiro. Pegou-o e identificou que se tratava de um peso de
vidro para acomodar papéis. Tinha um formato de meia-esfera e textura suave,
além disso o interior da peça trazia outro elemento decorativo que parecia se
ampliar conforme se observava a área convexa.
O rapaz quis saber o que era aquela estrutura
rosada... Parecia uma anêmona! Era lindo! O velho lojista explicou que era um
coral e que devia ser do Oceano Índico. Emendou que o objeto devia contar cem
ou mais anos, e concordou que se tratava de um lindo artigo.
O homem tossiu e
completou dizendo que poucas pessoas se interessariam por aquilo... Salientou que
em outros tempos ela não sairia por menos de oito libras, e que se Winston a quisesse
levar, custava quatro dólares.
(...)
Winston entregou o dinheiro e se apropriou do objeto, colocando-o no
bolso. É verdade que o achasse muito bonito, mas chamava a atenção o fato de
ter um formato chamativo e “de pertencer a uma época muito diferente”. De
alguma maneira ainda poderia ser útil. Pensou que poderia pechinchar o valor e
que possuir aquilo era comprometedor, já que era antigo e bonito, duas
qualidades que incomodavam os agentes da Polícia do Pensamento... Depois considerou
que apesar de estranho e pesado, não fazia volume no bolso e talvez não
chamasse a atenção enquanto o transportasse para casa.
O
velho guardou o dinheiro e tornou-se mais falante... Disse que na parte de cima
da loja havia um quarto com algumas peças que talvez interessassem ao cliente.
Ele acionou outra lamparina e adiantou-se para a escada, sendo seguido por
Winston. Passaram por um estreito corredor e logo chegaram ao quarto, que não
tinha vista para a rua... Em vez disso, abria-se para um pátio e para telhados
vizinhos com suas chaminés.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto