Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-o-falar.html antes
de ler esta postagem:
Júlia era bem-vista pelos maiorais do Partido,
uma “excelente cidadã”. Também por isso acabou sendo chamada para trabalhar no
setor do Departamento de Ficção que produzia a pornografia destinada aos
proles... O pessoal que trabalhava na “Pornosec” chamava este setor de “Casa da
Lama”.
Ela disse ao Winston que
ficou por um ano na “Pornosec”, onde ajudava na produção de encadernações que
saíam completamente lacradas com títulos como “Contos da Chibata ou Uma Noite
Num Internato de Moças”, normalmente comprados pela juventude prole... Em sua
opinião, a ideia de “adquirir algo ilegal” contribuía para o sucesso das
publicações neste segmento.
Winston quis saber mais sobre os livretos... Júlia explicou que se
tratava de uma “droga horrorosa”, que ela não tinha a menor ideia de como
podiam se entreter com algo tão desagradável e chato. A respeito da produção,
disse não tinha segredo, já que usavam seis enredos que eram misturados e
passavam por pequenas adaptações... Ela trabalhava “nos caledoscópios” e jamais
estivera no grupo dos “Reescritores”, pois não lidava bem com a produção
textual.
Mas se havia algo que Júlia
podia garantir era que na “Pornosec” só trabalhavam moças. Apenas a chefia
ficava por conta de um homem. Dizia-se que os homens, por conta de seus “instintos
sexuais menos controláveis do que os das mulheres”, podiam ser mais facilmente
contaminados pela “imundície” do material produzido na “Casa da Lama”. Mulheres
casadas também não eram admitidas, já que deduziam que as jovens solteiras eram
“puras”.
Ao falar a respeito dessa
última condição, Júlia fez questão de salientar que não era o seu caso, pois
mal contava os dezesseis anos quando se envolveu sexualmente pela primeira vez,
e justamente com um tipo que contava sessenta anos. O homem era ardoroso
militante e se suicidou, o que foi bom para ela, pois certamente entregaria seu
nome às autoridades. Depois dele houve muitos outros casos...
Júlia não renunciava às
suas diversões e, como o Partido as proibia, “infringia a lei da melhor maneira
possível”, pois considerava natural elaborar artimanhas para burlar a lei e
escapar da captura policial... Tão natural quanto “eles” (o Partido) se
esforçavam para “proibir os prazeres”.
(...)
Winston percebeu que a
crítica da namorada em relação a “eles” se concentrava no fato de sentir que
lhe prejudicavam a vida particular... Não formulava exatamente uma crítica
sistemática ao Partido e tampouco se interessava pelo conteúdo doutrinário.
Júlia não fazia uso do
vocabulário da “Novilíngua”, sequer das palavras que já estavam incorporadas ao
dia a dia das pessoas. O rapaz falou-lhe dos boatos sobre a “Fraternidade”. Mas
ela não acreditava que pudesse existir uma organização como aquela, e jamais
ouvira falar da mesma... Achava absurdo e estúpido pretenderem uma “revolta
organizada contra o Partido”, pois não teriam a menor chance de triunfar.
Para ela, o mais razoável que tinham a fazer era “desrespeitar a lei e
continuar vivendo”. Ao ouvir essas palavras, Winston pensou se havia outros que
pensavam como ela... Talvez entre os da “nova geração”, tipos que só conheciam
a realidade que havia sido imposta pelo IngSoc depois de seu triunfo na
Revolução. Talvez considerassem o Partido uma instituição de poder que não
podia ser alterada, algo tão “natural como o firmamento” e assim jamais se
rebelariam contra “eles”. No máximo se limitariam a fugir de sua repressão.
(...)
Winston e Júlia não falaram a respeito de casamento... Até porque não se
encontravam para firmar noivado, além do mais a situação dele em relação à
Katherine impossibilitaria qualquer análise dos comitês responsáveis.
Houve um momento em que a moça quis saber a
respeito de sua esposa... Winston respondeu que a palavra “benpensante” (em
“novilíngua”) estava de boa medida para explicar o modo de ser de Katherine,
que era ortodoxa e “incapaz de um mau pensamento”.
Júlia não compreendia bem o
termo, mas conhecia mulheres daquele tipo. Mesmo quando ele se pôs a falar a
respeito de seu casamento, a garota conseguiu antecipar as diversas situações,
como a reação de tornar-se enrijecida assim que ele a tocava ou a de dar a
entender que o repelia mesmo quando tomava a iniciativa de enlaçá-lo com os
braços e pernas.
Falar do casamento, que podia ser algo bem desagradável, tornava-se
fácil porque Júlia conhecia a doutrinação do Partido voltada para as mulheres.
Ele resolveu falar sobre o planejamento de Katherine para a manutenção do
matrimônio e insistência em gerar um filho, situação que a embaraçava, já que
intimamente sentia repulsa pelo relacionamento sexual ao mesmo tempo em que se
obrigava a ele...
A
própria Júlia concluiu o argumento usado por Katherine para as ocasiões
semanais, que se tratava de um dever dos dois “para com o Partido”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-moca-conseguia.html
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto