quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – perseguição aos clubes femininos de ação política e justificativas machistas dos deputados da Convenção; a questão dos direitos das mulheres passou a entrar nos debates futuros; sobre a produção do texto de Mary Wollstonecraft e sua ampla aceitação nos Estados Unidos; fragmentos de artigo de Constance Pipelet, de 1800

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/01/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_19.html antes de ler esta postagem:

Aconteceu que os clubes de mulheres criados sofreram muitos ataques... Os deputados franceses decidiram acabar com as agremiações em outubro de 1793. A Convenção sacramentou através do voto a extinção dos clubes que, segundo os representantes, eram o motivo de diversos confrontos públicos de mulheres favoráveis ao movimento de garantias de direitos com outras que se colocavam declaradamente contrárias às manifestações e ao uso de “insígnias revolucionárias” por militantes.
Para os deputados, as organizações de mulheres provocavam as indisciplinas públicas e as tiravam dos “apropriados deveres domésticos”. O deputado que defendeu o decreto que colocaria fim aos clubes e mobilizações defendia que “as mulheres não tinham o conhecimento, a aplicação, a dedicação ou a abnegação exigidos para governar”. Ainda de acordo com ele, há funções “destinadas pela própria natureza” que são próprias das mulheres e, dessas funções, elas não podem ser desviadas.
Os argumentos do deputado não constituíam qualquer novidade, já que desde muito tempo tinha-se por consenso que “lugar da mulher é no ambiente doméstico e submissa ao homem”. Do anteriormente exposto, há que se destacar a necessidade dos debatedores de apresentarem publicamente seus argumentos contrários à formação dos clubes e à participação feminina nos movimentos de caráter político. Deste modo, podemos dizer que, apesar de terem se tornado tema das discussões bem depois de outros grupos, a mulheres “acabaram entrando na agenda, e o que foi dito a seu respeito” ao tempo da Revolução, e notadamente em relação aos direitos, “teve impacto que dura até o presente”.
(...)
Durante o processo revolucionário na França a imprensa passou a gozar de liberdade nunca experimentada... As mulheres aproveitaram o momento, se empolgaram e publicaram livros e panfletos na defesa de seus direitos.
Se na Inglaterra e na França a questão dos direitos das mulheres passou a fazer parte das discussões públicas, nos Estados Unidos houve pouca empolgação. Lynn Hunt destaca que até antes de 1792 não se produziu naquele país textos relevantes como os de Condorcet, Olympe de Gouges ou Mary Wollstonecraft.
Há que se destacar que mesmo na Inglaterra anterior à publicação de “Vindication of the Rights of Woman”, de 1792, quase não se levava em consideração a questão das mulheres. A própria autora tornou-se mais atenta ao tema depois de escrever “Vindication of the Rights of Men”, de 1790, em consequência dos acontecimentos na França e contra a crítica de Burke aos “Direitos do Homem”. Sua publicação de dois anos depois é consequência das reflexões sobre a polêmica em torno da Declaração de agosto de 1789, e podia ser encontrada nas bibliotecas particulares de norte-americanos em maior número do que “Os direitos do homem”, de Paine.
Apesar da reticência de autores como Paine, vários eventos sociais e revistas do começo do século XIX nos Estados Unidos (o livro cita “sociedades de debates, discursos de formatura”) passaram a enfatizar a exclusão da mulher do direito de voto, restrito aos homens.
(...)
Parecia mesmo que os direitos políticos das mulheres não avançariam na França revolucionária... Em contrapartida, logo que a legislação passava a legitimar qualquer conquista elas partiam para as ações concretas que tornavam possível o exercício do direito adquirido. Foi assim que cortes francesas ficaram abarrotadas de processos que exigiam o direito à “herança igual” já garantido pela legislação. Mais uma vez percebemos um exemplo de como o “direito a ter direitos”, em vez de ser resultado da concessão de autoridades, se relaciona à consciência de classe/grupo social e a insistente luta na sociedade.
O início dessa postagem nos leva a concluir que após 1793 as mulheres sofreram maior repressão “no mundo oficial da política francesa”... Todavia a reivindicação dos grupos políticos femininos não foi sufocada completamente. O livro cita fragmentos de artigo de Constance Pipelet (poetiza e dramaturga que tempos depois foi chamada de Constance de Salm), de 1800, em que tratou a respeito de “De la condition des femmes dans les Republiques”, de Charles Théremin... O referido artigo lamenta o fato de o movimento revolucionário inspirado pelas ideias iluministas não ter avançado em relação aos direitos “da outra metade da humanidade”:

                   “É compreensível que (no Antigo Regime) não se acreditasse necessário assegurar a uma metade da humanidade metade dos direitos ligados aos seres humanos; mas seria mais difícil compreender que se tenha podido deixar inteiramente de reconhecer (os direitos) das mulheres durante os últimos dez anos, naqueles momentos em que as palavras igualdade e liberdade ressoavam por toda parte, naqueles momentos em que a filosofia, ajudada pela experiência, iluminava sem cessar o homem a respeito de seus verdadeiros direitos”.

Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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