Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/01/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_19.html antes
de ler esta postagem:
Aconteceu
que os clubes de mulheres criados sofreram muitos ataques... Os deputados franceses
decidiram acabar com as agremiações em outubro de 1793. A Convenção sacramentou
através do voto a extinção dos clubes que, segundo os representantes, eram o
motivo de diversos confrontos públicos de mulheres favoráveis ao movimento de
garantias de direitos com outras que se colocavam declaradamente contrárias às
manifestações e ao uso de “insígnias revolucionárias” por militantes.
Para os deputados, as organizações de mulheres provocavam as indisciplinas
públicas e as tiravam dos “apropriados deveres domésticos”. O deputado que
defendeu o decreto que colocaria fim aos clubes e mobilizações defendia que “as
mulheres não tinham o conhecimento, a aplicação, a dedicação ou a abnegação
exigidos para governar”. Ainda de acordo com ele, há funções “destinadas pela
própria natureza” que são próprias das mulheres e, dessas funções, elas não podem
ser desviadas.
Os argumentos do deputado
não constituíam qualquer novidade, já que desde muito tempo tinha-se por consenso
que “lugar da mulher é no ambiente doméstico e submissa ao homem”. Do
anteriormente exposto, há que se destacar a necessidade dos debatedores de
apresentarem publicamente seus argumentos contrários à formação dos clubes e à
participação feminina nos movimentos de caráter político. Deste modo, podemos dizer
que, apesar de terem se tornado tema das discussões bem depois de outros
grupos, a mulheres “acabaram entrando na agenda, e o que foi dito a seu
respeito” ao tempo da Revolução, e notadamente em relação aos direitos, “teve
impacto que dura até o presente”.
(...)
Durante o processo revolucionário na França a imprensa
passou a gozar de liberdade nunca experimentada... As mulheres aproveitaram o
momento, se empolgaram e publicaram livros e panfletos na defesa de seus
direitos.
Se na Inglaterra e na França a questão dos direitos das mulheres passou
a fazer parte das discussões públicas, nos Estados Unidos houve pouca
empolgação. Lynn Hunt destaca que até antes de 1792 não se produziu naquele
país textos relevantes como os de Condorcet, Olympe de Gouges ou Mary Wollstonecraft.
Há que se destacar que mesmo na Inglaterra anterior à
publicação de “Vindication of the Rights of Woman”, de 1792, quase não se levava
em consideração a questão das mulheres. A própria autora tornou-se mais atenta
ao tema depois de escrever “Vindication of the Rights of Men”, de 1790, em
consequência dos acontecimentos na França e contra a crítica de Burke aos “Direitos
do Homem”. Sua publicação de dois anos depois é consequência das reflexões
sobre a polêmica em torno da Declaração de agosto de 1789, e podia ser
encontrada nas bibliotecas particulares de norte-americanos em maior número do
que “Os direitos do homem”, de Paine.
Apesar da reticência de autores como Paine, vários eventos sociais e
revistas do começo do século XIX nos Estados Unidos (o livro cita “sociedades
de debates, discursos de formatura”) passaram a enfatizar a exclusão da mulher do
direito de voto, restrito aos homens.
(...)
Parecia mesmo que os direitos políticos das mulheres não avançariam na
França revolucionária... Em contrapartida, logo que a legislação passava a
legitimar qualquer conquista elas partiam para as ações concretas que tornavam
possível o exercício do direito adquirido. Foi assim que cortes francesas
ficaram abarrotadas de processos que exigiam o direito à “herança igual” já
garantido pela legislação. Mais uma vez percebemos um exemplo de como o “direito
a ter direitos”, em vez de ser resultado da concessão de autoridades, se
relaciona à consciência de classe/grupo social e a insistente luta na sociedade.
O início dessa postagem nos
leva a concluir que após 1793 as mulheres sofreram maior repressão “no mundo
oficial da política francesa”... Todavia a reivindicação dos grupos políticos
femininos não foi sufocada completamente. O livro cita fragmentos de artigo de
Constance Pipelet (poetiza e dramaturga que tempos depois foi chamada de
Constance de Salm), de 1800, em que tratou a respeito de “De la condition des
femmes dans les Republiques”, de Charles Théremin... O referido artigo lamenta
o fato de o movimento revolucionário inspirado pelas ideias iluministas não ter
avançado em relação aos direitos “da outra metade da humanidade”:
“É
compreensível que (no Antigo Regime) não se acreditasse necessário assegurar a
uma metade da humanidade metade dos direitos ligados aos seres humanos; mas seria
mais difícil compreender que se tenha podido deixar inteiramente de reconhecer
(os direitos) das mulheres durante os últimos dez anos, naqueles momentos em
que as palavras igualdade e liberdade ressoavam por toda parte, naqueles
momentos em que a filosofia, ajudada pela experiência, iluminava sem cessar o
homem a respeito de seus verdadeiros direitos”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/02/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_18.html
Leia: A
Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto