sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

“Rei do Congo – A mentira que virou folclore”, de José Ramos Tinhorão – fragmentos de inícios de cartas do manicongo e de D. Manuel; inconformismo e limitações de D. Afonso do Congo em relação aos abusos de portugueses mal intencionados em ação na África; fragmento da carta de 1526 a D. João III; o “jogo de enganos”

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/02/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore.html antes de ler esta postagem:

Em suas cartas ao monarca português, o rei cristão do Congo colocava-se sempre na condição de humilde aliado “inferior” a espera de favores e como quem sabia da necessidade e importância de tratá-lo com mesura. Influenciado pelo estilo contido e formal de D. Manuel, o manicongo parecia se esforçar na observação do rigor da formalidade.
Na sequência apresentamos pequenos fragmentos que nos revelam um pouco dos tratamentos dispensados pelos monarcas em suas missivas.
(...)
* Início da carta de D. Manuel (1512) por ocasião da apresentação de seu embaixador, Simão da Silveira, para o Congo:

                   “Muito poderoso e excelente rei do Manicongo. Nós D. Manuel pela graça de Deus rei de Portugal, Guiné vos enviamos muito saudar”...

* Início da carta de D. Afonso (1514) por ocasião de suas denúncias sobre a atuação nociva do governador da ilha de São Tomé:

                   “Muito alto e poderoso príncipe e senhor. Nós. D. Afonso por graça de Deus rei do Congo e senhor dos Ambundos, etc. (...) com aquele acatamento e reverência que de rei a rei devemos fazer”...

(...)
Um estudo mais apurado das cartas de D. Afonso I ao rei português nos revelaria que ele sempre se dirigia em tom subalterno. Talvez experimentasse certa condição de paridade ao fazer referências aos deveres e “princípios cristãos” que ele e o monarca português tinham em comum.
Tinhorão cita fragmento de carta de 1526 (a D. João III) em que o rei do Congo relata ações de franceses na costa do país e a postura extremamente inadequada de portugueses preocupados apenas em “mercadejar e vender suas coisas mal havidas”. O fragmento corrobora o que citamos anteriormente:

                   “Por que pedimos a V. A. por amor de Jesus Cristo nos queira ajudar e favorecer em tudo o que o dito e por muitas vezes pedido temos, pois é tanto serviço de Deus e seu, e tudo carrega sobre sua consciência; porque nós não é mais poder, que o qual de com tino (de contínuo) fazemos e obramos. E o que a nós cabe recomendar podemos sem outro adjutório, nós o temos feito e cumprido, mas aquilo que sem ajuda e favor de V. A. fazer não podemos, disso lhe pedimos o remédio, como a quem de direito pertence”.

(...)
De 1511 a 1557 D. Afonso I do Congo manteve correspondência com os reis de Portugal. D. Manuel e D. João III receberam cartas suas que, de modo geral, manifestaram pedidos de apoio e o interesse de firmar as trocas típicas dos tratados que visam o fortalecimento das economias que fazem acordo.
Verifica-se que o rei do Congo tinha consciência do quanto a ganância dos comerciantes portugueses prejudicava a aliança dos africanos com o país europeu. Ao colocarem seus interesses particulares acima dos da própria nação mostravam-se preocupados apenas com o enriquecimento instantâneo, mesmo que para isso tivessem de fazer acertos com espoliadores estrangeiros. De sua parte, Afonso I do Congo fez tudo o que podia para evitar que o propósito inicial da aliança com Portugal desse em fiasco.
O rei do Congo denunciou as tratativas dos portugueses aliados de Fernão de Melo, governador da ilha de São Tomé, com os patrícios que chegavam para as práticas comerciais. Esses, tão logo adentravam o continente, passavam a se dedicar ao tráfico clandestino de escravos e a outras práticas que inviabilizavam os negócios oficiais.
(...)
Para Tinhorão a relação Portugal-Reino cristão do Congo estava mais para um “jogo de enganos” e as cartas trocadas entre os monarcas apenas escancaravam as disparidades. A igualdade que o manicongo imaginava na verdade era apenas artificial... Do lado português, a serenidade superior; do lado africano “a agoniante exposição de queixas”.
Leia: Rei do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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