Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/02/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_18.html antes
de ler esta postagem:
Após
a queda de Napoleão, que para muitos marca o “fim da era revolucionária”, a
questão do nacionalismo tornou-se fundamental para os debatedores dos direitos.
O chamado período revolucionário (1789-1815) conheceu o confronto de duas “autoridades”:
os “direitos do homem” e a “sociedade hierárquica tradicional”. Ambas
levantavam suas premissas invocando sua legitimidade no contexto de nação e
identidade sem relacioná-las a conteúdos de etnicidade.
Os que defendiam os “direitos do homem” não os vinculavam à
nacionalidade... Os direitos “não dependiam de nacionalidade”. Assim, falava-se
de direitos levando-se em consideração que eles deviam ser aplicados a “todo
homem”, ou seja, havia uma conotação mais “universal”...
De modo diferente pensavam
os que se alinhavam ao pensamento de Edmund Burke, para quem a nação era
resultado da estrutura vigente na “sociedade hierárquica”. Nesse sentido, o
direito de liberdade, por exemplo, “só podia ser garantido por um governo
arraigado na história de uma nação, com ênfase na história”. De acordo com este
pensamento, é na história da nação se conhecem as tradições mais arraigadas, de
onde nascem os direitos... E, ainda segundo essa vertente, apenas a partir
delas (as tradições e práticas mais antigas) é que os direitos poderiam
funcionar.
Para Burke, a declaração aprovada pelos franceses “não
tinha força emocional suficiente para impor obediência”... Argumentava-se
basicamente que os defensores dos “direitos do homem” desprezaram “a
importância da tradição e da história”, já que a defesa que faziam
sustentava-se em “abstrações metafísicas”. De modo jocoso, o filósofo provocava
ao questionar como podiam comparar os “pedaços miseráveis de papel borrado” (as
atas da assembleia e a própria Declaração) ao:
“amor a Deus, ao
amor reverente aos reis, ao dever com os magistrados, à reverência aos padres e
à deferência para com os superiores”.
Já que os revolucionários defensores dos “direitos do
homem” desdenharam de toda tradição, teriam de lançar mão da violência para
garantir o poder... Burke fazia essas observações ainda em 1790, no calor mesmo
da empolgação dos franceses com o princípio da revolução... Passaram-se três
anos, o Terror foi instalado e o rei terminou degolado... As palavras de Burke
pareciam antever o arquivamento da Declaração e o derramamento de sangue dos
que foram enquadrados como inimigos.
(...)
Como vimos em postagens anteriores, os acontecimentos de 1789 na França,
e notadamente a aprovação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
foram enaltecidos pelos defensores dos direitos em toda Europa e nos Estados
Unidos. Mas, de fato, os acontecimentos de 1793-1794 provocaram uma divisão na
opinião pública. Como não podia deixar de ser, as monarquias se posicionaram
contra a execução do rei francês e a instauração da República...
O livro destaca que Thomas Paine foi julgado por um tribunal que o
considerou “culpado de sedição por atacar a monarquia hereditária na segunda
parte de ‘Os direitos do homem’”... Não lhe restou alternativa a não ser fugir
da Inglaterra e instalar-se na França. Aliás, o governo inglês iniciou forte
campanha de oposição e perseguição a todos os que defendiam os ideais
revolucionários franceses.
(...)
Também nos Estados Unidos
houve pressão sobre a ideia de defesa plena dos direitos. Em 1798 o Congresso “aprovou
a Lei dos Estrangeiros e da Sedição para limitar as críticas ao governo
americano”. A instabilidade social e política que envolveu a atmosfera francesa
outrora carregada de esperanças num modelo em que se valorizava as liberdades
individuais e os direitos, provocou desconfianças e críticas abertas às
mudanças mais drásticas.
O livro cita John Robinson,
professor de filosofia natural em Edimburgo, e seus comentários de 1797 que, em
síntese, atacavam...
“essa máxima maldita, que agora
ocupa toda mente, de pensar continuamente em nossos direitos e exigi-los
ansiosamente de toda parte”.
Para Robinson, as sedições políticas na Escócia e a instabilidade resultante
da guerra entre a França e seus vizinhos na Europa podiam ser entendidas a
partir da “obsessão dos direitos” que se verificava por toda parte e ameaçava
seriamente o velho mundo.
Havia críticos dos direitos
ainda mais radicais do que o citado Robinson... Os monarquistas
contrarrevolucionários obviamente eram os mais exaltados. Um deles, Louis de
Bonald, filósofo declaradamente contrário ao Iluminismo, dizia que:
“a revolução começou com os direitos do homem e só
terminará quando os direitos de Deus forem declarados”.
Para o Visconde de Bonald a declaração dos
direitos só podia ter sido resultado da “má influência” do movimento iluminista
e carregava em seu bojo outras perversidades como “o ateísmo, o protestantismo
e a maçonaria”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/02/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_28.html
Leia: A
Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um
abraço,
Prof.Gilberto