quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – questão da nacionalidade nas discussões dos defensores dos direitos e entre os que valorizavam a sociedade hierárquica tradicional; críticas de Edmund Burke aos avanços dos direitos impulsionados pelos revolucionários e à Declaração francesa; vaticínio sobre uma época de violência; a fase do Terror na França e o crescimento da oposição à revolução e aos direitos; críticas de John Robinson e do Visconde de Bonald

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/02/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_18.html antes de ler esta postagem:

Após a queda de Napoleão, que para muitos marca o “fim da era revolucionária”, a questão do nacionalismo tornou-se fundamental para os debatedores dos direitos. O chamado período revolucionário (1789-1815) conheceu o confronto de duas “autoridades”: os “direitos do homem” e a “sociedade hierárquica tradicional”. Ambas levantavam suas premissas invocando sua legitimidade no contexto de nação e identidade sem relacioná-las a conteúdos de etnicidade.
Os que defendiam os “direitos do homem” não os vinculavam à nacionalidade... Os direitos “não dependiam de nacionalidade”. Assim, falava-se de direitos levando-se em consideração que eles deviam ser aplicados a “todo homem”, ou seja, havia uma conotação mais “universal”...
De modo diferente pensavam os que se alinhavam ao pensamento de Edmund Burke, para quem a nação era resultado da estrutura vigente na “sociedade hierárquica”. Nesse sentido, o direito de liberdade, por exemplo, “só podia ser garantido por um governo arraigado na história de uma nação, com ênfase na história”. De acordo com este pensamento, é na história da nação se conhecem as tradições mais arraigadas, de onde nascem os direitos... E, ainda segundo essa vertente, apenas a partir delas (as tradições e práticas mais antigas) é que os direitos poderiam funcionar.
Para Burke, a declaração aprovada pelos franceses “não tinha força emocional suficiente para impor obediência”... Argumentava-se basicamente que os defensores dos “direitos do homem” desprezaram “a importância da tradição e da história”, já que a defesa que faziam sustentava-se em “abstrações metafísicas”. De modo jocoso, o filósofo provocava ao questionar como podiam comparar os “pedaços miseráveis de papel borrado” (as atas da assembleia e a própria Declaração) ao:

                   “amor a Deus, ao amor reverente aos reis, ao dever com os magistrados, à reverência aos padres e à deferência para com os superiores”.

Já que os revolucionários defensores dos “direitos do homem” desdenharam de toda tradição, teriam de lançar mão da violência para garantir o poder... Burke fazia essas observações ainda em 1790, no calor mesmo da empolgação dos franceses com o princípio da revolução... Passaram-se três anos, o Terror foi instalado e o rei terminou degolado... As palavras de Burke pareciam antever o arquivamento da Declaração e o derramamento de sangue dos que foram enquadrados como inimigos.
(...)
Como vimos em postagens anteriores, os acontecimentos de 1789 na França, e notadamente a aprovação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, foram enaltecidos pelos defensores dos direitos em toda Europa e nos Estados Unidos. Mas, de fato, os acontecimentos de 1793-1794 provocaram uma divisão na opinião pública. Como não podia deixar de ser, as monarquias se posicionaram contra a execução do rei francês e a instauração da República...
O livro destaca que Thomas Paine foi julgado por um tribunal que o considerou “culpado de sedição por atacar a monarquia hereditária na segunda parte de ‘Os direitos do homem’”... Não lhe restou alternativa a não ser fugir da Inglaterra e instalar-se na França. Aliás, o governo inglês iniciou forte campanha de oposição e perseguição a todos os que defendiam os ideais revolucionários franceses.
(...)
Também nos Estados Unidos houve pressão sobre a ideia de defesa plena dos direitos. Em 1798 o Congresso “aprovou a Lei dos Estrangeiros e da Sedição para limitar as críticas ao governo americano”. A instabilidade social e política que envolveu a atmosfera francesa outrora carregada de esperanças num modelo em que se valorizava as liberdades individuais e os direitos, provocou desconfianças e críticas abertas às mudanças mais drásticas.
O livro cita John Robinson, professor de filosofia natural em Edimburgo, e seus comentários de 1797 que, em síntese, atacavam...

                   “essa máxima maldita, que agora ocupa toda mente, de pensar continuamente em nossos direitos e exigi-los ansiosamente de toda parte”.

Para Robinson, as sedições políticas na Escócia e a instabilidade resultante da guerra entre a França e seus vizinhos na Europa podiam ser entendidas a partir da “obsessão dos direitos” que se verificava por toda parte e ameaçava seriamente o velho mundo.
Havia críticos dos direitos ainda mais radicais do que o citado Robinson... Os monarquistas contrarrevolucionários obviamente eram os mais exaltados. Um deles, Louis de Bonald, filósofo declaradamente contrário ao Iluminismo, dizia que:

                   “a revolução começou com os direitos do homem e só terminará quando os direitos de Deus forem declarados”.

Para o Visconde de Bonald a declaração dos direitos só podia ter sido resultado da “má influência” do movimento iluminista e carregava em seu bojo outras perversidades como “o ateísmo, o protestantismo e a maçonaria”.
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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