Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/02/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_12.html antes
de ler esta postagem:
Ainda
em relação à condição de inferioridade e de constantes solicitações e queixas
do mani cristão africano expostas em suas cartas ao rei de Portugal, o livro
cita o documento de 26 de maio de 1517 em que D. Afonso I do Congo consultava
D. Manuel e pedia-lhe “permissão para comprar um navio destinado a seu
serviço”... O caso é que, como sabemos, as embarcações enviadas desde Portugal
com destino ao Congo eram barradas na ilha de São Tomé e tinham as mercadorias
espoliadas. Na mesma carta percebemos que o rei do Congo já antevia resposta
negativa e por isso acrescentava a observação: “E caso que não, faça-me mercê
de um alvará que todos os navios que a meu reino vierem possa meter certas
peças (escravos) sem delas pagar direitos”.
De fato, D. Manuel não se sensibilizou nem mesmo com o pedido reiterado
por seu aliado africano um mês depois... Não só negou como deu a entender que
não podia (ou não queria) mensurar a gravidade do caso exposto, e respondeu que
“o aliado sempre podia contar com todos os navios de Portugal”.
Já em carta de 6 de junho de 1526 ao rei D. João III,
D. Afonso I do Congo chamava a atenção para a gravidade da situação de seu
reino que, ao que tudo indicava, se encaminhava para triste fracasso perante:
“A muita soltura que
vossos feitores e oficiais dão aos homens e mercadores de virem a este reino
assentar com lojas, mercadorias e coisas muito por nós defesas, as quais
espalham por nossos reino e senhorios em tanta abundância que muitos vassalos
que tínhamos à nossa observância se levantam dela, por terem as coisas em mais
avanço que nós”...
“E não
havemos este dano por tamanho como é que os ditos mercadores levam cada dia
nossos naturais filhos da terra e filhos de nossos fidalgos e vassalos e nossos
parentes porque os ladrões e homens de má consciência os furtam com desejo de
haver assim as coisas e mercadorias deste reino que são desejosos, as furta e
lhes trazem a vender, em tanta maneira Senhor é esta corrupção e devassidade
que nossa terra se despovoa toda, o que Vossa Alteza não deve haver por bem nem
seu serviço”.
Estava claro que muitos portugueses se aventuravam pelas terras africanas
e, sem qualquer fiscalização oficial, se envolviam em negócios próprios do
comércio “desleal”... O reino se esfacelava, os súditos deixavam de prestar
qualquer obediência, debandavam e ao mesmo tempo sofriam as mais diversas
espoliações dos estrangeiros. D. Afonso I do Congo esperava que o aliado
português interviesse de alguma maneira para, assim, evitar a completa
deterioração política entre os dois países.
Em outra carta para D. João III, datada de 4 de dezembro de 1540, D.
Afonso do Congo passou a ser mais incisivo em suas advertências e invocou que o
monarca aliado português se atentasse para as responsabilidades que lhe
cabiam... Fez isso salientando o peso do Congo para as rendas que Portugal
auferia na região:
“todo o mais Guiné a uma parte, e só o Congo a outra, e
veja-se de onde mais proveito aos seus tributos vêm, e achar-se-á só o Congo
mais render que todos os mais rios juntos”.
A essa altura, o já
envelhecido rei do Congo não tinha a menor ideia de que o aliado português avançava
sobre outras terras, interessando-se pelas riquezas do Oriente, e que a época
de ouro da amizade havia ficado para trás. A carta de 17 de dezembro do mesmo
ano faz referência a esse tempo em que:
“os pilotos e capitães dos navios
quando vinham a este reino nosso e porto tinham um bem ensinado cumprimento
conosco, que tanto que o navio chegava nos enviavam recado se alguma coisa ao
nosso serviço do dito navio cumpria, e agora nem quando vêm nem quando se vão a
mim fazem, o que nos dá muita pena não sei se o causa a Vossa Alteza”.
Na mesma carta, D. Afonso do Congo relata um episódio durante as
celebrações da Páscoa em que um religioso português tramou atentado contra
ele... A antiga ideia de um reino cristão na África que proporcionasse recursos
e apoio na luta contra os “infiéis” parecia ter definhado de vez:
“Já
escrevemos a Vossa Alteza que o virtuoso padre frei Álvaro querendo dar fim a
nossa vida ordenou em dia de Páscoa com sete ou oito homens brancos, estando
nós ouvindo missa tirassem todos com as suas espingardas e que a honra da festa
matassem nossa pessoa diante daquele verdadeiro salvador do mundo a quem prouve
de tamanho perigo e tão miraculoso nosso meirinho mor, que junto com a pessoa
estava e daí foi matar um homem e ferir dois outros e tudo isto não é outra
coisa senão que eu morra para eles fazerem outro rei que quiser”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/02/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_17.html
Leia: Rei
do Congo. Editora 34.
Um
abraço,
Prof.Gilberto