quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

“Rei do Congo – A mentira que virou folclore”, de José Ramos Tinhorão – a morte do D. Afonso do Congo, o fim da farsa, sucessões de breves reinados; retomando o Regimento outorgado por D. Manuel; um pouco sobre a “carta das armas”; símbolos “à europeia”; procedimentos em relação aos oficiais artesãos e servidores no reino do Congo; conselhos e orientações para os casos de litígio


No final da última postagem sobre “Rei do Congo” temos um trecho da carta do D. Afonso do Congo datada de 17 de dezembro de 1540 ao rei D. João III... No fragmento podemos notar sua indignação em relação ao atentado que tramaram contra ele durante as celebrações da Páscoa... Tal episódio nos revela um pouco do quanto o manicongo viveu a buscar conciliações com grupos oponentes durante as três décadas de seu “reinado”.
Ele morreu no ano seguinte e logo após a antiga tradição local foi restaurada... Isso quer dizer que passou a valer os laços políticos entre as famílias que possuíam antigos vínculos para a definição do manicongo... Desde a morte de D. Afonso do Congo até o final do século XVIII o território africano não experimentou outro reinado como o que havia sido planejado “à europeia” pelos portugueses. Em vez de reinados duradouros, quase cinquenta reis se sucederam no Congo num período que não chegou a totalizar cento e cinquenta anos.

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A questão do “Regimento Outorgado” por D. Manuel é retomada por Tinhorão...

Uma vez adotado o Regimento pelo rei do Congo, o modelo outorgado por Portugal disfarçava a condição de submissão dos africanos que se entendiam aliados do poderoso país europeu.
O autor destaca que Simão da Silveira foi encarregado de entregar pessoalmente o documento a D. Afonso, todavia não chegou a fazê-lo porque foi barrado em São Tomé, onde o governador e seus agregados tramavam intrigas e planos diversos para tornar o Congo uma área de fácil controle para eles.
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Alguns detalhes do Regimento foram expostos em postagens anteriores e nos dão uma ideia do tipo de organização que os portugueses pretendiam impor à “casa real congolesa”... Além da constituição de uma nobreza, o documento estabelecia determinadas funções e cargos reais fundamentais para o “melhor arranjo” do governo. Como salientado anteriormente, planejava-se um reino “à europeia” e mais especificamente “à portuguesa”.
O documento orientava a respeito de como funcionários administrativos e a gente do povo devia se portar no “caminho para onde o rei estiver”... Explicava em detalhes a importância da “Carta de Armas” e a necessidade de nela se registrar a conversão do mani ao cristianismo e seus vários feitos. Essa “Carta de Armas” era como um “certificado” que tinha também a intenção de garantir que os sucessores do rei se mantivessem no propósito da cristandade e dele jamais se apartassem.
Dessa forma o Regimento justificava a necessidade do selo das armas e do sinete:

                   “Item. O selo das armas que lhe enviamos, e assim o sinete, lhe direis como o costumamos, e com isso são seladas as nossas cartas que assinamos das mercês e privilégios para darmos aos fidalgos e pessoas que nos servem bem”.

Alguns detalhes a respeito da aplicação do Regimento não escondiam “as intenções ideológicas”. Tinhorão cita o trecho abaixo:

                   “Item. Levais um caderno de todos os oficiais (artesãos e servidores) que temos em nossa casa, e assim em nossos reinos, e o que cada um faz por bem do seu ofício; assim em grosso dar-lhe-eis de tudo conta, para, se ele o quiser assim meter em uso em seus reinos, e quando fazer metê-lo em ordem, porque teremos prazer de assim se fazer, e assim lhe daremos conta do modo de serviço da nossa terra, para ele poder se acostumar, se disso lhe prouver”.

O Regimento contava trinta itens... Parte deles evidenciava a preocupação de D. Manuel em relação à ordem, bons costumes na vida em sociedade, na administração e nos campos político e da economia do Congo. Dessa forma, entre as recomendações havia “os conselhos de bom comportamento ético e moral para servidores e religiosos portugueses”... Sobre este ponto, ressaltava-se que o passado de cada agente era investigado para que eventuais erros não ficassem sem o devido castigo.
Um trecho específico tratava da relação com os nativos e a necessidade de manter a ordem e a amistosidade. Os casos de litígios também eram previstos pelo Regimento e a orientação lançava mão do “rigor previsto nas Ordenações”:

                   “tomando por fundamento que isto se deve agora neste começo fazer de maneira que não recebam escândalo, e se meta em uso o mais docemente que se pode fazer”.

Leia: Rei do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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