Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/02/deus-lhe-pague-peca-de-joracy-camargo-o.html antes
de ler esta postagem:
Barata
sentiu que ganhara muito ao conhecer o velho... Percebeu que podia aprender com
ele e que, apesar de o ter conhecido há pouco, avaliou que sua vida de pedinte
podia mudar para a melhor. O outro até se dispunha a lhe proteger! Mas Barata
viu que já era tarde e deu a entender que deviam se despedir.
O velho não concordou e respondeu que ainda era cedo. O Barata imaginou
que o companheiro fosse mais pragmático e argumentou que àquela hora ninguém
mais passaria por ali. Como não? A vida passa! Foi isso o que o outro postulou
enquanto Barata salientou que “a vida não dá esmolas”.
(...)
Mais uma vez em tom
professoral, o velho devolveu que a vida dá a grande esmola da experiência. Como
explicar que um homem rico como ele desperdiçasse seu tempo nas ruas, e
principalmente àquela hora? Poderia aproveitar o conforto de sua casa! Ele apontou
para a própria cabeça e sentenciou que carregava nela o seu conforto.
Nem precisamos registrar que Barata continuava a se
espantar a cada frase do camarada... Perguntou-lhe se não pensava em morrer...
Ele respondeu que não pensava nem em morrer nem em viver, e era como se tivesse
atingido a “perfeição do cavalo”, o mais feliz dos animais exatamente “porque
não sabe que vai morrer”. O “aprendiz” sorriu e disse que, então, se lhe fosse
permitida reencarnação, pediria para ser um cavalo... O velho o saudou com um “bravo!”
e emendou que Menandro, poeta grego do século IV a.C dissera o mesmo.
(...)
Mas será possível que além de toda aquela filosofia o velho ainda sabia
das artes ensinadas pelos livros clássicos? Sobre isso, ele revelou que sabia
muito mais porque, quando não estava a pedir esmolas, passava o tempo em
leituras. Fez questão de dizer que o ato de ler se equivale ao de esmolar, pois
o leitor nada mais é do que um “pobre de espírito” que pede esmola às “inteligências
opulentas”...
Barata começou a entender que o velho não se importava
com o adiantado da hora porque gostava de uma boa conversa. E pelo menos neste
ponto ele acertou, já que o outro manifestou que “conversar é o melhor prazer
da vida” e por isso sentia pena dos mudos.
Barata deve ter balançado a cabeça, pois na sequência voltou a sugerir
que deviam ir embora. Mais uma vez o velho se opôs... Por que deviam sair se
estavam tão bem ali? Em resposta ouviu que já era muito tarde e que certamente
sua o aguardava.
O velho adiantou que sua esposa nunca o esperava. Ele sim é que esperava
por ela. Ela retornaria à escadaria da igreja? Ele teve de explicar que não era
naquele sentido que “aguardava” a mulher. Falou ao Barata que a espera se dava
no “tempo”, pois sua esposa era ainda muito jovem enquanto ele já era um velho...
Aguardava em sua velhice o momento em que ela chegasse à maturidade para assim
viverem felizes... Obviamente isso também causou espanto ao Barata que quis
saber se aquela espera duraria muito tempo. A resposta pareceu-lhe ainda mais espantosa
porque o companheiro garantiu que a vivência dela com ele proporcionaria o “envelhecimento”.
Isso ocorreria tão logo mudasse a mentalidade... Para ele algo possível, já que
“a velhice é contagiosa” e, uma vez “envelhecido o espírito da mulher”, sua “mocidade”
não resistiria.
(...)
Barata ficou sabendo que a
mulher do velho tinha apenas vinte e oito anos e que já “pensava como ele”. O mais
surpreendente, conforme o próprio velho mendigo, era o ter conseguido conciliar
“mulher e velhice”. Segundo ele, as mulheres agem como se pudessem ”viver eternamente”.
Elas não têm o hábito de pensar sobre o amadurecimento, as rugas e cabelos
brancos, enquanto vivem a plenitude da mocidade.
Seria o caso de saber se a
mulher estava preparada para aquele complexo amadurecimento... O velho observou
que certamente ela não estava conformada, mas aos poucos se sentia mais
preparada para “receber os primeiros sinais da velhice”. Envelhecer não é
castigo! Chegar à essa conclusão deve ser uma grande felicidade para qualquer
pessoa. A realidade da velhice pode proporcionar a consciência para uma vida
mais pura ou “menos impura”. Concluiu ainda que sua mulher tinha medo de “ser
moça” em sua presença.
As
surpresas não pararam por aí... Como aquele estranho homem conseguiu aquela
proeza com a mulher que era tão diferente dele? O velho disse que o seu
protegido não devia ficar assustado com aquilo porque há lugares no mundo desenvolvido
onde se fabricam objetos que são reprodução de antigas raridades, e com a mesma
precisão e perfeição.
Como podia comparar a confecção de objetos à
transformação da personalidade da própria esposa? Sobre isso, ele respondeu que
as mulheres podem ser entendidas como “preciosidades” que se tornam “objetos raros”
conforme as transformamos. Argumentou que tal exercício não era difícil porque
a convivência com ele, um “espírito mais forte”, ainda que “deformado”,
resultaria no aprendizado ideal... E completou que “onde há o maior, cessa o
menor”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/02/deus-lhe-pague-peca-de-joracy-camargo-o_9.html
Leia: “Deus
lhe pague”. Ediouro.
Um
abraço,
Prof.Gilberto