Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/02/deus-lhe-pague-peca-de-joracy-camargo-o_9.html antes
de ler esta postagem:
Péricles
não gostou nem um pouco de saber que Nancy compreendia a vida tal como o velho
lhe ensinara... Por isso disse que ele era terrível. Ela não concordou e
emendou que o velho era muito bom e inteligente... Muitas vezes acontecia de se
perceber admirando os cabelos brancos dele. Como não ficar encantada, pois ele
só pensava e falava dela, e para ela, o tempo todo?
O rapaz não escondeu o seu ciúme e chamou-o de
“egoísta”. E acrescentou que o mesmo adjetivo servia para ela também. Nancy
discordou completamente de Péricles e confessou que o velho não a queria para
ele propriamente, pois vivia a dizer-lhe que ela devia pertencer unicamente a
si mesma. Sempre que pedia que a beijasse, dizia que devia beijar a si mesma,
os próprios braços, e dessa forma ela poderia ter a certeza de que dispensava
carinho a uma mulher verdadeiramente linda. Quem poderia experimentar tal
prazer? Também por isso Nancy mostrava que podia se sentir privilegiada.
Péricles concluiu e
manifestou à Nancy que o velho era “idiota e perverso”... Ela argumentou que
nascera só. Podemos entender aí que se tratava de um tipo com passado bem
carente. O rapaz continuou a mostrar-se indignado e quis dizer que aquilo era
mais um motivo para ela mudar de vida. Como não se incomodar por viver com um
velho? A mulher respondeu que vivia na casa de um velho, o que é bem
diferente...
Ao que parece as últimas palavras dela o irritaram
profundamente, tanto é que se despediu e virou-se em direção à porta. Ele só
voltou porque Nancy riu-se a valer enquanto pedia para que ficasse. Em meio ao
riso, disse-lhe que precisava saber que dizia aquelas coisas “de brincadeira”.
Péricles não deixou por menos... Quer dizer que por seis horas a sua pretendida
estivera a brincar com a conversa que ele julgava das mais sérias?
Seis horas não representam muito tempo... É pouco,
sentenciou Nancy. O moço estranhou... Ela sugeriu que se sentassem e confirmou
que achava pouco tempo em comparação aos três anos que já vivia com o velho.
Péricles exclamou que aquilo só podia ser um verdadeiro horror...
(...)
Depois que se acomodaram no divã, Nancy explicou que
levava uma vida filosófica com o velho... Quis saber se o jovem enamorado sabia
que o velho era um filósofo. Péricles concordou que, pelo ar sereno que o outro
ostentava, bem podia ser verdade que fosse filósofo. Ao seu modo, Nancy soltou
uma explicação sobre o que entendia por filosofia: “a gente diz o que sente; os
outros sentem o que a gente não diz; e, afinal, a gente diz o que não sente e
sente o que não diz”.
O almofadinha fez cara de espanto e disse que não
havia entendido nada. Nancy quis mostrar que não havia problema e que não era
coisa que se devesse compreender. Justificou dizendo que “se todos
compreendessem, as grandes ciências, e, até a metafísica, passariam de moda,
como os tangos e os sambas”...
A confusão se estabeleceu de vez. Péricles quis saber
se, então estiveram apenas filosofando o tempo todo. Ela confirmou e disse que
tudo o que ele lhe dissesse seria respondido do mesmo modo que o velho a tudo
respondia, ou seja, filosoficamente.
(...)
O fim deste confuso diálogo
caiu como um alívio ao Péricles, que se adiantou a perguntar se a partir
daquele instante poderiam conversar como “dois ignorantes” que se gostam. Nancy
respondeu que podiam dialogar com sinceridade. Ele se antecipou para não
permitir que a conversa voltasse ao “campo filosófico” e disse que ao confessar
o seu amor estava sendo sincero. Precisava saber da parte dela.
Nancy respondeu que era
sincera ao dizer que não gostava de ninguém e que, mais do que isso, amava a
vida.
Péricles
disse que já havia lido aquele tipo de conteúdo de algum poeta. Mas, intrigado,
quis saber dela o que seria “amar a vida”. Nancy afirmou que não falava em
sentido poético e que pensava que “amar a vida” é simplesmente vivê-la bem. Depois
para ir direito ao ponto que interessava ao outro, resumiu a situação em quatro
palavras: “Você não tem dinheiro”!
Então era isso? O moço tomou coragem e sustentou que
tinha uma posição social e que seu futuro era dos mais brilhantes. Nancy respondeu
que aquilo já passara de moda e que no momento o que contavam eram os
“presentes de brilhantes” e acrescentou que “brilhantes, só como presente; como
adjetivo, nem para o futuro”.
Então era isso? Péricles
sustentou que poderia oferecer-lhe uma “situação na sociedade”, assim, juntos
aguardariam o futuro... Mas não conseguiu concluir porque ela o interrompeu
dizendo que ele era ingênuo demais. Não há futuro algum! Apenas passado e
presente! Disse ainda que “antigamente, o futuro dos moços era o presente dos
velhos”... Insistiu que no momento não se envelhece mais como os velhos e,
assim sendo, “o futuro foi abolido, provisoriamente”.
Era demais para o rapaz... Ele quase vociferou
que ela falava como os filósofos. Nancy respondeu que pensava “como ela mesma”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/02/deus-lhe-pague-peca-de-joracy-camargo_19.html
Leia: “Deus
lhe pague”. Ediouro.
Um
abraço,
Prof.Gilberto