Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/01/deus-lhe-pague-peca-de-joracy-camargo_21.html antes
de ler esta postagem:
No
início do segundo ato vemos os dois mendigos diante da mesma igreja... Cada um
posicionou-se num extremo da escadaria. Em silêncio coletam os donativos dos
últimos fiéis que deixam o templo religioso que aos poucos tem suas luzes
internas apagadas.
(...)
Barata quis saber quanto o companheiro havia arrecadado... O outro
respondeu que recebera duzentos e noventa e seis mil e quatrocentos réis. E o
colega? Barata revelou que ainda não havia feito a contagem... O velho advertiu
que não devia mesmo contar. A contagem do arrecadado tornava mendigos
suspeitos. Aquilo era uma desmoralização!
Mas como ele podia dizer
aquilo se tinha feito a própria contagem? O velho explicou que fazia a soma
conforme recebia as esmolas... Algo “de cabeça”, e isso se torna interessante
porque, dessa forma, os transeuntes ficam sem saber quanto o pobre coitado
recebeu. De outra forma poderiam ficar com inveja por levarem no bolso bem
menos que ele. O bom mendigo devia saber que deve exibir algumas moedas em seu
chapéu, pois elas sempre incentivam os altruístas a doarem outras.
Barata ouviu e deu a entender que seguia o método,
pois respondeu que sempre deixava seiscentos réis à mostra no chapéu. O velho
redarguiu que devia deixar mais... Se o transeunte via apenas níqueis, seria
levado a doar outros níqueis. O mais correto seria exibir duas ou três moedas
de prata. Isso é mais ou menos como nas listas de arrecadação/subscrições. Se o
primeiro é generoso, os próximos a assinar ficam constrangidos de fazê-lo por
valores menores.
(...)
Barata estava animado e queria contar a “féria”... Tinha certeza de que pela
primeira vez fizera excelente arrecadação. O velho insistiu que não devia
contar mais, e acrescentou que passaria a cuidar dele. Barata agradeceu e
revelou que os demais mendigos eram sempre maus com ele. O velho observou que
os mendigos eram desunidos e que precisavam “fundar um sindicato”, mas
independentemente disso o companheiro podia contar com a sua proteção.
O velho não queria agradecimentos... Explicou que, em
vez disso, queria “absoluta obediência”, sobretudo porque o seu último
protegido o decepcionara. Teria sido ingrato? O velho explicou com amargura em
sua voz que o rapaz havia sido idiota porque o desobedeceu. Um tipo que tinha
excelentes qualidades físicas e aparência ótimas para se dar bem como
mendigo... Era magro e tinha o rosto encovado, seus olhos eram fundos e tinha
cabelos finos e louros. Quem o visse logo imaginava um “filho de gente nobre
arruinada”. Mas o tipo “abandonou a carreira” ao aceitar um emprego público.
Barata não escondeu a admiração e emendou que o rapaz tinha tirado a “sorte
grande”. O velho deu de ombros e respondeu que o salário do outrora mendigo discípulo
chegava a mísero “conto e duzentos por mês”. Barata arregalou os olhos e
exclamou que se tratava de “belo ordenado”... O velho advertiu que, se pensava
daquela maneira, começava mal. O novo protegido acrescentou que o salário não
era “nada mal para um moço”.
Em tom professoral o velho disse que era “de moço” que devia começar a
mendigar... Lembrou das crianças de cinco e seis anos que já eram pedintes e
fez questão de garantir que elas seriam “notáveis mendigos” no futuro. O
mendigo deve começar cedo! Um conto e seiscentos é salário para os incapazes!
Além dessas máximas, o velho garantiu que os inteligentes jamais se contentam com
um salário ainda que alto. Apenas os “vencidos pela vida” se contentam com ordenados
fixos.
Os cargos públicos? Só servem
para inutilizar os homens! Quando são dispensados ficam perdidos sem saber a
quem recorrer, pois já não têm a proteção do Estado.
Ele acrescentou que era
decepcionante ver seu antigo protegido acompanhando cabisbaixo certos figurões
da República. Sua impressão era a de que devia estar arrependido, pois
certamente entendera que trocara a “falsa humildade” (do mendigo) por outra que
devia ser constantemente aperfeiçoada. Esse era o alto preço que tinha a pagar
se quisesse vencer.
Barata
quis entender... Vencer? O velho explicou que “vencer” para o rapaz era “vencer
na vida” conquistando postos sem a necessidade de lutar... Um “efeito sem causa”...
Barata emendou que se tratava de uma “vitória puxada a burros”.
O velho concordou. E comparou a situação com a
do os carros de antigamente que acabaram substituídos por táxis motorizados.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/02/deus-lhe-pague-peca-de-joracy-camargo.html
Leia: “Deus
lhe pague”. Ediouro.
Um
abraço,
Prof.Gilberto