Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/01/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_26.html antes
de ler esta postagem:
A
verdade é que, a princípio, quando os portugueses faziam referências a “rei” de
determinado povo que contatavam em suas viagens de expansão pela costa africana
durante a segunda metade do século XV não atribuíam ao termo (rei) as mesmas
definições que relacionavam aos monarcas europeus. Evidentemente os nativos vivenciavam
uma realidade histórica própria que nada tinha a ver com a dos brancos.
Para os portugueses, tal denominação se devia ao fato de entenderem que
os chefes locais estavam “investidos de poder”, já que várias tribos lhes
deviam obediência e, sendo assim, possuíam autoridade. Não foi por acaso que,
genericamente, viam um rei em cada chefe africano. Por outro lado, essa
consideração bem podia ser explicada pela necessidade que tinham de identificar
“o rei local”, e faziam isso quase do mesmo modo quando expressamos que este ou
aquele é “rei das plantações”, “rei das matas”, “rei dos metais” porque
prevalece sobre os demais em situações determinadas.
(...)
Tinhorão esclarece que “a
designação de rei para os chefes africanos” foi apontada em 1471 pela primeira
vez numa trova do coudel-mor (capitão administrador da cavalaria) Fernão da
Silveira. Com o título “Coudel-mor por breve de uma retorta que mandou fazer a
senhora princesa quando a esposou” a trova foi incluída no “Cancioneiro de
Resende”.
O “breve” que aparece no título é um texto que explica
determinada cena teatral. O “breve” da trova de Fernão da Silveira esclarece “a
dança de uma ‘torta retorta’ com bailarinos vestidos de mouros”... De acordo
com o enredo, em determinado momento, um chefe africano se apresenta com um “A
mim rei de negro estar Serra Leoa” a fim de mostrar a todos “como seu povo
dança”. Para os portugueses, portanto, não podia haver maiores dificuldades em
se admitir que o “ser rei dos negros” indicava que ele exercia liderança ou
chefia em suas terras.
(...)
Em “O rei do Congo” há ainda o registro sobre o navegante João Afonso de
Aveiro que, por ocasião de seu retorno do “reino de Benin”, trouxe para junto
de D. João II...
“um
embaixador do ‘rei’ local, que lhe comunicara a existência, a 250 léguas da sua
região para o interior, de outro rei chamado Ogané, e tão poderoso que todos os
chefes vizinhos lhe deviam homenagem”.
Ressalte-se ainda que a ideia quase fixa de encontrar um rei em todo
chefe africano se relacionava à esperança de chegarem ao mítico Preste João. As
notícias sobre o dito Ogané (ver https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/06/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_3.html) agitaram o governo
de Portugal, que passou a consultar cosmógrafos que pudessem obter informações relativas
à sua identidade.
(...)
O Regimento de 1512, que foi idealizado para o reino do Congo, rompeu
com a antiga tradição de associar os chefes africanos a “reis” que podiam ser,
de alguma forma, elos entre os lusitanos e o “rei cristão” Preste João, de quem
se esperava duradoura aliança na luta contra os “infiéis”...
O Regimento “transformava”
o “ntotila” (chefe político e religioso do Congo), já convertido ao cristianismo
e batizado Afonso I, em um rei como os que os portugueses conheciam pela
Europa.
Logo de início percebeu-se
o problema da falta de escrita entre os africanos da região subequatorial. Então,
não por acaso o pessoal encarregado da diplomacia durante o reinado de D.
Manuel tratou de criar uma assinatura que deveria ser usada pelo rei do Congo
em suas cartas ao rei português. O livro reproduz a assinatura e a orientação regimental:
“Este é o sinal que parece a El-Rei
nosso Senhor que El-Rei de Manicongo deve fazer e assinar daqui em diante”.
O Regimento orientava o rei do Congo a nomear homens de sua confiança
para “cargos burocráticos” ou “serviços administrativos” nos mesmos moldes do
reino português e para isso apresentava longa lista dos cargos:
“item Mordomo-mor; item Veador da casa; item Trinchante;
item Copeiro-mor; item Copeiro-pequeno; item Ochão; item Manteeiro; item
Servidor de toalha...”
E mais orientou o Regimento... Como que a imitar
a organização de um reino europeu, sugeria-se que no Congo fossem criados
títulos de nobreza. O grau de parentesco em relação ao “rei” proporcionou
diversas dignidades: “duque de Bamba, duque de Sundi; duque de Sonho; duque de
Bata; marquês de Pungo...”
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/02/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_12.html
Leia: Rei
do Congo. Editora 34.
Um
abraço,
Prof.Gilberto