Definitivamente, ainda que em meio a tantos transtornos, Álvaro se tornava convicto dos sentimentos que nutria por Isabel... Procurava resistir, mas via-se completamente apaixonado por ela, e isso era algo do qual não tinha como se abster. A condição que todos enfrentavam era como que um consolo... Numa situação normal, em que a paz reinasse no Paquequer, teria muita dificuldade para suportar a infidelidade em relação à promessa que fizera ao fidalgo d. Mariz. Mas as circunstâncias eram as mais terríveis, e o rapaz entendia que todos sucumbiriam... Assim, imaginava que não seria desonroso confessar seus sentimentos “à borda do túmulo”.
(...)
O moço estava mergulhado nessas reflexões quando foi tocado por Peri...
O índio queria anunciar sua partida (despedida mesmo). Disse apenas que iria
para longe em busca de socorro e pediu a Álvaro que enterrasse suas armas no
caso de não retornar... E que, se o rapaz encontrasse sua cabeça na floresta, também
a enterrasse com as armas.
É claro que Peri teve de
explicar que lutaria abertamente contra os guerreiros aimoré e que, no combate
contra tantos, sua morte era uma forte possibilidade. O índio finalizou pedindo
que Álvaro amasse Cecília e que fosse bom para ela.
Depois Peri dirigiu-se à sala onde d. Antônio
permanecia acordado... Ele se aproximou de Cecília para contemplá-la. A menina
dormia, então o índio permaneceu no mais completo silêncio. Depois curvou-se
para beijar a franja (fimbria) do vestido de sua senhora... Uma lágrima correu
de seu rosto e caiu na mão de Cecília que, sonolenta, entreabriu os olhos e
pôde notar que o amigo se encaminhava até d. Mariz.
O pai de Cecília disse a Peri que o seu sofrimento era intenso pela
filha. Daria a própria vida para salvá-la... O índio disse que provavelmente
ela não aceitaria aquele sacrifício, pois era certo que o queria vivo...
Peri beijou a mão de d. Mariz e pediu que ele contasse
à menina sobre a sua partida sem revelar-lhe toda a verdade... Só então o
fidalgo ficou sabendo que Peri enfrentaria os aimoré sozinho e que a lógica do
goitacá vinculava a salvação de sua senhora ao seu sacrifício.
Os dois praticamente cochicharam... Mas d. Mariz não pôde esconder o seu
lamento ao ouvir o dedicado Peri... Morrer! Mas então seria impossível evitar
que o fiel amigo (e “devotado incondicional” à sua filha) padecesse? O índio
pediu que d. Mariz não se manifestasse... Cecília ouviu as últimas palavras que
trocaram e, mesmo sem forças, atirou-se aos pés do pai como que a pedir-lhe que
salvasse a vida de Peri.
D. Mariz entendeu o apelo da filha e disse a Peri que não aceitava
aquele ato extremo... Garantiu que nenhum membro de sua família aceitaria, e
explicou que apenas ele, o patriarca, deveria se submeter a tal sacrifício...
A decisão de Peri, nesse sentido, era ofensiva à honra do fidalgo. Ele se
sentiu acuado pela súplica de sua senhora e pela repreensão de d. Mariz... Por
um instante, enquanto olhava para aquelas duas pessoas tão importantes à sua
existência, a atitude desobediente a que estava determinado pesou-lhe na
consciência... Mas a seguir não pôde suportar a visão da mutilação de d.
Antônio e nem a de ferozes aimoré atacando aquela que lhe era mais preciosa do
que a própria vida.
Peri desesperou-se com o conflito psicológico...
Por um lado tendia a manter-se fiel a d. Mariz e a Cecília, mas estava disposto
a seguir o traçado de seu trágico destino para salvá-los. Enquanto apertava a
cabeça com as mãos, ouvia sua senhora implorar-lhe que não levasse a termo o
seu propósito... Também o pai dela garantia que ele deveria permanecer até que
chegasse o momento da morte de todos.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/10/o-guarani-de-jose-de-alencar-peri_4.html
Leia: O guarani. Editora Ática.
Um abraço,
Prof.Gilberto