Peri imaginava que Cecília amasse Álvaro... É por isso, e não apenas pela amizade que nutria por ele, que o índio se esforçou para salvá-lo. Isso à parte, ele percorreu a mata até o casarão com a certeza de que o jovem cavalheiro já estivesse morto.
(...)
D. Mariz se emocionou ao ouvir a narrativa de Peri. Ele se aproximou do
inanimado rapaz e se despediu com um “até logo”... Cecília e a mãe se
ajoelharam e dirigiram uma prece. Dona Lauriana tentou, em vão, todos os
recursos caseiros que pudessem restaurar o moço...
O episódio serviu também
para que todos reconhecessem que os aimoré retornariam... D. Mariz tratou de orientar
seus homens de armas para que resistissem até o fim... De sua parte, Peri
refletiu sobre os meios que poderia lançar mão para salvar Cecília. Sua
primeira providência foi recuperar suas armas abandonadas no antigo quarto de
sua senhora.
Mais ou menos uma hora depois do retorno de Peri e da
tristeza que se abateu sobre todos ao receberem Álvaro completamente inanimado,
o goitacá dedicou-se a analisar com muita atenção uma determinada árvore das
proximidades de sua cabana. De repente foi tocado por Isabel...
(...)
Quando a moça voltou a si (ela havia desmaiado ao ver o amado inerte), a
sala estava vazia... Dona Lauriana estava no arruinado oratório junto à cruz
que se manteve firme mesmo depois do desabamento da parede... D. Mariz estava envolvido
nos arranjos da improvável defesa do casarão... No sofá estava acomodado Álvaro
(uma vela de cera aos seus pés dava ares fúnebres à sua condição)... Cecília
tentava reanimá-lo...
Isabel levantou-se imediatamente e aproximou-se do
corpo do jovem cavalheiro... Cecília retirou-se para permitir que a outra
chorasse o seu pesar. Depois de algum tempo é que Isabel perambulou pela casa e
chegou onde estava Peri.
(...)
Não podemos dizer que Peri e Isabel fossem amigos. Pelo contrário! Os
dois se odiavam. Ele a tinha por “inimiga natural”, enquanto que ela
entendia-se rebaixada perante todos os demais ao perceber que era como Peri.
Isabel pediu-lhe que conduzisse o corpo de seu amado até o quarto que
ela usava. Peri fez isso, deitando o amigo sobre a cama da moça... Depois ele
retirou-se para os seus afazeres e “maquinações”.
Notamos que Isabel pretendia se suicidar ali mesmo, pois pegou a redoma
de cristal que ela trazia ao pescoço (e que continha fragmentos do cabelo de
sua mãe e uma porção do curare)... Aconteceu que num último instante considerou
que merecia uma morte “menos sumária”... Ela acendeu uma vela que estava sobre
a sua cômoda junto a um crucifixo de marfim, e fechou a porta e as janelas,
impedindo que a luz do dia entrasse.
A moça ajoelhou-se e orou pedindo que Deus lhe
concedesse “eternidade e ventura de seu amor”, pois em vida sequer o
experimentara... Então passou a contemplar o seu amado no leito... Álvaro não
tinha exatamente uma aparência cadavérica... Lembrava, sim, uma bela estátua cujos
traços delicados são dignos de apreciação.
Isabel foi até a cômoda novamente... Ali apanhou
uma cesta de palha que continha várias resinas perfumadas de diversas árvores
da floresta (“o anime da aroeira, as pérolas do benjoim, as lágrimas cristalizadas
da embaíba, e gotas do bálsamo”)... Esses perfumes foram colocados numa concha
e a moça “acendeu algumas bagas de benjoim”... Logo o aposento se encheu de uma
fumaça carregada de vários aromas entorpecedores. O ambiente tornou-se lúgubre
e ela voltou a contemplar o cavalheiro que julgava morto.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/10/o-guarani-de-jose-de-alencar-isabel.html
Leia: O guarani. Editora Ática.
Um abraço,
Prof.Gilberto