O dia se foi... Na mente de todos havia a certeza de que os guerreiros aimoré voltaram e apenas aguardavam o escurecer para fazer o ataque definitivo ao casarão... De fato, os selvagens trataram de eliminar qualquer possibilidade de fuga dos inimigos sitiados... A escada de pedra era a única saída... Por todos os lados deparava-se com despenhadeiros... Havia a árvore cujos galhos mais altos aproximavam-se da cabana de Peri. Mas só um tipo com a sua agilidade poderia utilizá-la para se retirar do lugar... Mesmo assim, os aimoré (que pretendiam eliminar todos os agregados de d. Mariz) derrubaram a árvore. Caída, a altura de seus seculares galhos atingiam alturas mais avançadas do que muitas outras árvores da floresta.
Peri notou a ação dos inimigos... Nada podia fazer. Sorriu e continuou a trabalhar em seu projeto para libertar Cecília... Torcia uma corda com a folhagem de uma das palmeiras que sustentavam sua cabana. Até então ele já havia cortado duas palmeiras, e rachou uma delas... Mais tarde saberemos quais eram as suas pretensões... O fato é que depois de prestar o favor a Isabel (levando Álvaro ao seu aposento), dedicou-se a torcer a longa corda.
(...)
Ao anoitecer, Peri
dirigiu-se à sala... Aires Gomes mantinha-se firme à porta do gabinete... D.
Antônio estava acomodado na cadeira enquanto insistia em fazer Cecília beber de
uma taça... Dizia que era um cordial (provavelmente vinho do Porto) que a faria
bem. Mas a menina manifestava intensa amargura... Quis saber de que serviria
ingerir o “revigorante” se bem poucas horas de vida restavam a eles... O pai
procurou animá-la dizendo que nem tudo estava perdido, pois havia esperança...
Cecília só bebeu da taça porque o pai prometeu falar-lhe sobre a esperança a
que se referia.
D. Mariz disse à filha que nenhum inimigo passaria
pela porta para realizar qualquer afronta final à família... Depois disso,
beijou-lhe a fronte, encostou a cabeça da menina na poltrona, e deixou o
gabinete para conferir o que se passava do lado de fora.
Peri viu e ouviu d. Mariz conversando com Cecília. Entrou e apoderou-se
de alguns objetos... A menina percebeu os seus movimentos e o inquiriu. O índio
explicou, sem entrar em detalhes, que estava de saída, mas que em breve
retornaria... A única preocupação de Cecília, que já sentia os efeitos do
cordial, era que ele pudesse estar presente no momento de partilhar a mesma morte...
Sobre isso, Peri disse que “sim”, ele morreria, mas garantiu que sua senhora
permaneceria viva...
Tudo o que ela conseguiu foi perguntar: “Para que
viver, depois de perder todos os seus amigos?”... Depois a menina vacilou,
deitou a cabeça sobre o espaldar da cadeira e, antes de cair em sono profundo,
respondeu a si mesma com um “não!”... Preferiria, antes, morrer como Isabel.
Peri se assustou um pouco com o que ouviu. Inclusive chegou a experimentar
umas gotas do fundo do cálice que d. Mariz havia oferecido à filha. Por um
momento chegou a imaginar que o fidalgo pudesse articular um ato final desesperado
(eliminar a vida da filha querida antes do ataque carnificina), mas, ao se lembrar
dos gestos firmes do amigo, repeliu completamente aquele pensamento.
De posse dos objetos que subtraiu na sala, Peri seguiu para o quarto que
estava ocupando... D. Mariz continuou sua perambulação e, de certa forma, sua
presença reanimou os aventureiros que permaneciam junto à porta... A certa
distância podiam ver que Loredano queimava atado ao poste da fogueira que eles
haviam montado especialmente para a execução...
(...)
A pira onde Loredano ardia não era o único local
onde chamas podiam ser observadas... De repente, várias “listras de fogo
atravessaram o ar”... Eram as flechas aimoré lançadas contra o casarão... Elas
caíam certeiras sobre o telhado, janelas e paredes.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/10/o-guarani-de-jose-de-alencar-cecilia_19.html
Leia: O guarani. Editora Ática.
Um abraço,
Prof.Gilberto