O fato de os aventureiros não quererem derrubar a parede sobre as imagens do oratório não constituiu um impasse para Loredano... É claro que ele murmurou injúrias a respeito dos temores de seus homens, mas disse a eles que não precisariam se preocupar porque ele mesmo colaria a parede abaixo quando chegasse o momento do último golpe.
(...)
Essas coisas se sucediam enquanto que, no alpendre, os demais ouviam a
narrativa de João Feio sobre o passado de Loredano e sua índole herética... Os
homens quiseram procurá-lo para acabar com a sua vida naquele mesmo momento.
Eles foram impedidos por João Feio, que explicou que a morte do outro deveria
ser uma terrível punição... E ele mesmo daria um jeito de arranjar o castigo...
Vasco Afonso quis agilidade, mas João Feio garantiu que naquele dia mesmo
cuidariam da condenação do italiano e que a execução da pena não passaria do
dia seguinte... Garantiu que deveria ser assim para que o bandido tivesse tempo
de arrepender-se e de sentir remorso pelas barbaridades que havia praticado.
Depois da argumentação de
João Feio, os demais concordaram em aguardar que Loredano retornasse para capturá-lo
e condená-lo sumariamente... Mas as horas se passaram e por volta do meio-dia os
aventureiros perceberam que o sumido poderia se demorar ainda mais. Estavam com
sede e, como não tinham acesso à despensa que havia sido trancada por dentro
pelo próprio italiano, resolveram se apropriar de algumas garrafas de vinho que
encontraram no aposento que ele usava.
Os homens beberam, conversaram e riram a valer...
Alguns manifestaram arrependimento e até o desejo de pedir perdão ao fidalgo...
Diziam que queriam se juntar a ele para ajudá-lo no combate aos aimoré... Mas decidiram
que era melhor aguardar a punição ao principal dos insurgentes.
(...)
Registro anterior mostrou-nos que a filha do cacique aimoré resolveu
libertar Peri e seguir com ele para a floresta. É evidente que essa ideia de ”iniciar
uma nova vida” ao lado do prisioneiro goitacá (que deveria ser preparado por
ela para o ritual canibal) era uma tremenda traição ao seu povo... Mas o
próprio Peri atirou para longe o arco e as flechas...
Ele encostou-se novamente na árvore, olhou para o lado
da esplanada e viu que Cecília acenava para ele... Apesar da distância,
imaginou que sua senhora apresentava uma fisionomia esperançosa e feliz.
Enquanto ele tentava imaginar os motivos daquela alteração no estado de
espírito de Cecília, a jovem aimoré soltou um grito aterrorizante... É que ela,
tendo acompanhado o olhar de Peri, notou Cecília ao longe, e concluiu que era por
causa dela que o prisioneiro recusava a liberdade e o seu amor.
A menina aimoré tornou-se amargurada e enciumada... Revoltou-se e quis
atingir Peri com a flecha, mas ele foi ágil e a desarmou. O mesmo aconteceu
quando ela o atacou com a faca de pedra...
Peri não queria confusão com a menina. Então a pegou nos braços e a
deitou sobre a relva. Demonstrando amistosidade e decisão, voltou a sentar-se
próximo à árvore... Peri permaneceu tranquilo e pôde ver que Cecília já havia
desaparecido novamente e que estava fora de perigo...
Passou-se mais algum tempo e os tambores e a cantoria dos guerreiros aimoré
foram ouvidos. A filha do cacique levantou-se a, a seu modo, tentou fazer Peri
perceber que desejava que ele partisse para a floresta... Ele sorriu e retirou
do pescoço a cruz que Cecília havia lhe dado... Os dois iniciaram um diálogo na
base da troca de gestos. Peri queria fazê-la entender que desejava morrer. Colocou
a cruz no pescoço da menina e pediu que ela a retirasse após a sua morte.
A menina entendeu e beijou as mãos de Peri.
Depois voltou a amarrá-lo à árvore conforme ele solicitou.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/10/o-guarani-de-jose-de-alencar-um-pouco.html
Leia: O guarani. Editora Ática.
Um abraço,
Prof.Gilberto