Só mais tarde entenderemos os objetivos de Peri ao se arriscar entrando nos domínios dos aventureiros rebeldes (ficando de frente com o italiano que lhe desferiu um golpe de punhal) e ao pretender lançar-se sozinho contra os aimoré... Agora interessa saber que, tão logo ele retirou-se do ambiente controlado pelos aventureiros, avistou dois vigias noturnos, cada um pertencente a um dos lados da contenda. Os dois conversavam.
Peri ficou admirado, pois o ânimo entre os da banda de Loredano e os fiéis a d. Mariz era dos mais acirrados... Sabemos que João Feio estava na guarda atendendo à solicitação do italiano. Pelo lado de d. Antônio quem fazia a vigilância era o mestre Nunes.
(...)
Mas por que os dois
pareciam conversar amistosamente?
Aconteceu que João Feio se aproximou da escada e viu
que o tipo que estava do outro lado devia estar exercendo a mesma função noturna
que ele... Ele sempre foi dado a conversas regadas a pitadas e a
bebericagens... Como não trazia nenhuma folha de fumo, decidiu puxar uma prosa
com o desconhecido.
No início mestre Nunes não deu mostras de que estivesse disposto a
trocar ideias com o oponente, mas João Feio era persistente e começou a falar
sobre o dia que estava para raiar e outras coisas triviais... Mas não ouvia
nenhuma resposta, então tratou de revelar a sua opinião sobre a situação...
Disse que não era por que eram inimigos que deviam deixar de ser educados, e
que um deveria responder cortesmente ao outro.
O mestre Nunes disse que antes da cortesia estava a
religião e, sendo ele um cristão, não deveria falar com um herege. João Feio
não entendeu o que o outro queria dizer com aquelas palavras, que considerou
agressivas e próprias para os que desejam provocar raiva ao interlocutor...
Como admitia ser tratado como rebelde, mas não como herege, exigiu
esclarecimentos.
Então mestre Nunes perguntou a João Feio como deveriam ser tratados os
comparsas de “um frade sacrílego, que abjurou os seus votos, e atirou seu
hábito às urtigas”... É claro que João Feio continuou sem entender o que o
outro dizia, mas conforme conversaram toda história do italiano foi se
revelando...
Aí está a explicação para o fato de Loredano ter topado com seu
sentinela noturno revoltado e exigindo que ele se entregasse ao fidalgo d.
Mariz.
(...)
Peri ficou atento à conversa dos dois vigias... Mas os seus planos
urgiam.
O dia se iniciava e do lado dos aimoré via-se a irritação dos selvagens
por não conseguirem avançar contra a casa... Eram uns duzentos, e Peri viu que aqueles
guerreiros eram gigantescos, de “aspecto horrível” e “ferozes como tigres”...
Mesmo assim sentia-se confiante na certeza de que derrotaria a todos. Sentia-se
satisfeito com a ação contra os aventureiros rebeldes e sabia que, sem dúvida,
o ataque aos aimoré era a parte mais complicada de seus planos porque uma série
de situações deviam se combinar.
O índio tinha a
consciência de que sua tarefa era digna de um drama em que sua dedicação o
transformava num herói... Mas o seu pensamento focava apenas na salvação de
Cecília (e consequentemente na de d. Mariz e de seus entes queridos). Ele
sozinho faria o que d. Mariz, Álvaro ou dezenas de homens não teriam
condições... Partia para o suplício com a certeza de que sua senhora se
livraria dos ataques de aventureiros bandidos e selvagens aimoré.
(...)
Peri “cobriu o peito e as costas com uma pele de
cobra que ligou estreitamente ao corpo; vestiu por cima o seu saiote de
algodão; experimentou os músculos dos braços e das pernas; e sentindo-se forte,
ágil e flexível, saiu inerme”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/10/o-guarani-de-jose-de-alencar-situacao.html
Leia: O guarani. Editora Ática.
Um abraço,
Prof.Gilberto