Cecília garantiu que ficaria com Peri na floresta, e que nunca o abandonaria... Ele perguntou se era verdade o que ela dizia... Ficaria mesmo ao seu lado, e para sempre? A menina repetiu que sim; ficaria, pois era “filha desta terra” e no seio da exuberante natureza também ela havia sido criada... Amava a terra e é por isso (também) que o mais correto a fazer era permanecer ao lado de Peri.
O goitacá deu a sua opinião... A fez pensar sobre certas incompatibilidades entre o seu modo de ser e a complexa realidade da floresta... Disse-lhe que suas delicadas mãos “foram feitas para flores e não para os espinhos”; seus “pés para brincar e não para andar”; o “corpo para a sombra e não para o sol e a chuva”...
Decidida, Cecília protestou (sempre com delicadeza e graciosidade) afirmando que era forte e que quando se cansasse ele a levaria nos braços, como acontece com a rolinha que “se apoia sobre a asa de seu companheiro”.
(...)
Jamais
Peri havia imaginado uma vivência de tanta proximidade com a sua senhora... A
determinação de Cecília o deixava feliz, mas estava decidido a cumprir o
juramento que havia feito a d. Mariz.
(...)
Conforme
a tarde avançou, ele procurou encontrar um local seguro onde Cecília pudesse passar
a noite... Percorreu a margem do rio e viu que a canoa estava enroscada em
parasitas. Decidiu puxá-la e forrar o seu fundo com folhas de palmeiras. Depois
acomodou a menina no “berço” que se formou... Ela não quis que Peri remasse e
sugeriu que deixassem a canoa seguir ao sabor da correnteza.
A
embarcação começou a deslizar e Cecília brincou com as águas, flores e
peixes... Peri seguia distraído, mas olhava atentamente para as montanhas da
cordilheira dos Órgãos... Via que ao longe uma atmosfera de perigo se
desenhava: “Grossas nuvens escuras e pesadas que, feridas pelos raios do ocaso,
lançavam reflexos acobreados”...
Algum
tempo se passou e as montanhas simplesmente desapareceram. Elas foram
envolvidas pelas nuvens escuras... A noite que caía tornava a visão ainda mais
tenebrosa... Peri perguntou se Cecília queria ir para a terra firme. Ela
respondeu que ele mesmo havia escolhido retornar ao rio e que estava bem
acomodada.
A
pergunta fez Cecília querer saber se algo estava preocupando Peri... Ele a sossegou
e disse que poderia dormir tranquilamente. De sua parte, o goitacá decidiu
permanecer atento.
(...)
À
sua volta a escuridão dominou a paisagem. Peri sabia que o horizonte estava
dominado por negras nuvens... A noite prosseguiu, Cecília dormiu e ele continuou
firme em sua vigilância... As prateadas águas do Paraíba refletiam o céu
estrelado... De repente, uma ventania provocou agitação das árvores das
margens...
Das distantes montanhas, Peri notava os clarões
típicos das tempestades... De tempos em tempos, rumores surdos e abafados eram
seguidos de tremores subterrâneos que faziam ondulações na superfície do rio.
Esses sinais da natureza levaram-no a curvar-se e encostar o ouvido nas
águas... Então percebeu “um som estrepitoso: semelhante ao quebrar-se da
catadupa (queda d’água como a cachoeira), precipitando-se do alto dos
rochedos”.
Como
podemos perceber, uma grande catástrofe estava prestes a alcançar o casal de
personagens... Seria o seu fim?
Peri decidiu levar a canoa para a margem, onde
havia uma grande palmeira... Às hastes dessa árvore se prendiam cipós e
parasitas de árvores próximas. Ele tomou Cecília nos braços e, no momento em
que deixou a canoa, o rio agitou-se como se estivesse em estado de convulsão...
Foi como se o Paraíba tivesse soltado “um gemido profundo e cavernoso”...
Depois ele retornou ao seu leito, sua superfície se fez espumada.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/10/o-guarani-de-jose-de-alencar-peri-se_25.html
Leia: O guarani. Editora Ática.
Um abraço,
Prof.Gilberto