Peri estava exausto... Mesmo assim ouviu pacientemente a sua senhora... Manifestando toda a sua humildade e devoção a ela, antecipou-se... Foi ele quem primeiro solicitou ser perdoado... Cecília, mais comedida, respondeu que ela deveria pedir perdão.
O goitacá esclareceu que o socorro que havia prestado a ela era em cumprimento ao juramento que fizera a d. Mariz. E explicou tudo o que havia ocorrido desde o momento em que ela havia adormecido até a explosão que o fidalgo impusera à casa.
Peri deixou claro que tudo o que havia preparado se destinava a d. Mariz e a ela, mas a moral fidalga do pai de Cecília o impediu de fugir com ela... A menina chorou e entendeu que não podia esperar outra postura de seu “nobre pai”... O goitacá concluiu sua narrativa tratando do episódio em que havia se submetido ao batismo ministrado por d. Mariz. Cecília ficou contente com a conversão do amigo que tudo fez unicamente para salvá-la.
(...)
Depois
dessa conversa reanimadora, Peri colheu alguns frutos para a amiga. Ao
entardecer, aproveitou que o sol perdia a sua força e voltou a remar... Ele
perguntou se a menina gostaria que a levasse à “taba dos brancos”, para junto
de dona Isabel de Mariz, como era desejo de seu pai... Ele estava mesmo
disposto a cumprir mais esse juramento... Ela apenas silenciou.
Cecília,
que tinha sido acomodado no fundo da canoa pelo amigo, sentiu pela primeira vez
a sua proximidade de modo diferenciado... Essa sensação foi se tornando mais
intensa conforme ela notava as manifestações da natureza (os pássaros e seus
cantos; os aromas silvestres...)... “Peri remava sentado na proa”... A menina
seguia mergulhada em seus pensamentos enquanto experimentava os perfumes das
plantas, “a frescura do ar e das águas”.
A
noite caiu e a viagem prosseguiu silenciosa.
As
reflexões de Cecília a faziam recordar da dourada existência que tivera e que
fora tão brutalmente alterada... Ela pensava também sobre o último ano de sua
vida marcada pelo aparecimento de Peri, sua amizade e proteção que ele lhe
devotava... Admirou-se ao repassar sua vida e ao constatar as mudanças profundas
que haviam se processado. Certamente a sua forma de encarar a realidade mudava
a partir daquele instante. Em seu íntimo já levava em consideração as mudanças
na forma de enxergar o mundo... A inocência dava lugar à maturidade.
(...)
O
esgotamento de Peri era intenso... Ele passara por várias dificuldades até
então (lutara contra o curare que ingeriu para derrotar aos aimoré; lidara com
a morte de Álvaro; se empenhara na preparação dos recursos para a fuga de d.
Mariz com a filha; ouviu a amargura de sua senhora inconformada com a morte do
pai; e ainda sofreu com as acusações contra o seu empenho em salvá-la...).
Ele
prosseguia remando e entendia que Cecília dormia. Então procurou conduzir a
canoa na mais extrema delicadeza... Mas ele também precisava descansar, pois se
mantinha em ação por muitas horas (estava sem dormir a praticamente três
dias)...
Peri
escolheu um local bem calmo e livre de galhos de árvores para amarrar a
canoa... Assim sua senhora poderia dormir tranquilamente. Ele também deitou a cabeça
na borda da embarcação. Quando cerrava as pálpebras notou a aproximação de
Cecília, que ficou apavorada ao perceber que ficaria solitária.
A menina viu que ele estava bem cansado... Por
isso se angustiou por ter se comportado de modo tão egoísta, sequer
possibilitando o merecido repouso ao amigo.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/10/o-guarani-de-jose-de-alencar-cecilia_23.html
Leia: O guarani. Editora Ática.
Um abraço,
Prof.Gilberto