Peri havia refletido muito sobre o que deveria fazer para derrotar os aventureiros rebeldes e os aimoré... Podemos perceber que o confronto que estava disposto a travar com os selvagens era gigantesco e devia resultar em infortúnio para ele. Cecília e d. Antônio insistiram para que ele permanecesse na casa... A pressão era tanta que Peri se sentiu acuado... A possibilidade de aquelas pessoas queridas sofrerem a agressão dos inimigos era-lhe insuportável. E é por isso que, ainda que as contrariasse, não declinou de sua missão.
(...)
Peri pronunciou um “não!”... Desesperada, Cecília estendeu-lhe a mão
dizendo que o proibia de sair de casa... D. Mariz insistiu com sinceridade
tentando demovê-lo, já que era a “própria senhora” quem lhe dava a ordem para
ficar... O velho, também para tranquilizar a filha, disse que estava fazendo de
Peri um prisioneiro seu e, dessa forma, ficava impedido de deixar a casa.
Peri soltou um grito
manifestando que não obedecia a amais ninguém... Livre, faria apenas o que o
próprio coração ordenasse. Depois apropriou-se de um pesado montante (uma
grande espada) que pertencia ao fidalgo e passou pela janela sem que pudesse
ser alcançado... Ao retirar-se, pediu que sua senhora o perdoasse. Cecília
ainda tentou acompanhá-lo com o olhar, mas o índio precipitou-se pela mata.
(...)
O dia havia amanhecido e Peri estava na floresta... Não
muito distante os guerreiros aimoré se agrupavam junto a troncos queimados para
preparar o ataque que esperavam que fosse o definitivo contra o casarão...
Dedicavam-se a tornar suas flechas inflamáveis, pois sua intensão era destruir
pelo incêndio a fortaleza inimiga. Juntavam algodão às pontas de flechas e
embebiam-nas na “resina de almácega” (uma resina de árvore como a aroeira)...
Há um parágrafo em que Alencar faz uma caracterização daqueles guerreiros
rebeldes a d. Mariz e, consequentemente, à colonização portuguesa. Ali os
indígenas são descritos como primitivos e assustadores:
Enquanto se ocupavam
com esse trabalho, um prazer feroz animava todas essas fisionomias sinistras,
nas quais a braveza, a ignorância e os instintos carniceiros tinham quase de
todo apagado o cunho da raça humana.
Os
cabelos arruivados caíam-lhe sobre a fronte e ocultavam inteiramente a parte
mais nobre do rosto, criado por Deus para a sede da inteligência, e para o
trono donde o pensamento deve reinar sobre a matéria.
Os lábios
decompostos, arregaçados por uma contração dos músculos faciais, tinham perdido
a expressão suave e doce que imprimem o sorriso e a palavra; de lábios de homem
se haviam transformado em mandíbulas de fera afeitas ao grito e ao bramido.
Os dentes agudos como
a presa do jaguar, já não tinham o esmalte que a natureza lhes dera; armas ao
mesmo tempo que instrumento da alimentação, o sangue os tingira da cor
amarelenta que têm os dentes dos animais carniceiros.
As grandes unhas
negras e retorcidas que cresciam nos dedos, a pele áspera e calosa, faziam de
suas mãos, antes garras temíveis, do que a parte destinada a servir ao homem e
dar ao aspecto a nobreza do gesto.
Grandes peles de
animais cobriam o corpo agigantado desses filhos das brenhas, que a não ser o
porte ereto se julgaria alguma raça de quadrúmanos indígenas do novo mundo.
Alguns
se ornavam de penas, e colares de ossos; outros completamente nus tinham o
corpo untado de óleo por causa dos insetos.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/10/o-guarani-de-jose-de-alencar-enquanto.html
Leia: O guarani. Editora Ática.
Um abraço,
Prof.Gilberto