quinta-feira, 10 de outubro de 2013

“O Guarani”, de José de Alencar – um pouco dos rituais canibais registrados ao tempo do Brasil colônia para descrever o suplício de Peri; Peri é levado ao terreiro; divisão de tarefas e insultos ao que vai ser sacrificado; tristeza da pequena aimoré; surge o cacique devidamente ornamentado e paramentado

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/10/o-guarani-de-jose-de-alencar-loredano_9.html antes de ler esta postagem:

O ritual canibal dos aimoré parecia estar se aproximando do momento apoteótico... Quatro dos guerreiros chegaram para conduzir Peri até o local onde seria sacrificado (a nota esclarece que os costumes aimoré não eram totalmente conhecidos por permanecerem mais afastados dos colonos; como em muito se assemelhavam aos tupi, a descrição aproveitou os relatos de Simões de Vasconcelos e Lamartinière “sobre os tupinambá e outras tribos mais ferozes”)...
(...)
Peri caminhou entre eles com passos firmes. Seus inimigos não repararam que ele verificou as pontas de sua túnica de algodão, onde ele havia feito dois pequenos nós. O prisioneiro foi levado ao local determinado, onde se viam mais de cem guerreiros armados e cobertos por penas ornamentais... Noutra parte se concentravam as velhas índias que lavavam a grande pedra que serviria de mesa... Elas estavam pintadas com listras amarelas e escuras; algumas se dedicavam a afiar as facas de lascas de pedra e de ossos... As mais jovens se mantinham próximas a vasos cheios de vinho, cantavam hinos de guerra de seu povo, e ofereciam da bebida aos guerreiros que passavam por elas.
A filha do cacique manteve-se mais à parte e olhava os preparativos com tristeza... Dessa vez ela não sentia o mesmo prazer de rituais passados... Naquele momento tudo se revelava muito cruel para ela...
A menina tinha um papel a ser representado na cerimônia como “esposa do prisioneiro”... Ela deveria acompanhá-lo até o fim do sacrifício “insultando-lhe a dor e a desgraça”... Mas isso não era nada fácil para ela porque realmente amava o condenado.
Peri ficou imobilizado no centro de um terreiro. As pontas das cordas foram amarradas em dois troncos... Enquanto isso, os guerreiros davam voltas ao seu redor entoando o canto da vingança.
Os sons dos animais da floresta se misturavam àquela gritaria proporcionando um espetáculo de horror... A dança e o cântico tornavam-se mais acelerados e os vultos aimoré rodopiavam como “espíritos satânicos envoltos na chama eterna”. Os guerreiros se revezavam e um deles sempre se aproximava mais de Peri para insultá-lo e desafiá-lo a provar o seu valor, coragem e força... O goitacá mantinha-se altivo e via com orgulho que os que se imaginavam vencedores eram os que seriam derrotados por ele. Sua convicção o mantinha tranquilo, e ela se justificava pelo fato de tudo ocorrer conforme ele planejara... Mas até aqui os seus reais intentos são segredo para o leitor.
De repente a dança e a cantoria pararam. Todos voltaram a atenção para uma folhagem que escondia uma cabana selvagem... Dali saiu o cacique, que estava ornamentado por “duas peles de tapir ligadas sobre os ombros” como se fossem uma túnica. Na cabeça levava um cocar com penas escarlates, e seu rosto estava pintado com uma cor esverdeada e oleosa. No pescoço do gigante e velho cacique havia uma coleira de penas de tucano... Seus olhos brilhavam. Na mão esquerda carregava a sua tangapema enfeitada de plumas. No punho direito trazia amarrada uma “espécie de buzina formada de um osso enorme da canela de algum inimigo morto em combate”.
O cacique entrou no palco onde Peri seria sacrificado tocando o instrumento... Ao ouvirem o som estrondoso, os aimoré o saudaram com muitos gritos... Ao vencedor cabia executar o vencido... Um dos guerreiros fincou uma estaca numa das extremidades do terreiro, onde deveria ficar a cabeça do prisioneiro... A jovem filha do cacique recolheu o tacape que o velho trazia, livrou os braços de Peri das cordas e ofereceu-lhe a arma. A menina queria que ele visse em seu olhar que tudo poderia ter sido bem diferente se ele não recusasse o amor, a vida e a liberdade que ela lhe oferecera anteriormente.
Entregar o tacape ao prisioneiro que seria executado era uma crueldade cômica que fazia parte dos rituais selvagens... Mesmo que o prisioneiro quisesse atingir seus algozes com a arma não conseguiria porque as cordas o impediriam de avançar. Peri recebeu a arma e, sem manipulá-la, deixou-a aos pés e cruzou os braços.
Leia: O guarani. Editora Ática.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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