André revela que o Ingratidão do Tuga conseguiu escapar da prisão graças aos kimbundos. A situação se configurava em problema dos mais graves e em sua opinião tudo teria de ser resolvido pelo Sem Medo, visto por ele como tipo que tudo fizera para obter o seu posto em Dolisie.
Para o André, Sem Medo estava por trás de toda agitação dos kimbundos. Só ele poderia tê-los incentivado ao enfrentamento! Quando o dirigente de Brazzaville ficou sabendo da fuga do Ingratidão mostrou-se profundamente decepcionado. Será que ele não desconfiava que por causa de Sem Medo o Ingratidão não havia sido fuzilado na Base? Se havia um culpado por aquele desastre, esse era o próprio comandante, que conseguiu agradar aos kimbundos ao preservar o Ingratidão... Mas o caso é que após mais essa confusão da fuga teria de puni-los. Sua medida conservadora por ocasião da discussão do Comando sobre o destino do larápio da carteira do trabalhador (da região de exploração de madeira; ver https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2018/07/mayombe-de-pepetela-o-julgamento-de.html e https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2018/07/mayombe-de-pepetela-sem-medo-faz-relato.html) só podia ser explicada pelo seu temor em relação às agitações tribalistas.
(...)
Então André estava achando que no final das contas ainda
tinha motivos para rir das “trapalhadas do Sem Medo”. Certamente o comandante
da Base conseguiria o que vinha pretendendo, mas, por fim, bem cedo diga-se de
passagem, experimentaria os espinhos que o posto de responsável em Dolisie lhe
reservava.
De acordo com o seu raciocínio, Sem Medo e seus
comparsas tinham usado Ondina como isca. Ele revela que sempre sentira atração
por ela... Suas formas o impressionavam, seu olhar cheio de mistério o seduzia,
então não foi necessário planejar qualquer grande estratégia para ludibriá-lo...
Bastou posicioná-la bem no seu caminho. Evidentemente sentiu-se tentado a lhe
oferecer a carona.
Para
ele, estava claro que a mulher sabia o que fazer e é por isso que começou a
abrir as pernas e a encostar as volumosas coxas nele logo que entrou no
veículo. No momento mesmo em que seguia escoltado para Brazzaville podia
afirmar que havia sido imprudente, mas tinha de admitir que não conseguiu resistir
aos ataques da Ondina... Quanto mais o jipe chacoalhava, mais ela fazia o
contato físico. A parada no bar foi fatal, pois foi ali que o desejo se tornou
insuportável... Depois tudo se completaria... Ela aceitou prontamente ir para o
capim, onde se revelou uma amante ardente.
(...)
Os militantes que estavam na estrada haviam sido
posicionados estrategicamente. Uma armação! Ondina só podia ser mulher da mais
baixa reputação! O comandante Sem Medo assumiria a direção em Dolisie e o noivo
dela passaria a comandar a Base.
Esse
era o raciocínio do André... Um complô o havia derrubado! Mas, depois de tudo, podia
concluir que tinha valido a pena perder o cargo... Ondina se prestara às
manobras mais baixas, todavia teve a oportunidade de conhecer um “homem de
verdade”, que podia proporcionar-lhe prazer.
(...)
Pensando
na defesa que apresentaria em Brazzaville, entendeu que dificilmente dariam
crédito à suspeita da trama... Diriam que ele havia arranjado uma desculpa
esfarrapada.
Apesar disso, nem tudo estava perdido. Pelo contrário! Em
sua opinião o pior já havia sido superado e sentia que não se sairia liquidado
do processo. Apesar de toda oposição, haveria sempre alguns entre os mais
graduados que o apoiassem. Bastaria apresentar a sua autocrítica e os inimigos
seriam desmantelados.
Neste ponto do relato, André cita Lenin e a prerrogativa
da autocrítica, que não era aceita por todos... Em síntese, quando o militante
se visse em apuros devia fazer a autocrítica para que os ataques políticos
parassem imediatamente. A isso se podia comparar a “teoria da ação e da reação”...
Então, em seu entendimento, bastaria “eliminar a reação” para que a ação se
anulasse por si mesma.
A tática de André seria apresentar sua autocrítica logo no
início dos debates... Todos o veriam como um quadro político consciente e sem a
arrogância da autodefesa. No máximo o mandariam a outra região e tudo se
resolveria.
Definitivamente não se considerava um tipo teimoso...
Bastaria mostrar que sabia que havia cometido erros.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/03/mayombe-de-pepetela-mais-sobre-fuga-do.html
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto