sábado, 23 de março de 2019

“Mayombe”, de Pepetela – a trama contra André segundo ele mesmo; desqualificando Ondina, Sem Medo e o Comissário; a fuga do Ingratidão e as consequências para o novo responsável; autocrítica e estratégia de defesa

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/03/mayombe-de-pepetela-o-comandante-nao-da.html antes de ler esta postagem:

André revela que o Ingratidão do Tuga conseguiu escapar da prisão graças aos kimbundos. A situação se configurava em problema dos mais graves e em sua opinião tudo teria de ser resolvido pelo Sem Medo, visto por ele como tipo que tudo fizera para obter o seu posto em Dolisie.
Para o André, Sem Medo estava por trás de toda agitação dos kimbundos. Só ele poderia tê-los incentivado ao enfrentamento! Quando o dirigente de Brazzaville ficou sabendo da fuga do Ingratidão mostrou-se profundamente decepcionado. Será que ele não desconfiava que por causa de Sem Medo o Ingratidão não havia sido fuzilado na Base? Se havia um culpado por aquele desastre, esse era o próprio comandante, que conseguiu agradar aos kimbundos ao preservar o Ingratidão... Mas o caso é que após mais essa confusão da fuga teria de puni-los. Sua medida conservadora por ocasião da discussão do Comando sobre o destino do larápio da carteira do trabalhador (da região de exploração de madeira; ver https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2018/07/mayombe-de-pepetela-o-julgamento-de.html e https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2018/07/mayombe-de-pepetela-sem-medo-faz-relato.html) só podia ser explicada pelo seu temor em relação às agitações tribalistas.
(...)
Então André estava achando que no final das contas ainda tinha motivos para rir das “trapalhadas do Sem Medo”. Certamente o comandante da Base conseguiria o que vinha pretendendo, mas, por fim, bem cedo diga-se de passagem, experimentaria os espinhos que o posto de responsável em Dolisie lhe reservava.
De acordo com o seu raciocínio, Sem Medo e seus comparsas tinham usado Ondina como isca. Ele revela que sempre sentira atração por ela... Suas formas o impressionavam, seu olhar cheio de mistério o seduzia, então não foi necessário planejar qualquer grande estratégia para ludibriá-lo... Bastou posicioná-la bem no seu caminho. Evidentemente sentiu-se tentado a lhe oferecer a carona.
Para ele, estava claro que a mulher sabia o que fazer e é por isso que começou a abrir as pernas e a encostar as volumosas coxas nele logo que entrou no veículo. No momento mesmo em que seguia escoltado para Brazzaville podia afirmar que havia sido imprudente, mas tinha de admitir que não conseguiu resistir aos ataques da Ondina... Quanto mais o jipe chacoalhava, mais ela fazia o contato físico. A parada no bar foi fatal, pois foi ali que o desejo se tornou insuportável... Depois tudo se completaria... Ela aceitou prontamente ir para o capim, onde se revelou uma amante ardente.
(...)
Os militantes que estavam na estrada haviam sido posicionados estrategicamente. Uma armação! Ondina só podia ser mulher da mais baixa reputação! O comandante Sem Medo assumiria a direção em Dolisie e o noivo dela passaria a comandar a Base.
Esse era o raciocínio do André... Um complô o havia derrubado! Mas, depois de tudo, podia concluir que tinha valido a pena perder o cargo... Ondina se prestara às manobras mais baixas, todavia teve a oportunidade de conhecer um “homem de verdade”, que podia proporcionar-lhe prazer.
(...)
Pensando na defesa que apresentaria em Brazzaville, entendeu que dificilmente dariam crédito à suspeita da trama... Diriam que ele havia arranjado uma desculpa esfarrapada.
Apesar disso, nem tudo estava perdido. Pelo contrário! Em sua opinião o pior já havia sido superado e sentia que não se sairia liquidado do processo. Apesar de toda oposição, haveria sempre alguns entre os mais graduados que o apoiassem. Bastaria apresentar a sua autocrítica e os inimigos seriam desmantelados.
Neste ponto do relato, André cita Lenin e a prerrogativa da autocrítica, que não era aceita por todos... Em síntese, quando o militante se visse em apuros devia fazer a autocrítica para que os ataques políticos parassem imediatamente. A isso se podia comparar a “teoria da ação e da reação”... Então, em seu entendimento, bastaria “eliminar a reação” para que a ação se anulasse por si mesma.
A tática de André seria apresentar sua autocrítica logo no início dos debates... Todos o veriam como um quadro político consciente e sem a arrogância da autodefesa. No máximo o mandariam a outra região e tudo se resolveria.
Definitivamente não se considerava um tipo teimoso... Bastaria mostrar que sabia que havia cometido erros.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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