sábado, 2 de março de 2019

“Mayombe”, de Pepetela – a falta de comida provoca mal-estar e desentendimentos entre os guerrilheiros; um Comissário mais tolerante; Mundo Novo e sua exigência no rigor disciplinar; início do capítulo III

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/03/mayombe-de-pepetela-final-do-relato.html antes de ler esta postagem:

De fato, a comida não durou muito tempo mais... A caça que havia sido providenciada pelo Chefe de Operações também acabou. Aos guerrilheiros restava a coleta das “comunas”, mas nas proximidades da Base elas também já haviam se esgotado. Eventualmente três deles percorriam umas duas horas pela mata fechada até áreas onde podiam recolher algumas. Notava-se que todos estavam mais magros e a dieta limitada aos oleosos frutos provocava diarreias terríveis. Em vão, Ekuikui passava a maior parte do dia tentando caçar.
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O Chefe de Operações seguiu para Dolisie... De lá enviou mensageiro com a notícia de que uma carga de mantimentos logo chegaria à Base. Mas os dias se passavam e a situação só piorava entre os guerrilheiros.
Disso resultou que os ânimos se tornaram ainda mais agitados. A questão do tribalismo também provocava discussões pelos cantos. De sua parte, o Comissário Político procurava conter os mais exaltados e dava conselhos para diminuir os litígios... Vários guerrilheiros ameaçavam desertar, e assim a cada dia a atmosfera só piorava no grupamento.
O Comissário pretendia aplicar as punições cabíveis, mas vinha levando em consideração a precariedade que estavam enfrentando, e é por isso que passou a relevar várias indisciplinas... Mais que juiz, tornou-se mediador de conflitos.
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Quem não aprovou a mudança de postura do Comissário foi Mundo Novo, que logo quis falar-lhe. Disse-lhe que vinha percebendo que suas decisões em relação aos indisciplinados eram liberalistas demais. Mesmo as atitudes mais graves dos homens não vinham sendo punidas!
Para Mundo Novo, o procedimento adequado era a punição e não o apaziguamento. O Comissário quis que o rapaz entendesse que estavam passando por uma fase complicada e a fome tornava os guerrilheiros menos tolerantes.
O rapaz redarguiu garantindo que a transigência só levaria a mais indisciplinas. Não se podia ser flexível porque havia sempre os que usavam as dificuldades do movimento como desculpa para as provocações e ameaças diversas.
O Comissário Político defendeu que o Comando devia adotar medidas serenas em vez de repressivas. Seu ponto de vista era o de que a intolerância provocaria mais revoltas entre os camaradas.
Mundo Novo continuou a reclamar e a sugerir que o receio de motim não justificava o relaxo com a indisciplina que, em sua opinião, deveria ser sempre rígida. O Comissário Político defendeu que as circunstâncias não favoreciam todo aquele rigor. Disse que depois que superassem a situação, poderia punir os que no momento cometiam desvios na convivência.
(...)
Temos de destacar que os episódios de indisciplina normalmente tinham início com pequenas discussões a respeito de banalidades como, por exemplo, a divisão das “comunas” coletadas. Para Mundo Novo, as atitudes poderiam levar a tumultos incontroláveis e neste caso toda a responsabilidade recairia sobre o Comissário Político.
O Comissário destacou que ninguém precisava chamar-lhe a atenção para que cumprisse a responsabilidade... Disse isso, emendou que não fugia de suas obrigações e que não precisava pedir a opinião de ninguém para cumpri-las. Em tom de advertência, Mundo Novo ressaltou que depois que o pior ocorresse seria tarde demais. Por isso, de uma vez por todas, os problemas tinham de ser resolvidos.
(...)
Depois da ríspida conversa, o Comissário simplesmente deu-lhe as costas e se dirigiu para a cabana do Comando.
Mundo Novo o observou enquanto pensava que a mudança de postura do outro só podia ser explicada pela influência que o relapso Sem Medo voltara a exercer sobre ele.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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