quarta-feira, 6 de março de 2019

“Mayombe”, de Pepetela – Sem Medo evita a impensada ameaça do Comissário; o retorno à Base, almoço e nova conversa à beira do rio; o comandante começa a narrar o maior segredo de sua vida; a jovem mestiça Leli e sua inconstância no relacionamento

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/03/mayombe-de-pepetela-os-perigos-de.html antes de ler esta postagem:

De um momento para outro o Comissário passou a externar nova irritação. Disse que estava fazendo papel de bobo por não perceber que aquela conversa só servia para o atrasar. Movimentou-se decidido a passar por Sem Medo. Mas este o preveniu sentenciando que iriam a Dolisie no dia seguinte.
O Comissário Político apontou-lhe o fuzil e assegurou que não podia impedi-lo. Sem Medo o aconselhou a não forçar porque seria obrigado a prendê-lo.
Aconteceu que o Comissário avançou na direção do Comandante... Este procurou fixar o olhar nos olhos do oponente e deu alguns passos em sua direção. Tanto avançaram que o cano da arma encostou em sua barriga.
Sem Medo segurou o cano da AKA e o afastou. Fez isso mantendo os olhos fixos na expressão facial e no olhar do Comissário, que por fim largou a arma.
Sem Medo acomodou as duas armas no ombro e ordenou o avanço para a Base. Quando já estavam próximos, devolveu-lhe a AKA e disse que o episódio ficaria apenas entre os dois.
(...)
Já eram duas da tarde... O almoço estava servido e Sem Medo deu um jeito de pedir aos camaradas que não fizessem mexericos sobre o caso. Ele mesmo tratou de servir os dois pratos que comeriam na sala de Comando.
A princípio o Comissário recusou-se a comer, mas logo avançou sobre a comida.
Depois da refeição, pediu mais um cigarro. Sem medo chamou-lhe a atenção para a tendência de vir a tornar-se um viciado em tabaco. O Comissário respondeu que não estranharia, pois todos diziam que o cigarro “é o único fiel companheiro”.
(...)
Sem Medo sugeriu conversarem e se dispôs a contar-lhe o segredo que tanto o camarada quis conhecer após o episódio da discussão sobre o tratamento agressivo dispensado ao jovem Vewê. Deu a ideia de irem até o rio e para lá seguiram como se se dirigissem a um “confessionário”. Essa foi mais uma das piadinhas do comandante.
Sem Medo foi tirando as botas para mergulhar os pés... O Comissário alertou que se houvesse uma emergência ou ataque de tugas teria de correr descalço. Ele bem sabia que certa vez ocorreu algo parecido com o chefe.
(...)
Sem Medo tratou de começar a contar o que se passara com ele em Luanda, quando contava 24 anos e vivia com uma jovem mestiça chamada Leli. Viviam juntos desde 1960 e só não se casaram porque a família dela impunha restrições ao relacionamento. O pai era branco e vivia do comércio, então “esperava algo melhor para a bela Leli”.
Certa vez a moça disse a Sem Medo que estava interessada por outro tipo e por isso vinha planejando sair de vez de sua vida. Ele explicou ao Comissário que era ainda muito inexperiente, apesar disso vinha percebendo certa frieza por parte da companheira. Sua dificuldade se dava principalmente por nunca ter namorado antes... Em se tratando de relacionamentos com mulheres, seu histórico se resumia às prostitutas...
Voltando ao episódio da decisão de Leli sobre o fim do relacionamento, Sem Medo disse que os dois se puseram a chorar pelos cantos... O caso se resumia ao fato de a moça desejar se achegar ao outro tipo, de querer estar com ele e passar as noites junto à sua companhia... Isso lhe pesava também porque não devia estar plenamente convencida de que quisesse abandonar o Sem Medo.
Apesar do drama de paixão mal resolvida, Leli decidiu permanecer com ele por mais algum tempo... Ele mesmo admitiu que se tornara um iludido, sem perceber que na verdade ela apenas havia adiado a decisão de deixá-lo de vez. Essa situação colocou em risco o seu trabalho, que consistia em certas viagens pelo interior... Leli implicava e dizia que ele podia arranjar outras mulheres enquanto estivessem afastados... Por outro lado, vivia reclamando que não via esforço de sua parte, desse modo jamais prosperariam e, se permanecessem juntos, viveriam na miséria.
(...)
Sem Medo acreditava que esses repentes de Leli eram resultado de ciúme. E se assim era, devia ainda estar apaixonada por ele... Só mais tarde aprendeu que ciúme não se relaciona exatamente com o amor.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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