No dia seguinte, Sem Medo dedicou-se a treinar os mais jovens...
O Comissário Político seguiu para a “escola”, onde passaria o tempo e incentivaria o Teoria e todos os demais.
Os exercícios físicos propostos eram menos exigentes, pois Sem Medo levava em consideração a fraqueza dos rapazes durante aqueles dias de alimentação parca. Vewê evitava a proximidade e como que a provocá-lo, o comandante juntava-se a ele para formar par nos movimentos. O rapaz nada falava, talvez porque se sentisse ofendido e envergonhado ao mesmo tempo.
(...)
Essas atividades foram interrompidas porque um que
fazia a guarda chegou aos gritos anunciando que acabara de chegar um
grupamento.
Os
guerrilheiros sequer pegaram suas armas e seguiram imediatamente para a entrada
da Base. Nem mesmo cogitaram que podia ser uma emboscada dos inimigos e só
pensavam que era o pessoal do reabastecimento.
De fato, logo viram que eram camaradas chefiados pelo
Chefe de Operações... Todos se abraçaram aliviados também porque quebravam o
isolamento que parecia não ter fim. Logo estavam aos gritos e gargalhadas.
(...)
O
Chefe de Operações chamou Sem medo a um canto e disse que infelizmente trazia
boato dos fortes (um “mujimbo”) e entendia que apenas ele podia tomar providências
e buscar solução para o grave problema que teriam pela frente.
O
homem começou a explicar que em Dolisie estava acontecendo uma nervosa
discussão e isso explicava o atraso de sua missão. O problema era que o André
estava sumido e se não fosse um de seus auxiliares sequer teriam juntado os
alimentos.
A “maka” (confusão; discussão) era das mais delicadas... O
André havia sido flagrado com a Ondina no capinzal. O adultério se tornara o
principal assunto em Dolisie, e a preocupação do Chefe de Operações era
preparar o Comissário Político para a desagradável notícia... Em sua opinião,
ninguém melhor do que o próprio Sem Medo para orientá-lo a respeito do que
fazer.
O comandante acendeu um cigarro. Via-se que sua mão estava
trêmula... O Chefe de Operações insistiu em querer saber o que devia ser feito,
então ele respondeu que não fariam ou diriam nada...
Depois de um breve tempo decidiu que deveria assumir a
responsabilidade de contatá-lo. O outro adiantou-lhe que trazia uma carta de
Ondina para o noivo.
(...)
Estava
claro que o Chefe de Operações pretendia participar diretamente do caso. Sem
Medo percebeu e o orientou a apenas entregar-lhe a carta... Na sequência ele
mesmo iria ter com o camarada Comissário. Salientou que precisavam ter certeza
de que o “mujimbo” não se baseava em mentiras.
O Chefe de Operações respondeu que não só os boatos eram
verdadeiros como estava para chegar à Base alguém da diretoria de Dolisie para
tratar do caso.
(...)
Os dois seguiram para a casa do Comando...
O
Comissário lá estava com os guerrilheiros... A atmosfera era das mais animadas.
A um sinal de Sem Medo, o Chefe de Operações entregou-lhe o envelope.
Imediatamente
o Comissário reconheceu a letra da amada e sorriu. Sentou-se reservadamente
para ler a carta... Aos poucos sua fisionomia se alterou até assumir ares de total
apatia.
No mesmo instante, Sem Medo entendeu que Ondina havia
explicado tudo naquele papel. Então decidiu que era melhor deixar que o
camarada refletisse e por si mesmo saísse do estado apático.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto