terça-feira, 5 de março de 2019

“Mayombe”, de Pepetela – João avança em meio à mata fechada; Sem Medo recorre às prerrogativas do regulamento para dissuadir o Comissário; de “guia de marcha” e da condição de “infectado”

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/03/mayombe-de-pepetela-os-camaradas.html antes de ler esta postagem:

Sem Medo lembrou que a decisão (do Comissário Político) de ir a Dolisie por causa do mal feito de um dirigente irresponsável equivalia a condenar toda organização do movimento.
O Comissário estava revoltado e disparou que nada podia esperar dos que ocupavam postos de direção... Mas será que ele mesmo não se lembrava de que também era um dirigente?
(...)
Sem Medo sugeriu que se sentassem para conversar mais... O outro resistiu... Sugeriu que partissem no dia seguinte, com mais tempo e calma. Desse modo, podiam retornar à Base para fazer uma restauradora refeição... Iriam juntos a Dolisie, pois a situação política também exigia a sua presença.
O Comissário deu de ombros e garantiu que não se importava com os problemas políticos do movimento. Mas não seria melhor seguir legalmente a viagem em vez de desertar? Ele respondeu que já que o chefe da Base estava sabendo de suas intenções, não podia ser considerado desertor... Além disso, como fazia parte do Comando, podia tomar as próprias decisões.
(...)
Como se vê, temos a impressão de que os papéis se inverteram... O anarquista mostra que quer seguir o regulamento, e o sempre comedido Comissário Político está desprezando as regras.
Vê-se que seu nervosismo foi direcionado para a organização do movimento que, em sua opinião, só os apunhalava pelas costas.
Neste ponto, Sem Medo ofereceu-lhe cigarros de um dos maços novos que chegaram com os mantimentos... O Comissário aceitou e isso foi um alívio para o Comandante, que esperava ganhar tempo e usar de mais cautela para dissuadi-lo.
(...)
Na sequência trocaram ideias sobre a situação desagradável...
O Comissário quis saber o que o amigo faria se ele insistisse na caminhada... Sem Medo respondeu que só lhe restaria prendê-lo ou acompanha-lo. Evidentemente não aprovava a ideia de torná-lo prisioneiro, já em relação à segunda hipótese havia o inconveniente de não ter comunicado à Base, além de não estar devidamente preparado para a empreitada. Sequer trazia uma mochila!
O Comissário observou que Sem Medo jamais o prenderia. Para o Comandante, talvez as circunstâncias o levassem a isso. Sobretudo porque não podia permitir que fosse sozinho.
Sem Medo perguntou-lhe o que esperava fazer em Dolisie... Pela primeira vez o chamou pelo nome, João, que era como Ondina o chamava.
João disse que pretendia “resolver o problema”, mas não tinha a menor ideia de como o faria. Evidentemente ainda estava com a mente bastante perturbada pelo impacto provocado pela carta. Mais uma vez, Sem Medo sugeriu que retornassem à Base, pois assim teria tempo para pensar melhor... Prometeu que o acompanharia na viagem da manhã seguinte.
Para o Comissário, havia a convicção de que precisava falar com a noiva. Sem Medo destacou que havia o agravante de chegar a Dolisie sem uma “guia de marcha”... O Comissário respondeu que sua situação era equivalente à de um infectado pela sarna... Sendo assim, ninguém se aproximaria dele para exigir qualquer “guia de marcha”. Todos o evitariam! O mal que passara a carregar (com a traição de Ondina) era algo que jamais lhe seria extirpado. Com esse tipo de infecção, ninguém se importaria se desertasse, ou se passasse a proferir ofensas a todos e ao movimento.
De que valia um “guia de marcha” a um infectado? O Comissário estava sentindo na pele a dor da traição e o quanto seria ultrajado pela infâmia. Todos o veriam como um “corno”.
E isso era-lhe demasiado pesado.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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