segunda-feira, 4 de março de 2019

“Mayombe”, de Pepetela – os camaradas conversam a respeito da desgraça do Comissário pelos cantos; nada mais parece importar e o sentimento de traição o leva a avançar para Dolisie

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/03/mayombe-de-pepetela-atividades.html antes de ler esta postagem:

Sem Medo foi à cozinha para orientar que preparassem um almoço mais reforçado e abundante... Nem precisava porque os responsáveis pela tarefa já haviam tomado a iniciativa.
Por toda parte viam-se guerrilheiros conversando a respeito do boato que manchava a reputação do Comissário Político. O comandante pensou que, pelo menos, o principal interessado não fora o último a saber... Então pensou em Ondina com certa admiração.
(...)
O Chefe de Operações aproximou-se para dizer que certamente haveria muitos problemas. A direção em Dolisie estava em polvorosa e esperava-se que o André fosse substituído o quanto antes. Sem medo respondeu que gostaria mesmo que isso ocorresse. O outro avisou que tanto o Comissário quanto o Comandante da Base seriam convocados a Dolisie.
Sem Medo respondeu que o Comissário Político iria se quisesse. Ele mesmo tinha dúvidas se estava disposto a ir... Acrescentou que toda situação era problema da organização, que devia encontrar o dirigente infrator e desaparecido.
O Chefe de Operações explicou que o tipo devia estar escondido e apavorado com a reação dos militantes. Obviamente os desdobramentos seriam os piores e envolveriam a questão do tribalismo. As saídas da cidade estavam vigiadas e não o pegaram em nenhum comboio. Isso quer dizer que, ou ainda estava em Dolisie, ou escapara camuflado num carro para Brazza (Brazzaville, a capital da República do Congo).
O problema era sério mesmo e os que se agitavam com a temática do tribalismo ficariam ainda mais ouriçados ao constatarem que um kikongo (André) se deitara com a noiva de um kimbundo (o Comissário). Sem Medo pensou a este respeito e anteviu que o André se enterrara de vez... Desde que se envolvesse apenas com as congolesas ninguém implicaria.
(...)
Sem Medo não se sensibilizava com a situação do André. Em vez disso, angustiava-se pelo fato de sua decadência se dar às custas do pobre Comissário. Mas tinha de haver uma mulher na trama! Caim deve ter matado Abel por causa de uma mulher... Talvez a Bíblia escondesse essa verdade.
(...)
Sem Medo pensava sobre a situação enquanto se dirigia para a sala do Comando, onde esperava conversar com o Comissário...
Logo que chegou, encontrou-o preparando sua mochila. Via-se que estava transtornado e que o seu olhar encerrava um profundo vazio. Estava claro que planejava sair.
Logo de cara, o comandante quis saber se o camarada iria para Dolisie... Não houve resposta... Sem Medo apoiou uma de suas mãos no ombro do camarada e perguntou se ele não gostaria de conversar. Este nada disse, ajeitou a mochila nas costas e tomou a arma a arma e o cantil para iniciar a caminhada.
Não havia como estabelecer diálogo, então Sem Medo pegou seu rifle e o seguiu. Logo percebeu que seria difícil acompanhá-lo mais de perto porque os passos do Comissário eram largos e apressados.
(...)
Passaram por trechos cortados por regatos e de trilhas mais fechadas... O Comissário não se importava com os vários ruídos que provocava. Parecia que não se dava conta de que Sem Medo seguia no seu encalço...
Mas de repente ele parou e se virou querendo saber por que o estava seguindo. Sem medo respondeu que o acompanharia. Embora não lhe tivesse dito para onde ia, sabia que o destino era Dolisie. Numa tentativa de dissuadi-lo, alertou-o sobre a sua saída da Base de forma ilegal.
Isso significava que o comandante poderia prendê-lo e levá-lo a julgamento... O Comissário explicou que não era fugitivo e tampouco se tratava de um desertor. O comandante respondeu que, enquanto ele não se esclarecesse, era como se estivesse abandonando o movimento. Emendou que, nesse caso, tinha o dever de segui-lo.
O Comissário sentenciou que já não se importava com o regulamento e que se quisessem podiam considerá-lo desertor.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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