sábado, 16 de março de 2019

“Mayombe”, de Pepetela – com a saída do André, mudanças deviam ser feitas na direção; opiniões de Sem Medo a respeito das potenciais lideranças e especificamente sobre Mundo Novo

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/03/mayombe-de-pepetela-tribalismo-do-velho.html antes de ler esta postagem:

O dirigente enviado por Brazzaville conhecia bem o Sem Medo e gostou de ouvir suas considerações sobre o Comissário Político que, apesar de abatido emocionalmente, haveria de superar o drama provocado pelo envolvimento de sua noiva com o André. Ele observou que Sem Medo o tinha em boa consideração e salientou que pensava mesmo que o jovem comissário tinha futuro político promissor.
O comandante concordou e disse que fazia o que podia para ajudá-lo. O dirigente disse que até já tinha ouvido que ele o tratava como a um filho.
Sem Medo respondeu que não possuía qualquer instinto de paternidade e que as observações a respeito do tratamento que dispensava ao camarada Comissário eram apenas um modo de “rotular” os seus atos.
(...)
Por fim o dirigente explicou que escolhia o próprio Sem Medo para assumir o posto de responsável em Dolisie. Ele seguiria para Brazaville com o André enquanto que Sem Medo responderia pela organização até que a direção enviasse o novo responsável. Tudo indicava que seria apenas por uma semana.
Sem Medo ameaçou protestar, mas o outro garantiu que seria mesmo por pouco tempo porque todos sabiam que sua presença era extremamente necessária no interior e junto à Base. O comandante disse que estavam planejando umas ações, mas a falta de alimentos prejudicou muito... E depois ocorreu o caso da Ondina com o André...
Sem Medo quis dizer que estava disposto a colaborar sobretudo porque o Comissário Político não estava em condições de assumir todas as responsabilidades. Por fim chamou a atenção sobre a necessidade de nomearem alguém mais capaz para Dolisie, pois estavam cansados de burocratas que só atravancavam o movimento.
O dirigente disse que os melhores quadros eram os que estavam em combate armado. Perguntou ao Sem medo se ele concordava em deslocá-los para a direção.
O comandante respondeu que só em último caso deveriam recorrer àquela alternativa. Citou os que ele considerava capazes, entre eles Mundo Novo e Teoria... E adiantou que Muatiânvua, Milagre, Verdade e o Chefe de Operações eram muito bons combatentes e demonstravam grande potencial.
(...)
O dirigente perguntou especificamente sobre Mundo Novo. Sem Medo esclareceu que, de sua parte, esperava vê-lo mais em ação na guerrilha para que se soubesse de sua real condição. Certamente tinha boa formação, mas conheciam mais de seus discursos do que de sua personalidade.
Havia a possibilidade de chamarem o Mundo Novo para o posto que era ocupado pelo André. O dirigente quis saber qual era a opinião de Sem Medo. Este respondeu que pensava que seria melhor promovê-lo aos poucos... Inicialmente poderiam colocá-lo como “chefe de grupo”, a mesma “patente” de Kiluanje.
(...)
Sem Medo foi sincero ao dizer que, pessoalmente, não tinha afinidade com o Mundo Novo. As concepções de ambos sobre o movimento guerrilheiro não se encaixavam. O comandante deixou claro que dificilmente se tornariam amigos. Como sabemos, o rapaz ainda estava muito preso aos manuais e contava pouca experiência.
Apesar disso, Sem Medo não deixou de reconhecer que Mundo Novo seria capaz de se tornar uma boa liderança. Então, como o movimento precisava mesmo de “sangue novo”, não podia descartar a possibilidade de chamar Mundo Novo a Dolisie.
O dirigente concordou e destacou que aquela parecia ser a “lógica das coisas”. Ainda que se considerasse o rigor teórico do rapaz, acreditava-se que ele tinha condições de organizar uma sólida retaguarda.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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